Jovens de município da Baixada Fluminense sofrem com baixa oferta de equipamentos culturais; secretário fala de novos projetos para o setor
Nascida e criada em Realengo, Zona Oeste do Rio, a estudante de 21 anos Maria Eduarda Santos nunca teve problema para ir ao cinema ou visitar exposições e museus. Usava o transporte público, gastava pouco dinheiro em passagem e conseguia fazer a viagem em um tempo razoável de 30 minutos. Em 2018, Eduarda se mudou para Queimados, município da Baixada Fluminense a 53 km do centro do Rio. O acesso da jovem a espaços culturais ficou praticamente impossível, tanto pela distância dos grandes centros urbanos quanto pela falta de opções no município em que vive.
“Sinto falta de ir a museus, mas o transporte e o tempo gasto até o Rio de Janeiro me esgota. Faz com que eu tenha mais dificuldade em ter acesso a inovações e coisas da atualidade. Além disso, é caro se deslocar”, explica Eduarda. Longe do trabalho, das principais universidades e de opções de cultura e lazer, os 152.311 mil habitantes de Queimados vivem no que é considerada uma cidade-dormitório, o que significa que serve apenas como moradia para a grande massa trabalhadora dos municípios vizinhos, neste caso o Rio de Janeiro. Dados do Mapa da Desigualdade de 2020, levantamento feito pela Casa Fluminense, indicam que apenas 0,01% do orçamento de Queimados é direcionado para a cultura.
Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo de Queimados, o município é composto por 38 bairros e um Distrito Industrial. A cidade conta com 13 praças, sendo elas três com projetos e duas com fins comerciais. Dos 52 campos de futebol de todo município, três estão abandonados. Em toda região, há somente uma biblioteca pública e um teatro municipal. Os bairros Guandu, Luiz de Camões, Marajoara, Vila Nascente e Vista Alegre não possuem nenhum tipo de equipamento cultural.
Sthefany Fernandes é estudante de Ciências Biológicas da Uerj e moradora do bairro do Carmo, em Queimados. Ela conta que para acessar programas ou equipamentos culturais precisa se deslocar para outra cidade. De acordo com Sthefany, além de gastar mais do que deveria, ela precisa se planejar antes de qualquer passeio. “Não vi uma mudança nessa cidade nos últimos anos. Sinto que estou viajando para o passado. Anos se passaram e nada mudou. Se a cidade deixa a desejar já nos serviços básicos, como saúde, educação e transporte, a cultura é uma de suas menores preocupações. Um palco que tinha na praça pública onde faziam alguns shows foi destruído pelas obras do atual prefeito. Eu me sinto péssima, gasto mais dinheiro que o necessário para atividades culturais simples”, diz Sthefany.
A estudante de história da PUC-Rio Bruna Mendes, moradora de Queimados, fala do choque cultural quando passou a se dividir entre seu município e a Gávea, bairro da Zona Sul do Rio onde passa a semana para ir à universidade. Segundo Bruna, seu maior estranhamento se deu com a grande oferta de diferentes atrações na Gávea, como muitas salas de cinema, com opções que vão do blockbuster a filmes cult, e a oportunidade de ir a peças de teatro, além de inúmeros shows. “O primeiro espetáculo de teatro que eu vi na vida foi uma adaptação de Macunaíma, sob a direção de Bia Lessa. Ao conhecer aquela nova forma de expressão, senti uma mistura de encantamento que se misturou com a indignação por nunca ter tido acesso a algo daquilo na minha cidade”, desabafa Bruna
A jovem considera que em Queimados as possibilidades e o contato com as formas de cultura e entretenimento são muito restritos. Quando passava a maior parte do tempo em Queimados, qualquer atração cultural que não fosse o cinema lhe parecia caro e inacessível. “A restrição e a falta de oferta mexem com esferas íntimas que vão muito além do mero entretenimento, mexem diretamente com as perspectivas de vida, a forma como o jovem se enxerga no mundo. E até na forma como o mundo parece ser para esse jovem, criança ou adulto”. Segundo Bruna, o contato com a cultura impulsiona questionamentos, incentiva sonhos e possibilidades de carreira. “Afinal, como um jovem queimadense pode sonhar, ou desejar, ser um produtor ou diretor se sequer sabe o que é isso? Como desejar ser cantor ou ator se sequer tem onde buscar informação confiável?”, questiona.
