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Foto do escritorRebeca Passos

A história de um brasileiro aliciado por uma quadrilha de cassinos online no Camboja

Atualizado: 11 de jun.

Cozinheiro carioca migrou com a namorada em busca de trabalho e se viu na mira de organização criminosa


Casal ficou três meses no Camboja sob a mira de criminosos - Foto: Getty Images

Empolgados com a perspectiva de uma vida melhor,  W.B. e sua namorada receberam uma proposta tentadora de um primo  dele – trabalhar como corretor de criptomoedas no Camboja e receber 900 dólares por mês. Com contrato assinado e passagens pagas pelos futuros empregadores, W. abandonou seu antigo emprego de cozinheiro e partiu para a nova aventura. Nas primeiras semanas, ele, sua companheira e mais oito brasileiros foram recebidos com banquetes e bastante álcool. Com o passar do tempo, perceberam o verdadeiro propósito do trabalho: promover uma plataforma de cassino online fraudulenta, explorando clientes que depositavam dinheiro e perdiam tudo. “Ali eu vi que era uma passagem só de ida”.


W. recebeu a oferta de trabalho de seu primo S. em maio de 2022 e em junho embarcava em um avião para o Camboja.  A proposta inicial seria receber 900 dólares por mês – quase R$ 4.500 –, mais as comissões por venda. W.B. pediu demissão do hotel na Barra da Tijuca e assinou o contrato. De início, houve preocupações: “Minha companheira também foi chamada. Ela questionou S. sobre medicamentos, pois sofre de epilepsia, e aqui tem o suporte do SUS (Sistema Único de Saúde). Ele disse que haveria todo o suporte”. 


O casal saiu do Rio de Janeiro com mais três pessoas. Fariam três escalas: uma em Guarulhos, em Dubai, nos Emirados Árabes, e outra em Bangkok, capital da Tailândia, até o destino final. No Aeroporto Internacional de Guarulhos, encontraram mais cinco brasileiros, além de um dos aliciadores e um dos chefes da organização. Em São Paulo, conta W.B., o grupo todo fez refeição num rodízio de comida japonesa, em um dos restaurantes mais caros do aeroporto, tudo pago pelos chefes. “Neste momento percebi que eles tinham muita grana e eram bem poderosos”. 


No dia seguinte os brasileiros embarcaram para fora do país. Problemas com o visto em Bangkok causaram preocupação, diz W.B., porém foram resolvidos após S. fazer diversas ligações e conseguir um visto de trânsito para o Camboja. Ao chegarem a Phnom Penh, capital do Camboja, havia um representante local. O grupo foi desviado dos outros passageiros do avião. W.B. disse que neste momento percebeu que havia caído em um golpe: “Meu maior medo era reterem nossos passaportes. Percebi que viramos marionetes”. 


As vítimas ficaram hospedadas no alojamento em um hotel em Sihanoukville, cidade a seis horas de distância da capital cambojana. O local, relata W.B., lembrava um paraíso fiscal, cheio de construções inacabadas, muitos cassinos e comércios locais. Seus quartos eram grandes e aconchegantes, mas não havia muito luxo. No início o grupo foi bem recebido, com festas, banquetes e muito álcool. O novo trabalho também foi apresentado, e eles participaram de treinamentos sobre informática, marketing e criptomoedas. “Nada mais era que propagar uma plataforma de cassino online  fraudulenta. Os clientes depositavam dinheiro e perdiam tudo”.


W.B., ao perceber a natureza criminosa da atividade, começou a planejar sua fuga.  “Precisei segurar a minha onda e da minha namorada até achar um modo de fugir de lá”. Os passaportes de todos foram retidos na segunda semana, mas devolvidos quando o grupo viajou para a Tailândia para resolver questões de visto. Os dois primeiros meses foram de muita aflição.


