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Como o racismo afeta a saúde de pessoas negras

  • Foto do escritor: Maria Eduarda Galdino
    Maria Eduarda Galdino
  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 55 minutos

Por Maria Eduarda Galdino



Marcela Menezes com uniforme de enfermeira. Foto: arquivo pessoal
Marcela Menezes com uniforme de enfermeira. Foto: arquivo pessoal

A técnica de enfermagem Marcela Menezes, de 37 anos, ainda se lembra bem do dia da gravidez do seu segundo filho. No pré-natal, ela tinha muitas dores, sangrava e sentia necessidade de repouso. Mesmo assim, conta, a profissional não concedeu o atestado médico para que Marcela pudesse ficar de licença. “No meu próprio trabalho, começaram a  me dar assistência, me davam banco de horas e me mandavam pra casa porque viam que a minha barriga já estava muito grande, e às vezes sangrava.”  


Já durante o parto, a médica sugeriu um procedimento de laqueadura sem aviso prévio a Marcela Menezes e seu esposo Cleiton Luiz. Segundo a doutora, ter outro filho seria muito pesado, difícil e muito complicado, pois em sua opinião, o casal já tinha tido filhos demais. Apesar de Cleiton Luiz ter explicado para a cirurgiã que deveria discutir tal procedimento com a esposa, mesmo assim a médica insistiu, e então, por medo, ele deu a autorização.  “Ela simplesmente estava ensinando para uma residente como se fazia uma laqueadura, e com essa atitude invasiva, eu não tive a escolha de decidir se eu iria ter um terceiro filho ou não. Será que ela faria isso se fosse com uma mulher branca deitada lá?”, questiona Marcela.


Atuante nas áreas de oncologia pediátrica, intensivista e emergencista, ela contou ao Rampas como teve sua vida atravessada pelo racismo, tanto como paciente quanto profissional da saúde. “Poderíamos nos tratar como iguais, mas sabemos que isso ainda não é uma realidade concreta.” Como mulher negra, técnica de enfermagem e paciente, diz que convive cotidianamente com o racismo.


A experiência de Marcela não é um caso isolado. De acordo com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), programa do Ministério da Saúde que visa promover a equidade na saúde da população negra, 10,6% dos brasileiros com mais de 18 anos já se sentiram discriminados por algum serviço de saúde. Das pessoas que já se sentiram discriminadas, estão mulheres (11,6%); pessoas pretas (11,9%) e pardas (11,4%). Além disso, uma pesquisa da   Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz concluiu que mulheres pretas e pardas recebem pior assistência ao parto e no pré-natal nas maternidades do Rio de janeiro. Segundo as autoras Maria do Carmo Leal; Silvana Granado Nogueira da Gama e Cynthia Braga da Cunha, as mulheres negras encontram mais dificuldades na busca por um local para o parto, têm o pior pré-natal e maioria delas não recebem anestesia. 



Percentual de pessoas que já se sentiram discriminadas no ambiente hospitalar. Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde. Foto: gráfico gerado por IA
Percentual de pessoas que já se sentiram discriminadas no ambiente hospitalar. Fonte: Pesquisa Nacional de Saúde. Foto: gráfico gerado por IA

Marcela Menezes também revelou que já lidou com o racismo no seu dia a dia como técnica de enfermagem no hospital. “Quando eu fui atender uma adolescente, eu percebi que em todos os lugares que eu precisei pôr as mãos nela, ela limpava. Logo assim que eu tirava as mãos, ela passava a mão. Foi uma sensação ruim, mas também triste porque ela era muito nova e com um conceito de vida tão feio.” Marcela acrescentou que o racismo no ambiente hospitalar afeta a relação do paciente com o profissional da saúde de forma negativa. “Pode afetar no cuidado, na qualidade da assistência, por desconfiança e medo em relação aos profissionais - e até medo dos profissionais com os pacientes.”



O racismo estrutural


Em entrevista ao Rampas, Michelle Silva, formada em História na Universidade Castelo Branco e mestre em História Social e Brasil Republicano, explicou que o racismo no ambiente hospitalar é fruto do racismo estrutural, pois é uma forma de discriminação que está entranhada nas instituições e afeta tanto o acesso aos serviços quanto a forma com a qual as pessoas negras são atendidas nos hospitais. 


“Em relação ao racismo estrutural, alguns historiadores e intelectuais discutem esse assunto com respaldo teórico. quando vamos para a história, observamos que o racismo foi institucionalizado desde o período colonial, e as suas consequências se perpetuam até o dias de hoje e podemos observar isso de forma visível nos serviços públicos”, disse.



Práticas anti racistas nos hospitais: um ato que salva vidas negras 


O Ministério da Saúde criou o programa Saúde sem Racismo, uma iniciativa para o enfrentamento ao preconceito racial nas políticas e programas no acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as iniciativas, foi proposta uma qualificação para gestores e profissionais de saúde para ações antirracistas no SUS, além da  revisão de políticas e programas de equidade racial. A Estratégia Antirracista para a saúde visa garantir o bem-estar integral das mulheres negras e a redução da mortalidade materna, infantil e fetal, políticas de saúde mental e sexual em todas as iniciativas do Ministério da Saúde. 


Marcela Menezes disse que assim que identificou que estava sofrendo racismo, foi acolhida e orientada por sua supervisora no hospital, mas pontuou que precisam ser implantadas mais medidas de combate ao racismo no ambiente hospitalar, que além da urgência de punição ao racismo na justiça brasileira, é necessário a fiscalização na contratação de profissionais de diferentes raças e etnias. 


A técnica de enfermagem conta que já participou de diversas iniciativas voltadas para a promoção da igualdade racial dentro dos hospitais. “Combater o racismo estrutural no sistema da saúde requer muitas mudanças, porque seria ótimo garantir a justiça para todos promovendo diversificação da força de trabalho, incluindo a contratação de profissionais de saúde de diferentes raças etnias e culturas eu acho que isso seria excelente, iria promover uma qualidade de assistência e o tratamento mais humanizado” disse. 


Para superar os traumas do racismo que viveu no hospital, Marcela relatou que precisou de terapia para entender que sua dor não era algum capricho. Após as sessões, hoje em dia ela segue sua carreira na enfermagem, sente orgulho da sua trajetória e que quer ser exemplo de força, superação e excelência por onde passar. “Essas adversidades até tentam me parar , mas como mulher negra eu não desisto nunca e eu continuo fazendo meu melhor porque eu sou a representatividade da minha geração, da minha casa, da minha família, das minhas sobrinhas, dos meus filhos.”



Marcela Menezes e seus dois filhos. Foto: arquivo pessoal
Marcela Menezes e seus dois filhos. Foto: arquivo pessoal

Racismo é crime, disque 100 para o Departamento de Direitos Humanos e denuncie.





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