Como jovens da periferia do Rio se tornaram líderes no debate sobre mudança climática
- Paula Freitas
- 7 de mai.
- 7 min de leitura
Financiado pela Prefeitura, programa Jovem Negociadores pelo Clima ocupou espaço central nas discussões ambientais no G20 e se prepara para COP30

Fundado em 2023, o programa Jovens Negociadores pelo Clima é fruto de uma parceria entre Observatório Internacional de Juventude, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima e Instituto Perifalab, uma rede de aceleração de lideranças periféricas. No ano passado, pintou uma novidade: aqueles que participaram anteriormente da iniciativa poderiam engatar em um projeto de Residência que lideraria eventos no Comitê Municipal Rio G20, incluindo o G20 Social e O Urban 20 (U20), que reúne prefeitos de cidades dos países membros do grupo, e é composto pelas maiores economias do mundo. A experiência, segundo quem participou, foi transformadora e desafiadora na mesma medida. Uma nova turma de residentes está prestes a ser formada, no mesmo ano em que o Pará sediará a COP 30, como é chamada a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
O Rampas ouviu histórias de Jovens Negociadores, suas relações com a justiça ambiental, suas vivências enquanto moradores da periferia e, claro, suas expectativas para o maior evento climático do planeta.

Ian e a importância da educação
Ian Lima, de 21 anos, deu os primeiros passos para desbravar o universo da natureza quando ainda estava na escola. No quinto ano do fundamental, uma professora o incentivou a aprender mais sobre o Rio a partir de livros, dados por ela, e de filmes exibidos na sala de aula. A faísca logo acendeu, e ele mergulhou de cabeça sobre a geografia e a história da cidade. Fruto da rede municipal de ensino, ele se tornou um apaixonado pela primeira disciplina, por “articular as questões físicas, como relevo, hidrografia e clima com questões sociais e políticas”. No ensino médio, estudou Edificações no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) por quatro meses até que ingressou no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), onde se formou técnico em meio ambiente. Não parou por aí e, mais tarde, ingressou no curso de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
“Desde que saí do IFRJ, a busca por qualidade de vida nos subúrbios se transformou num objetivo, mesmo que bem difícil, até porque o subúrbio também é meio ambiente”, contou Ian ao Rampas.
Assumir esse sonho nem sempre foi fácil. O estudante teve de lidar com a desmotivação de familiares. Afinal, para eles, o “esforço de participar de coalizões, manifestações, ONGs e manifestos era perda de tempo”, segundo Ian. Ele relatou que também foi desaconselhado a cursar uma faculdade relacionada ao meio ambiente porque “não dava dinheiro". No entanto, o morador de Encantado, um bairro na Zona Norte, afirmou que não tem ressentimentos.
“Não os culpo. Essa é a realidade deles. Somos uma família pobre e eles cresceram com o ideal de que temos que usar nosso esforço total para trabalhar e nos sustentar”, ponderou. “O propósito do ativismo não faz sentido para eles.”
Ian passou a integrar o Observatório Internacional de Juventude e logo participou do programa Jovem Negociadores pelo Clima. “Somos preparados, de forma teórica e prática, a sermos negociadores formados para incidir em discussões nacionais e internacionais, para que os processos decisórios incluam a nossa história”, explica. Ao todo, 150 jovens foram formados pela iniciativa, com participações no G20 Social, U20, COP 28, COP 29 e Cúpula da Amazônia. De olho nas redes sociais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima, ele descobriu a criação do Programa de Residência para Egressos e não demorou para realizar a inscrição.
“Foi super simples, era basicamente um formulário eletrônico com questões pessoais e discursivas sobre a nossa percepção ambiental. Em seguida, tivemos uma entrevista para que me conhecessem melhor, meus objetivos e visões. Alguns dias depois, recebi o resultado”, relembrou o ativista.
O grupo de escolhidos foi, então, dividido entre comunicação, gestão de eventos paralelos, G20 social e grupos de engajamento, todos importantes “não só para tornar a experiência de G20 um legado para a cidade, mas também para tornar a experiência dos visitantes e dos moradores mais próxima das negociações que, geralmente, são extremamente fechadas”.
“Para mim, a área de química e meio ambiente foi uma experiência completamente enriquecedora. A gente fica imerso na gestão pública, entende dos processos e das burocracias envolvidas e, principalmente, entende dos desafios e das oportunidades do G20 e do engajamento social”, pontuou. Para ele, o programa destaca a importância da juventude para a gestão pública, ao mesmo tempo em que “não só mostra que os gestores estão atentos à pauta climática, mas que também estão conectados, de certa forma, à juventude”. Agora, é esperar para ver quais são os resultados da COP 30, que terá início em 10 de novembro em Belém, uma cidade amazônica, no estado do Pará. “Confio que o Brasil trará, mais uma vez, seu perfil inovador e seu posicionamento altivo e ativo para as negociações”, diz ele, numa esperança definidora dos verdadeiros ativistas.

