Moradores de Queimados vivem há anos em bairros não asfaltados e sofrem diariamente com a falta de mobilidade, saneamento básico e segurança
Maria do Socorro Freitas trabalha de segunda a sábado como diarista e atendente em uma loja de câmbio nos bairros Tijuca, Botafogo e Copacabana. Durante os 31 anos morando em meio à lama, ela não consegue contar nos dedos as vezes em que precisou ter sua vida paralisada por causa dos infinitos problemas em seu bairro. Em dias chuvosos, Maria acrescenta ao seu visual sacolas plásticas nos pés, que devem ser bem amarradas. “Eu sinto muita vergonha de pegar o Japeri com o tênis todo sujo de barro. Quando chego na Central do Brasil eu coloco outro calçado, porque, como preciso pegar o metrô, as pessoas olham estranho e às vezes até me tratam mal”, desabafa Maria do Socorro.
Assim como Maria do Socorro, outros moradores lidam diariamente com a falta de mobilidade urbana. No dicionário a palavra significa "facilidade de se mover”, ou seja, é a ideia de tornar esse movimento fluido e o mais prático possível, para que as pessoas possam se mover com facilidade e segurança. E, na prática, não é isso que as pessoas que residem em bairros não asfaltados em Queimados vivem.
Caminhando pelo Jardim da Fonte, o barro e os buracos tomam conta da paisagem. O bairro, abandonado pelas autoridades, é movimentado e preenchido por casas e comércios de todos os tipos. Ronald dos Santos mora há mais de 45 anos no local e é dono de uma pequena borracharia. Ele conta que diariamente aparecem carros e motos com pneus danificados por causa dos buracos e também de objetos que acabam fixando no barro, como pregos e parafusos. Para ele, muitas coisas precisam ser feitas. “Por aqui falta tudo. Seria bom uma área de lazer, uma quadra esportiva com projetos sociais para ajudar as crianças. Tem um rapaz que dá aula de karatê, mas é pago, nem todas as famílias podem custear. Tinha que ter algo cultural para tirar as crianças disso aqui”, observa Ronald.
Além disso, outro problema que afeta a vida dos moradores é a falta de saneamento básico, que segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), é o conjunto de serviços e infraestrutura de abastecimento de água, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais urbanas. Para Cleiton Rodrigues, que mora em uma das poucas ruas asfaltadas do bairro, resolver um problema não anula o outro. Hoje eles sofrem com a falta d'água e também do saneamento básico. “Tudo demora pra chegar aqui.
Recentemente eles (Prefeitura) botaram uma equipe de limpeza no bairro, mas isso é uma coisa que eles deveriam fazer de quinze em quinze dias. Nos 24 anos que moro no Jardim da Fonte, isso aconteceu pela primeira vez, é um absurdo”, pontua Cleiton.
Muitas crianças brincam nas ruas do bairro. Elas não parecem se importar com a poeira e muito menos com os carros e as motos que passavam por elas. Uma criança reclama que arrebentou o chinelo correndo no barro e decide ir para casa. Paula Amorim tem um pequeno salão de beleza e mora há 12 anos no bairro. Enquanto fazia a unha da cliente Aline Garcia, contou: “Aqui tem esgoto vazando para todos os lados, as manilhas vivem quebrando. São vários problemas que os políticos vão deixando de lado”. Aline destaca que muitos acidentes acontecem na rua. Ela conta que geralmente os carros acabam colidindo com as crianças e com pessoas que andam de bicicleta.
“Aqui é o famoso ‘Piscinão de Ramos’. Nossa rua é a principal do ônibus e quando chove é a pior que fica. Sem falar que é muito raro o ônibus passar por aqui quando está tudo alagado. Os moradores até fecham as ruas porque os ônibus passam em cima das poças d'águas e entra tudo para as nossas casas. Me revolto por causa das nossas crianças também, a gente tem que levar elas para à escola na chuva e com sacolas amarradas nos pés pela falta de transporte”, completa Aline.
Mesmo concentrada nos pés de Aline, Paula mostra sua indignação. “Esses políticos ainda não fizeram nada porque não são eles que moram aqui, entendeu? Só sabem prometer, cumprir que é bom nada! E a gente continua vivendo na lama, largados”, conta Paula. “Sem falar que em dias de chuva afeta todo o movimento do meu salão, ninguém quer afundar o pé na lama.”
Após passar o sábado conversando com algumas pessoas, o dia foi escurecendo rapidamente. Poucas eram as ruas que tinham iluminação nos postes, e voltar para casa estava se tornando um desafio. A violência e a falta de segurança também são motivos de preocupação para os moradores. Segundo eles, os números de roubos e assaltos no bairro aumentaram nos últimos anos. A moradora Maria do Socorro evita ficar sozinha na rua até tarde, já que pela insegurança ela prefere se proteger dentro de casa. “Nós somos os esquecidos. Parece que as autoridades sabem disso mas preferem não fazer nada. Minha filha mora aqui perto, no Pau da Forca, mas às vezes é impossível visitar ela por conta da violência. Sem falar que quando chove nem a pé consigo ir na casa dela, é certo de eu ficar atolada”, explica Maria do Socorro.
Próximo ao Jardim da Fonte, o bairro Belmonte também é exemplo de descaso. Os moradores que aceitaram falar à reportagem moram em um morro de chão de barro com muitos buracos e algumas valas abertas. Eliete de Souza mora há 30 anos no bairro, e diz que os maiores problemas são a falta d'água, o asfalto e também o esgoto, que nunca existiu na rua. “Deveriam olhar mais para o nosso bairro carente, nós pagamos tantos impostos e não vemos nenhum resultado. Há 30 anos que moro aqui e não muda nada”, afirmou Eliete. Os moradores relataram a constante falta d'água no bairro, eles contaram que precisam andar alguns metros para pedir um pouco de água aos vizinhos que possuem poço em casa.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Queimados possui apenas 47,4% de urbanização adequada de vias públicas, ou seja, com bueiros, pavimentação e meio-fio. Entre as 92 cidades do estado do Rio, ocupa a 31ª posição neste tipo de serviço. Ao todo, o município conta com 151.335 habitantes (população estimada em 2020). Em nota, a Prefeitura de Queimados informou que é parceira da concessionária Águas do Rio e busca com a empresa, após assumir a responsabilidade sobre águas e esgoto na região metropolitana, soluções para o problema que afeta grande parte da Baixada Fluminense. Por contrato, a empresa tem 5 anos para fazer um diagnóstico completo da situação e apresentar soluções céleres e executáveis.
A Prefeitura afirmou ainda que está desenvolvendo projetos de pavimentação e saneamento para bairros que historicamente nunca receberam atenção do poder público, entre eles, Roncador, Paraíso, Luiz de Camões e Três Fontes. Segundo a prefeitura, os bairros Jardim da Fonte, Vila São João e Parque Olímpico receberão melhorias em breve. Enquanto as melhorias não chegam, os moradores vão continuar enfrentando os mesmos problemas de sempre.
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