Bairro da Zona Norte comemora vitórias do alvinegro e lucros no comércio, mas sofre com trânsito, superlotação e falhas de logística da Prefeitura
Quando a Olimpíada do Rio chegou ao fim, em 2016, o Engenho de Dentro, bairro tradicional da zona norte do Rio, comemorou as novas ciclovias, o calçamento nas ruas e a ampliação da estação de trem para chegar ao Estádio Olímpico Nilton Santos, o Engenhão. Oito anos depois, o bairro sofre com a falta de manutenção e a ausência de novas intervenções urbanas. A situação se agravou com o crescimento da popularidade do Botafogo, que detém os direitos do estádio, e o aumento de eventos no local. Nos dias mais movimentados, o bairro recebe até 40 mil pessoas. O trânsito fica caótico, com horas de congestionamento para entrar ou sair da região, e o transporte público fica sobrecarregado. A falta de vagas de estacionamento empurra veículos para ruas residenciais, onde moradores encontram suas calçadas e acessos bloqueados.
Com a recente aquisição do Botafogo pelo empresário norte-americano John Textor, o clube iniciou um processo de recuperação que já movimentou cerca de R$ 500 milhões em contratações e infraestrutura. Em 2023, o estádio recebeu mais de 1 milhão de torcedores em jogos e eventos, o maior público registrado desde sua inauguração. O bairro recebe até 40 mil visitantes em dias de jogo, os antigos de mobilidade e estrutura urbana se aprofundam.
Os comerciantes locais se dividem. Alguns conseguem aproveitar o aumento de clientela, outros reclamam da insegurança e do excesso de confusão nos dias de evento. Tamires Resende, moradora e dona de um bar na região há cinco anos, explica o dilema: “A gente até vende mais nesses dias, mas o movimento é tão desorganizado que acaba afastando os clientes do dia a dia. Tem gente que evita passar por aqui por conta do tumulto”. Além disso, ela aponta o aumento de pequenos furtos e brigas como fatores preocupantes: “Sem policiamento suficiente, nós, comerciantes, acabamos ficando inseguros. Não dá para saber se o lucro compensa o risco”.
A percepção é compartilhada por outros lojistas, que destacam a falta de planejamento para receber um grande número de visitantes. Segundo João Melo, proprietário há mais de 15 anos de uma padaria próxima ao estádio, o pico de vendas não se traduz em benefícios duradouros. “Eu vendo mais nos dias de jogos e shows, mas perco os clientes regulares porque o bairro vira um caos. E no fim do mês, o prejuízo com segurança e limpeza costuma ser maior”, avalia. O acúmulo de lixo deixado pelos torcedores e visitantes nas ruas e calçadas também gera reações negativas.
A sobrecarga na segurança ganhou destaque em um episódio polêmico envolvendo a Guarda Municipal. Em outubro de 2024, na quarta-feira (23), dois torcedores do Botafogo foram agredidos na saída do Estádio Nilton Santos. André Moisés, uma das vítimas, relatou ter sido atacado ao questionar a violência excessiva das autoridades contra outros torcedores nos arredores do estádio. Segundo ele, a tensão escalou rapidamente, culminando em um golpe na cabeça desferido por um dos guardas.
A Guarda alegou que o torcedor estava em “condição alterada”, mas o episódio expôs o embate entre autoridades e público em dias de eventos, reforçando críticas à desorganização e ao despreparo na gestão de grandes públicos. O caso também reacendeu o debate sobre a necessidade de estratégias mais eficientes e preventivas para garantir a segurança de torcedores e moradores. Em resposta às críticas, a Prefeitura informou que os guardas envolvidos foram afastados de seus cargos, mas a situação evidencia falhas estruturais que exigem soluções urgentes.
Para muitos moradores, o saldo de convivência com o estádio e o Botafogo está se tornando mais negativo a cada evento. Eles cobram policiamento, organização de trânsito e medidas para garantir a limpeza das vias. “Fica horrível em dias de jogos, porque a CET-Rio organiza muito mal. A impressão que dá é de que, com a melhora do time, aqui virou terra de ninguém”, ressalta Natália Gomes (45) , moradora do bairro há 29 anos.
Os shows do cantor norte-americano Bruno Mars, realizados entre 19 e 20 de outubro, escancararam os problemas logísticos do bairro, com impacto direto no transporte operado pela Prefeitura. “É um inferno passar por aqui toda vez que tem jogo ou evento. Num show desses, demoro três horas para chegar em casa, mesmo morando aqui do lado”, desabafa Davi de Oliveira Macedo, que depende diretamente da linha de ônibus 638 para chegar em casa.
Neste domingo, 8 de dezembro, o Botafogo joga no Engenhão a última rodada do campeonato brasileiro e, para depender apenas de si mesmo, basta empatar com o São Paulo. Ou seja: os moradores do Engenho de Dentro já sabem que o domingo será cheio de festa e tumulto. E esperam por soluções que equilibrem o desenvolvimento, os grandes eventos e a qualidade de vida no bairro.
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