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Foto do escritorRichard Gabriel

A nova lição dos escoteiros

Grupo de escotismo na zona norte chega aos seus 67 anos sabendo que, para sobreviver na floresta, é preciso antes mantê-la de pé


Atividade do grupo na praça Xavier de Brito na Tijuca. Foto: Richard Gabriel

Era novembro de 1957 quando um grupo da zona norte do Rio de Janeiro, pensou em criar um espaço onde crianças e jovens pudessem aprender valores como responsabilidade, trabalho em equipe e respeito à natureza. Eles usaram um espaço na paróquia Paróquia São José e Nossa Senhora das Dores, no bairro do Andaraí, para abrigar a sede do que seria o 76º Grupo Escoteiro Nossa Senhora Medianeira. Até hoje o grupo, que celebra 67 anos de existência, se mantém firme entre os mais de 100 núcleos de escotismo fluminenses.


O lenço azul, branco e amarelo marca a tradição de um grupo que se conecta com seus membros principalmente pela sua história à medida que resiste em meio às dificuldades que o movimento enfrenta após a pandemia. Atualmente, localizado no estacionamento do Colégio Marista São José, o Medianeira mantém sua sede em meio às árvores da floresta da Tijuca e valoriza a localização para investir em projetos socioambientais. Afinal, só é possível aprender a sobreviver na floresta se ela estiver de pé.


Em 2024, por exemplo, o grupo participou de um mutirão de plantação de 100 mudas na Floresta da Tijuca em conjunto com o Rotary Club. Além disso, tem o costume de fazer campanhas de arrecadação de itens como material para higiene pessoal, doces para a Páscoa e brinquedos, como a que promoveu no mês de dezembro, em que arrecadou brinquedos para alegrar o Natal da comunidade da Indiana, localizada em frente à sede. “O movimento é muito mais do que aprender a sobreviver na floresta como acham. A gente aprende sobre convivência na sociedade, disciplina, obediência e a se importar com o próximo e colocar a mão na massa.” explica Bernardo Lessa, 18, que está no movimento desde 2012.


“O grupo se adaptou ao longo dos anos, mas manteve sua essência de ser um espaço acolhedor e uma família”, comenta Luciana Braga, 60, atual presidente do grupo. Luciana entrou no movimento em 2002, com o filho que era escoteiro. Aos poucos foi auxiliando no grupo até resolver se tornar dirigente e atualmente além do cargo na presidência é também mestre pioneira no grupo (chefe do Ramo Pioneiro).


Como funciona o escotismo?


O movimento foi fundado por Baden-Powell em 1907, na Inglaterra, o escotismo é um movimento educacional global que busca desenvolver o caráter, a liderança, a autonomia e o senso de cidadania dos jovens por meio de atividades práticas. No Brasil, ele chegou em 1910 e, ao longo dos anos, se consolidou como um dos mais notáveis movimentos de juventude. 


O movimento se organiza em 4 diferentes ramos de acordo com a faixa etária, sendo eles:


  • Ramo Lobinho: jovens de 6,5 a 10 anos;

  • Ramo Escoteiro: jovens de 11 a 14 anos;

  • Ramo Sênior: jovens de 15 a 17 anos;

  • Ramo Pioneiro: jovens de 18 a 21 anos incompletos.


Após o ramo pioneiro, ou direto a partir dos 18 anos, o jovem pode se tornar voluntário, tanto como chefe nos ramos, quanto como assistente na parte administrativa do grupo. Os voluntários passam por cursos de formação e também possuem suas próprias etapas de progressão pessoal dentro do escotismo.


O olhar do voluntário


Tainá Gomes, 28, entrou no movimento há 21 anos. Ela conta que o processo de transição entre a vida como jovem e como voluntária no grupo aconteceu de forma natural, porém não descarta os desafios que vieram juntos. “Quando nos tornamos voluntários vem junto algumas novas e grandes responsabilidades, e nos deparamos com os “bastidores” que antes eram desconhecidos. Ao mesmo tempo é extremamente satisfatório estar do outro lado fazendo acontecer e se deparar com o sorriso e a alegria dos jovens ao final de cada atividade.”


A chefe escoteira (jovens de 11 a 14 anos) Tainá acredita que os valores escoteiros são o mais importante de passar para os jovens. “Esses valores servem como suporte não só para guiar os jovens através do escotismo, mas também fora dele.” Além disso, pela idade dos jovens com que trabalha, ela destaca a importância de fortalecer a confiança e a autoestima deles. “Como eu trabalho com jovens de idade entre 11 e 14 anos, também busco, usando o método escoteiro, fortalecer a autoconfiança deles, que nesta idade costuma ser mais baixa. Acho importante principalmente para que eles se lembrem que, ainda que muitas vezes dê medo, eles são extremamente capazes de superar qualquer desafio do jeito de cada um.”