Secretário de Cultura fala de dificuldades e conquistas
O secretário de Cultura de Queimados, Rômulo Sales, ex-aluno de pedagogia da Uerj, falou ao Rampas sobre dificuldades e ganhos nos projetos culturais da cidade. Segundo ele, no início da pandemia de Covid-19, a Secretaria de Cultura do município devolveu R$400 mil para o governo federal, pois não havia projetos suficientes que pudessem fazer o uso do dinheiro. “Depois recuperamos esse dinheiro. Fizemos o primeiro edital público de cultura, com recursos de R$5 mil a R$10 mil reais, e as pessoas estão conseguindo fazer seus projetos”, diz Sales.
A biblioteca municipal, inaugurada durante a pandemia, foi outra vitória. “Inauguramos a biblioteca na pandemia e não conseguimos abri-la ao público. Como uma satisfação à população e aos muitos amigos que ajudaram doando livros, criamos um programa de acesso ao livro. O Zédelivos é uma analogia ao Zé Delivery, um aplicativo de bebidas. Nós abrimos uma consulta popular com alguns nomes, e o Zédelivos ganhou. A coisa explodiu, foram feitas entregas semanais na casa das pessoas em todos os bairros da cidade, isso chamou atenção da mídia nacional e o projeto foi replicado em muitos lugares do país afora. E aí eu te asseguro que a questão do acesso é repertório, se a gente dá oportunidade, tem acesso sim”, afirma.
Segundo Sales, a Secretaria tentará ampliar o acesso à cultura no município por meio da Lei Paulo Gustavo, que prevê o repasse de verba para ações que busquem corrigir os efeitos da pandemia no setor cultural. “Vamos finalizar um processo com o governo federal e conquistar o triplo do orçamento de antes, vamos conseguir R$ 1 milhão para o nosso fundo de cultura. Com esse dinheiro vamos fazer um edital mais aperfeiçoado, começamos a fazer um processo de consulta pública em que todas as pessoas podem dar sua contribuição sobre onde o recurso da cultura poderá ser investido”, explica o secretário. Quem quiser participar pode acessar aqui o formulário da consulta pública.
Sales disse que o Conselho Municipal de Cultura foi restabelecido, com participação de representantes do governo e da sociedade civil. Os representantes são eleitos, e o Conselho mensalmente se reúne para discutir o que será feito. “Estabelecemos o que chamamos de ‘CPF da cultura’: Conselho, Plano Municipal de Cultura, que estamos construindo, e o Fundo Municipal de Cultura, que são os recursos. Para a gente batalhar pela captação de recursos, é preciso de um abrigo para que ele chegue à esfera pública. Esse abrigo é nosso Plano Municipal de Cultura, nós o criamos para que o recurso destinado à cultura não vá parar no Fundo Municipal da Cidade e se perca", acrescenta. Segundo ele, o dinheiro captado para a cultura vai para esta conta específica e só pode sair de lá para atividades culturais.
Outro projeto destacado pelo secretário é a Escola da Cultura, para capacitar artistas a desenvolver projetos. “Se você não é formalizado e não tem uma vivência cultural, um profissional vai abrir um MEI para você, terá pessoas capacitadas que te ajudarão a fazer um portfólio e uma planilha financeira. A pessoa que for ao espaço terá acesso a internet também”. Sales diz que o compromisso da Secretaria hoje é produzir políticas públicas de cultura, que estão muito além da lógica de eventos. “Precisamos criar ferramentas para que o fazedor cultural tenha a condição de promover sua atividade, realizar seu evento e sua programação. Quando chegamos aqui, tinha pouquíssimas políticas públicas, que é o que assegura que um mecanismo vai ser estabelecido e a população terá o seu direito assegurado. Cultura, arte, tudo isso é direito e não algo acessório”, afirma.
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