Os salários eram pagos corretamente e eram oferecidas até três refeições diárias. No escritório da empresa, havia grupos de brasileiros, e semanalmente chegavam mais. “Chegamos a 50”, revela a vítima. “Éramos tratados como marionete dos que falavam mandarim, pois eram os únicos que entendiam os chineses, que eram os chefes”. Também estavam condicionados a sair do alojamento sempre com eles. 


No segundo mês, o desespero aumentou. “Ficamos desesperados porque o remédio da minha companheira acabou e não achamos em lugar nenhum”. W.B. conta que tentou sair de forma “tranquila”, mas o rompimento do contrato implicava uma multa de 5 mil dólares (cerca de 25 mil reais), fora a passagem por conta própria. 


Com o tempo, a vítima conta que a segurança diminuiu à medida que a atividade enganosa começou a falhar. O Ministério das Relações Exteriores (MRE) publicou em agosto de 2022 que, desde julho do mesmo ano, casos de aliciamento de brasileiros para trabalho em condições análogas à escravidão no Camboja vinham sendo notificados às representações diplomáticas brasileiras no exterior. W.B. diz que houve denúncias à embaixada da Tailândia. Logo o hotel precisou ser evacuado. Foi a chance dele e de sua companheira de escaparem do local.


W.B. disse que brasileiros não eram as únicas vítimas, existiam pessoas de outros países como Nepal e Índia também - Foto: GreenOak's Images

O caso do casal de brasileiros no Camboja não é isolado. Relatório da ONU de 2023 aponta um aumento na quantidade de cassinos e operações de jogos de azar online no Sudeste Asiático. Entre 2014 e 2019, o número de cassinos no Camboja aumentou em 163%. Grupos criminosos organizados têm operado no país há mais de uma década, com um aumento acentuado desde 2016. Essas práticas são proibidas em diversos países como China, Camboja, Tailândia e Laos, mas, em muitos casos, a ação criminosa acha uma forma de se adaptar à nova realidade.


A pandemia de Covid impactou as atividades ilícitas na região. Autoridades fecharam cassinos em muitos países e, em resposta, operadores de cassinos transferiram seus negócios para territórios menos regulamentados e para o espaço online. Trabalhadores migrantes desempregados e pessoas passando mais tempo online tornaram-se alvos fáceis para essas fraudes.


Ludmila Paiva, assessora de advocacy do Projeto Ação Integrada do Ministério Público do Trabalho (MPT - RJ), em parceria com a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, explica que as práticas ilícitas mais comuns incluem estelionato, cárcere privado, tortura, exploração sexual, exploração de pessoas com deficiência, mendicância forçada e aliciamento para transporte e comercialização de drogas. As vítimas enfrentam barreiras linguísticas, desconhecimento sobre direitos e instituições de apoio, coerção, medo e dependência econômica e emocional, o que dificulta a denúncia e a busca por ajuda – “Nem todos os países possuem uma rede estruturada para assistência as vítimas”. De acordo com site do MRE, o Camboja não possui embaixada ou consulado brasileiro no país. 


Para Ludmila, as políticas públicas precisam ser aprimoradas para combater o tráfico internacional: “O tema carece de uma abordagem mais estrutural desse fenômeno com foco na garantia de direitos das pessoas migrantes”. É necessário integrar diversos atores na rede de enfrentamento e adotar uma abordagem humanizada que priorize o bem-estar das vítimas.


No caso de W.B., após a fuga, ele e a companheira conseguiram abrigo com a ajuda da família e de um amigo. O casal ficou por uma semana em uma ilha próximo ao alojamento do hotel, período necessário para entrar em contato com uma tia e ela comprar duas passagens para Portugal, onde sua estadia também não foi fácil, porém, acreditou ter a oportunidade para fazer o que gostava de verdade: cozinhar.


Para a vítima, ele não foi o primeiro e nem o último a ter caído no golpe. “Foram momentos de aflição, mas, ao mesmo tempo, encarei como um desafio. Aquilo seria apenas uma história para contar”.


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