Denise Fonte, 41, está no movimento faz cinco anos, no entanto, sua relação com o escotismo começou ainda quando era adolescente. “Meu irmão era lobinho do Medianeira e eu detestava o movimento porque como adolescente me privava de sair porque meu irmão tinha atividade”, conta. Anos mais tarde, após a maternidade, ela reencontrou o escotismo através do filho. “Meu filho se interessou no movimento e depois de conversar com meu irmão e com um amigo meu de faculdade, que também fez parte do movimento desde lobinho, eu resolvi deixar ele entrar em 2018 como lobinho do 80º.” Um ano depois, Denise e o marido acabaram se tornando voluntários no mesmo grupo.


Atualmente Denise é Akelá (Chefe de seção do ramo Lobinho) da Alcateia 1 do Medianeira. O ramo se baseia de forma lúdica na história do Mogli, o menino lobo, do livro O Livro da Selva (1894), de Rudyard Kipling. Com isso, Denise entende como é essencial trabalhar a sustentabilidade, a cidadania e a inclusão com as crianças. “Baseado na história do Mogli, que era um filhote de homem e foi adotado por lobos, a gente ensina que eles tem que acolher os irmãos que são diferentes.” Além disso, ela traz também como pilar aproximar esses jovens da vida ao ar livre seguindo regras, um código moral, ético e a lei do lobinho. “Nesse mundo tão conectado, acho importante desconectar essas crianças das telas e fazer elas olharem um pouco pra natureza e pro próximo com muita empatia”, sintetiza. 


Na outra ponta da vida dos jovens, Luciana Braga, conhecida pelo grupo como “Tia Lu”, conta que depois do desafio de se tornar presidente do grupo, em 2023 aceitou mais um desafio na sua vida escoteira: assumir o cargo de mestre pioneira. “Eu desde que entrei fui direto pra diretoria então sempre quis ter essa visão da atuação com os jovens. Quando surgiu essa oportunidade eu abracei e me surpreendi.” O ramo que tem jovens de 18 a 21 anos é a última etapa antes da vida como adulto no grupo e trabalha principalmente questões ligadas a formulação de projetos e planejamento para a vida. “É sempre um aprendizado com os jovens que normalmente eu vi desde pequenos no grupo e chegam nessa última etapa começando a lidar com a vida adulta e muitas vezes se sentindo perdidos e cabe a nós como mestres auxiliar nesse processo de transformação de jovem em adulto.”


Desafios pós pandemia


Como muitas outras iniciativas voltadas à juventude, o escotismo sofreu com os impactos da pandemia de COVID-19. Durante quase dois anos, as atividades presenciais foram suspensas, e o grupo precisou migrar para o ambiente virtual. Apesar do esforço para manter o engajamento, a pandemia trouxe desafios que ainda ecoam no dia a dia do grupo. “A principal dificuldade foi manter os jovens motivados à distância. O escotismo é muito baseado na convivência e nas atividades em grupo, algo que o ambiente virtual não conseguia reproduzir por completo”, explica Luciana Braga.


Além disso, o retorno às atividades presenciais trouxe novas dificuldades, como a fluidez e o entrosamento não só entre os jovens mas principalmente entre os adultos. “Acho que o maior desafio pós pandemia são principalmente os adultos por que muitas coisas se desconectaram, a integração entre as seções e o senso de unidade”, enfatiza Denise Fontes. 


Outro desafio é o afastamento de muitos membros e a dificuldade em atrair novos membros e voluntários. “Quando a gente volta ao presencial se perde muito adulto e também muitos jovens, porque outros compromissos aparecem e pessoas que tiveram tempo para se dedicar durante a pandemia passam a não ter mais”, completa a Akelá.


Um futuro de desafios e possibilidades


Apesar das comemorações, o grupo enfrenta seus desafios. A manutenção da sede, a captação de novos membros juvenis e a busca por novos voluntários são alguns dos obstáculos que precisam ser superados. “Aos poucos nós estamos colocando as coisas no lugar. Foram quase dois anos sem o contato e as atividades ao ar livre que são a base do escotismo, então nós precisamos nos reconstruir e recalcular rota que é algo que nós ensinamos muito no Ramo Pioneiro”, afirma Luciana.


Mesmo diante das dificuldades, o Medianeira mantém seu compromisso de continuar ajudando a comunidade tijucana e quem precisar. “Aos 67 anos, ainda temos muito o que construir. O escotismo é um movimento, ou seja, que muda e evolui junto com a sociedade. Queremos continuar auxiliando na formação de jovens e manter a chama do escotismo acesa”, conclui a presidente do grupo.


Como participar?


Com atividades aos sábados, o 76º Grupo Escoteiro Nossa Senhora Medianeira está sempre de portas abertas a crianças e jovens de 6 a 21 anos que queiram se juntar ao movimento, assim como adultos interessados em se voluntariar. A sede do grupo fica no colégio Marista São José, localizado na rua Conde de Bonfim, número 1067, e a primeira visita é sempre gratuita. O instagram para contato é o @76medianeirarj.


Acampamento do Grupo em 2023 com participação de outros grupos. Foto: Reprodução

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