Direitos trabalhistas são realidade distante para colaboradores de aplicativos
O desemprego bateu na porta do motorista João Carlos Sampaio em 2020, no auge da pandemia de Covid-19. O momento não poderia ser mais difícil, pois a doença de sua mãe, de 84 anos, diagnosticada com Alzheimer, havia piorado. Ele, que sempre trabalhou para sustentar sua família, buscou nas corridas de Uber uma forma de obter renda para pagar as contas, que não paravam de chegar.
Com a taxa de 7,8% de desemprego, a profissão de motorista tem crescido significativamente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 mostram que cerca de 52,2% dos brasileiros trabalham por meio de aplicativos de transporte de passageiros.
Ex-motorista do jornal O Dia, o agora “colaborador” da Uber acorda às seis horas da manhã para uma rotina de quase 12 horas de trabalho. O desespero aperta quando ele reflete sobre a falta de direitos trabalhistas, o salário baixo e a violência.
“A insegurança é muito grande, desde passar por áreas perigosas da cidade, com riscos de assaltos, até quem entra dentro do seu carro, você apenas confia que seja uma pessoa boa ali dentro. Ainda tem a falta de direitos trabalhistas, você não tem carteira assinada e nem um salário certo no final do mês, eu literalmente tenho que correr atrás”, lamenta.
De acordo com um levantamento da Uber, realizado com dados do segundo semestre de 2022, mais de um milhão de motoristas/entregadores parceiros estão cadastrados na plataforma no Brasil.
João Carlos, porém, planeja nadar contra a maré e migrar para o táxi, de olho em estabilidade financeira e uma carga horária menor de trabalho: “Como eu já tinha uma autonomia de taxista, eu tô pensando em voltar agora. Eu vi que como taxista eu posso ter uma profissão mais estável. As corridas são mais lucrativas, não precisaria correr pela cidade inteira e posso controlar os locais que eu vou andar”.
O sentimento não é diferente entre os motoristas da plataforma concorrente. André Rodrigues, 39 anos, dirige pela 99 desde 2021. Quando começou, o carioca considerava os preços das corridas justos em relação à distância percorrida na viagem, mas, três anos depois, revela que se sente explorado pela empresa.
“Eu percebo que a plataforma dá muito mais valor aos passageiros do que aos motoristas. Como as viagens são baratas, eu tenho que rodar por mais lugares da cidade e nisso eu tenho que incluir o valor gasto com gasolina, sendo que muitas vezes o que eu ganho no dia não cobre os gastos da gasolina e nem com outros custos que eu tenho com o carro”, explica André. Segundo o motorista, em alguns dias, ele precisou rodar mais de 300 km para arrecadar um valor compatível com os gastos.
PL 12/24: solução ou regresso?
O Projeto de Lei 12/24, que tramita na Câmara dos Deputados, visa regulamentar a profissão dos motoristas de aplicativos. A proposta prevê pagamento de remuneração mínima e contribuição do INSS para os trabalhadores, sendo 20% da contribuição pagos pelo empregador, enquanto os outros 7,5% seriam pagos pelo trabalhador. Além disso, as mulheres que trabalham como motoristas ganhariam direito ao auxílio-maternidade.
O PL determina uma carga horária de oito horas, podendo chegar até no máximo 12 horas em uma mesma plataforma. Se aprovado, os motoristas receberão R$32,10 por hora trabalhada, garantindo uma remuneração mínima equivalente a um salário-mínimo (R$ 1.412).
No início de março, uma manifestação dos motoristas contrários ao projeto de lei aconteceu em diversas cidades do Brasil, entre elas o Rio de Janeiro, onde os manifestantes chegaram a bloquear duas faixas da pista no Aterro do Flamengo. A principal reivindicação é que o Projeto de Lei não oferece uma proposta de remuneração adequada.
“Eu acredito que esse projeto de lei deveria oferecer um valor maior, porque ele acaba limitando o nosso trabalho quando decide determinar um valor para cada hora de trabalho. Espero que esse projeto de lei seja revisto e que consultem quem realmente está todo dia trabalhando nesse setor”, reclama João Carlos.
Komentáře