Restaurante Universitário não distribuiu descartáveis em semana de conscientização ambiental; para especialistas, ações individuais, mesmo bem-intencionadas, são insuficientes
As consequências do uso de plástico no meio ambiente já são uma discussão antiga. O uso dos famosos descartáveis é muito prejudicial para o planeta no curto e no longo prazo. Visando isso, a Pró-reitoria de Políticas e Assistência Estudantis (PR4) e a Coordenadoria de Assistência Alimentar e Mobilidade Espacial (CAAM), que gerem o Restaurante Universitário (RU) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), anunciaram o movimento “RU sem copinhos” e “Semana de Redução de Copos”, que duraram do dia 17 ao 21 de junho.
O perfil oficial do RU divulgou que 1228 copos, em média, são utilizados e descartados pelos consumidores diariamente. O movimento incentivou os alunos e os servidores da Uerj a trazer o seu próprio copo ou garrafa reutilizável para utilizar os bebedouros do estabelecimento. Maria Clara Souza, 22, caloura de Letras/Francês, sempre leva a sua caneca do curso para o bandejão e está se adaptando a viver sem o uso excessivo de plásticos. “Desde quando os calouros foram permitidos a comer no RU, eu levo a minha caneca. No junho verde, sempre vemos campanhas como essa. É legal, já estou me acostumado a usar os canudos de papel e outras soluções para este problema dos plásticos. Sinto falta de uma decisão mais drástica por parte do RU”, afirmou a estudante.
Um passo muito pequeno para o RU
Apesar de toda a campanha para o Junho Verde, o bandejão não baniu o uso de plástico nas suas operações. Copos plásticos para bebidas, copinhos de fruta/sobremesa, talheres descartáveis para a marmita e embalagens de plástico foram utilizados normalmente em todos os dias, com exceção do dia 19. Goia Lyra, professora da Uerj e representante da Liga de Educação Ambiental - LEducA, enxerga avanço por parte da PR4, mas não acredita que o problema esteja solucionado. “Não há benefício em manter o uso de copos descartáveis no RU. Mas não devemos ter a ilusão de que a sua retirada está resolvendo ou contribuindo de forma significativa para a resolução de um problema ambiental. As bebidas estão sendo servidas em copos de vidro? O ideal é que esta medida não estimule a compra de “eco-copos” pelas pessoas que frequentam o RU, pois gerar mais consumismo seria um contrassenso.”
Patrícia Domingos, coordenadora do LEducA, acredita que ainda não há nenhuma solução perfeita para este problema. “Usar talheres de plástico biodegradável? Hoje, a grande maioria dos plásticos reciclados disponíveis no mercado são apenas compostáveis industrialmente. O uso desses materiais faria sentido se a indústria produtora (via distribuidoras) assumisse a logística reversa e os recolhesse para destinar à compostagem industrial. Usar talheres não descartáveis e lavá-los diariamente é uma alternativa. Terá quem argumente sobre o gasto de água e a poluição dos mananciais por detergentes. A melhor opção não é óbvia e nenhuma das alternativas é perfeita.”
Patrícia completou dizendo que a culpa dos altos índices de plástico na sociedade não é dos profissionais do RU, da PR4 ou dos consumidores do restaurante. “É importante saber que o uso de descartáveis no bandejão não é tão relevante assim. Os grandes geradores de impactos ambientais não somos nós, em nossas vidas cotidianas de frequentadores do restaurante universitário.”
Sustentabilidade x Capitalismo
Muito se discute sobre práticas individuais sobre racionamento de água ou mudanças de hábitos para ajudar o meio ambiente. Goia Lyra acredita que esse não é o caminho para se alcançar o progresso nesse debate. “Não há sustentabilidade sem que haja mudança na lógica de produção e consumo. Assim, soluções com poder transformador devem ser necessariamente constituídas de políticas públicas. O que se pode fazer é conhecer formas de organização e mobilização social que demandam tais exigências políticas. A responsabilidade pelos impactos ambientais precisa estar com as corporações que lucram com essas consequências. Quando assumimos o discurso de que ‘temos que fazer a nossa parte’, estamos distribuindo com cada pessoa na sociedade uma fatia igual da responsabilidade.”
Goia completou que a Uerj tem responsabilidade em formar profissionais antenados com a sustentabilidade. “É importante que a universidade discuta sustentabilidade, analise coletivamente os significados históricos contidos neste conceito, adotando uma postura crítica. Algumas oportunidades interessantes têm sido criadas para este debate. A Semana de Meio Ambiente UERJ 2024, por exemplo, contou com discussões sobre sustentabilidade, abordando temas importantes, como: agroecologia e segurança alimentar, racismo ambiental e educação ambiental crítica em meio ao colapso ambiental capitalista. A postura da Uerj deve envolver o compromisso de combater visões individualistas e se concentrar nas ações coletivas e na formação de profissionais que compreendam que não há sustentabilidade possível no sistema capitalista de produção e consumo.”
Plásticos biodegradáveis como alternativa
Muitos laboratórios no Brasil e no mundo estão desenvolvendo bioplásticos, produzidos com materiais renováveis e biodegradáveis, que se decompõem mais rapidamente. Luiza Marçal, coordenadora de pesquisa e inovação do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), acredita que o bioplástico é o futuro da sustentabilidade. “Como professora de química orgânica, não tive a química verde tão cedo na minha vida. Orientei um projeto de bioplástico a partir da casca de laranja e me encantei. As pesquisas de plástico biodegradável estão avançando e acredito que num futuro observável estaremos substituindo o plástico convencional.”
Na Uerj, o Instituto de Química conta com alguns profissionais e projetos que trabalham na produção de novos materiais. É o caso da Mônica Calderari e Maria Furtado, que fazem parte do Núcleo de Pesquisa em micro e nanoplástico do Estado do Rio de Janeiro e conduzem estudos que aproveitam resíduos e avaliam os impactos ambientais dos plásticos. Calderari desenvolveu uma tecnologia que transforma esgoto e descartes industriais em biomassa. Ela utiliza uma microalga para acelerar o processo da formação de biomassa - algo que, por métodos tradicionais, demora de 30 a 200 dias. A microalga é capaz de se multiplicar rapidamente em meio líquido e a partir da fotossíntese produz a biomassa em oito dias.
Para mais detalhes desse estudo, você pode encontrá-lo acessando este link.
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