Gaio e a militância desde a infância
Para Gaio Jorge, de 25 anos, o ativismo faz parte da história da sua vida. “Pode parecer clichê, mas a militância começou quando eu nasci. Sou um jovem de periferia, nasci na favela do Muquiço (na Zona Oeste do Rio de Janeiro)”, conta. Aos 11 anos, ele participou de uma feira de ciências na escola, ajudando a criar móveis sustentáveis que seriam usados no próprio evento. A partir dali, passou por um processo de conscientização, muito em razão de um curso técnico em meio ambiente no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), e não parou mais de lutar pela causa. Já na faculdade, no curso de Engenharia de Alimentos, ficou cara a cara com as desigualdades sociais e decidiu fundar o Coletivo Criação em 2020, em Honório Gurgel. Naquele ano, o projeto conseguiu ajudar cerca de 300 famílias com cestas básicas, kit de higiene e orientações de prevenção sobre a Covid-19.

O Mapa da Desigualdade, que reuniu dados socioeconômicos de 2021 e 2022 sobre os municípios da Região Metropolitana do Rio, destaca o panorama de disparidades na cidade. Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi o mais afetado por fortes chuvas no período, com 964.896 pessoas atingidas. Gaio explica que, apesar da falta de números recentes, os alagamentos continuam a trazer problemas à periferia.
“Um dos maiores símbolos de militância que o Coletivo foi, realmente, o combate às enchentes de 2024. Retorno da COP 28, em Dubai, com o propósito de devolver o conhecimento que aprendi, o legado que o território me deu e dar a cara a tapa para ajudar a população no enfrentamento a essas enchentes. Aproximadamente 200 famílias foram impactadas pelas nossas mobilizações em Rocha Miranda, Honório Gurgel, Barros Filho, Parque Columbia”, recorda Gaio.
O engenheiro conta que participar do ativismo climático gerou estranheza por ser um homem em um ambiente dominado por lideranças femininas. Mas não titubeou. No meio de amigos e familiares, ele diz que foi questionado, no bom sentido, sobre a importância de lutar por questões ambientais. “Quando mais jovem, na favela, falar de meio ambiente é falar sobre abraçar árvores, fazer ciranda em parque. Era muito distante”, relata, acrescentando que a prioridade era “lidar com muitos outros atravessamentos que, na nossa cabeça, eram mais importantes, como segurança e mobilidade”. Ele trouxe à tona, para o seu círculo pessoal, assuntos urgentes: alagamentos, ondas de calor, eventos climáticos extremos, racismo ambiental e justiça climática, entrando “no vocabulário deles”.
Gaio, que já atuava onde morava, entrou para os Jovens Negociadores pelo Clima, que também tem como objetivo fortalecer lideranças periféricas e comunitárias em atividade. “É, realmente, uma capacitação para que você consiga incidir, a partir da sua realidade, em espaços internacionais de disputa”, frisa. Além da bagagem da COP 28, ele participou da residência no G20, ao lado de 13 jovens, incluindo Ian. “Cada jovem pode participar um pouco de tudo, como side-events, além da construção do G20 Social. Sobretudo, foi importante para entender como o G20 funciona e pode mudar o nosso território”, concluiu.

Um olhar atento à periferia
Os eventos climáticos extremos já são realidade para os cariocas. Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em setembro do ano passado, apontou que 66% dos moradores do Rio consideram a mudança climática um risco imediato. Além das enchentes relatadas por Gaio, a cidade tem registrado fortes ondas de calor, danosas à saúde por aumentar os riscos de desidratação e exaustão térmica. Em 2023, a sensação térmica atingiu um pico inédito: 58,5°C em Guaratiba, na Zona Oeste.
Viver em meio a temperaturas recordes é, em especial, danoso para moradores da periferia. “Geografia urbana que coloca a maior parte das pessoas de classes mais baixas em situações de risco, especialmente por conta das moradias em em encostas e condições irregulares”, explica o professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Pablo Braga, que também é pesquisador do Observatório Interdisciplinar de Mudanças Climáticas (OIMC). “Os que mais sofrem são os que menos contribuíram para as mudanças climáticas”, acrescenta Braga.
Ter uma visão descentralizada do Rio, como fazem os Jovens Negociadores pelo Clima, parece ser uma peça-chave para o governo municipal implementar as adaptações impostas pelo aquecimento global, sem vias de ser controlado. Afinal, o programa não é voltado para grandes eventos, como G20 e COP30, mas para impulsionar debates. Fora dos holofotes, a turma engata em palestras e eventos que abordem as mudanças climáticas, incluindo aí uma gama de instituições, de Fiocruz ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O legado, como esperam os participantes, é promover uma conscientização ampla, sem deixar de lado a periferia, e incentivar a luta pela justiça climática. Com espírito idealista e força de vontade incontrolável, a juventude que vive às margens do poder público desponta com alternativas inovadoras para o futuro da cidade. Basta, agora, ouvi-la.
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