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Foto do escritorGiovanna Garcia

Entre paixão e preconceito, a rotina dos atletas líderes de torcida no Brasil

Atualizado: 10 de jun.

Cheerleading é oficialmente reconhecido como esporte, mas sofre com elitização: participantes pagam até R$ 18 mil do próprio bolso para participar de mundial


Competição mundial em Orlando/2022 - Foto: Marina Machado

Talvez pareça estranho para você, mas torcer por um clube ou por uma seleção também é esporte. O cheerleading é uma atividade realizada em equipe que combina elementos de dança, ginástica e acrobacias durante jogos e competições. No Brasil, é reconhecido como esporte desde 2009. Embora muita gente ache que a modalidade se resuma a pompons e sorrisos, os atletas que vivem como líderes de torcida têm uma rotina dura, com treinamentos puxados, altos custos e falta de patrocínio - além de outros estereótipos.


Apesar das adversidades, o amor pela atividade competitiva impulsiona atletas como Marina Machado, que além de já ter competido pelo time oficial do Brasil, integra a nova equipe de cheerleading do Botafogo. 


Marina, que treina desde 2018, conta como é a realidade de quem pratica o esporte: “Fazer cheer é uma loucura. São movimentos completamente desafiadores que na rotina (como chama a apresentação) precisam parecer que são fáceis. É um esporte completamente viciante, e minha vontade é sempre me superar”.


Ela foi uma das atletas que representou o Brasil no Mundial de Cheerleading na Flórida, em 2022. Marina considera o cheer uma modalidade cara para atletas do time nacional e argumenta que não há investimento ou patrocínio. “Não é acessível a muitos atletas que têm potencial de estarem lá, uma vez que eles não conseguem ir por conta da questão financeira”, explica.  


A atleta mostrou ao Rampas o edital do “projeto” -  como os cheerleaders chamam todo o processo e a competição da equipe nacional. De acordo com a “Etapa 4 F”, a previsão de custo para participar do próximo mundial, que será em 2025, é de R$ 12 a 18 mil por atleta. O edital engloba as equipes mistas e all girl (apenas mulheres), restringindo a quantidade de atletas permitidas para essas equipes entre 16 a 24 atletas. 


Print do edital da Seleção Brasileira de Cheerleading para campeonatos ICU de seleções (2023 a 2025) - Foto: Reprodução

Marina conseguiu pagar para competir em 2022, mas entende que é um investimento muito alto para os atletas. Fernanda Vargas, de 24 anos, competiu no mundial em abril de 2024 pela primeira vez. Ela fez uma vaquinha em suas redes sociais para conseguir o valor que precisa ser pago. 


De acordo com Fernanda, a tradução literal do nome do esporte faz com que ele seja pouco entendido pelo senso comum: “As pessoas acham que é só rir, usar roupa brilhosa e animar o público. Existe sim uma parte do cheer voltada para isso, na faculdade, chamamos de sideline, mas vai muito além disso.” explica ela. Rotina, mix, jump, pirâmide, basket, tumbling e dance são movimentos que compõem uma apresentação de cheerleading - e nenhum deles usa o pompom.


Luis Felipe Faria, conhecido como Fifo, e Xandy Figueiredo também são exemplos de como o cheer é capaz de realizar sonhos. Os dois profissionais vivem do esporte. Xandy é formado em Educação Física pela Universidade de Brasília (Unib) e já compôs o Time Brasil. 


Ele estuda no Texas, nos Estados Unidos, desde agosto de 2023, e faz parte do time de cheer da Trinity Valley Community College. Xandy diz que não há outra coisa que ele se imagina fazendo: “O cheer é minha vida. Eu já trabalhava com cheer no Brasil, lá no ginásio Brasília Xtreme Cheerleading como coach e professor, antes de vir para os EUA”. 


“Hoje, o cheer é literalmente todo meu trabalho, toda a minha renda financeira, todas as minhas práticas esportivas. Resumindo, eu vivo de cheer”, comenta Fifo, orgulhoso. Ele compete no time brasileiro desde 2016, no entanto, neste ano, a equipe mista (composta por meninos e meninas - chamada de COED) não vai disputar o mundial. Faria conta que em breve irá participar de vários campeonatos: o CheerFest, o Arena Cheer e o Campeonato Carioca de Cheerleading no Rio de Janeiro - todos pagos por ele. 


Os dois atletas já tiveram a oportunidade de viajar para outros países e conhecer novas culturas por meio das competições internacionais. Fifo fez parte da segunda temporada do seriado americano “CHEER”, produzido pela Netflix. 


Os desafios do esporte


Fifo relata que, no ano de 2016, só ia à competição mundial quem tinha dinheiro para pagar. Atualmente, a situação não parece ser muito diferente. Apesar de Fifo e outros atletas já terem utilizado algumas bolsas de viagem para universidades do exterior, como a bolsa Compete Brasília oferecida pela Secretaria de Estado de Esporte e Lazer, isso depende de cada estado ou da universidade para a qual estão indo, normalmente baseado no número de habilidades (movimentos de subidas) que o atleta possui. “Mesmo assim segue sendo um esporte elitista”, completa. Ele, que também é treinador, considera os equipamentos caros: “Não é igual ter um campo de futebol e uma bola, existem colchões, tatames, tablados, minitrampolim, e tudo é muito caro”.


Segundo os atletas e treinadores entrevistados, três principais fatores explicam a falta de investimentos: a pouca popularidade no país, os estigmas do esporte e o amadorismo. Gabriel Arroz, de 26 anos, atleta e treinador, entende que a baixa popularidade em território nacional contribui para a ausência de patrocínios. O cheer ainda é um esporte recente, com quase 15 anos de competições no Brasil. Marina, Fernanda e Gabriel tiveram o primeiro contato na universidade. 


Ele também destaca que existem alguns tipos de competições, mais especificamente entre os cursos das faculdades, entre os times das universidades e os all star (os times dos ginásios que não são associados às faculdades), além do pan-americano e do mundial. Desde 2016 o Cheerleading estava provisoriamente reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) como uma modalidade olímpica. Após 5 anos, em 2021, o International Cheer Union (ICU) - orgão responsável pelo Esporte de Torcida, foi reconhecido oficialmente como uma modalidade olímpica.


Movimento do esporte durante treino da equipe do Time Brasil - Foto: Marina Machado

Marina Machado descreve o impacto do reconhecimento esportivo para a comunidade cheer: “Quando o cheer começou a ser considerado um esporte para o Comitê Olímpico, oficialmente foi uma vitória para todo mundo que é parte da comunidade. Querendo ou não, é muito sexualizado e menosprezado. As pessoas não costumam ter muita noção do esforço e do preparo que é, nem da condição física que você precisa ter para fazer tudo que a gente apresenta em uma competição”. Ela reafirma que, como atletas de alto rendimento, eles também precisam de rotinas, comportamentos e condutas adequados. 


Mesmo com o crescimento e desenvolvimento no país, Gabriel considera que o amadorismo do esporte ainda existe, em parte por seu surgimento recente e outra pela falta de investimento. Ele está em treinamento para se tornar um julgador em competições do esporte e, esse ano, participará de um evento como jurado: “Existe uma escassez de qualificação de jurados, a busca por jurados qualificados em competições universitárias e a falta deles é o que mantém o esporte muito atrelado ao amadorismo ainda”.


Print do CheerpostBrasil no Instagram - Foto: Reprodução

Marina é uma das responsáveis pela página no Instagram “Cheerpost Brasil”, com o criador Fernando Calegari, que publica conteúdos do esporte. A atleta explica que a página funciona de maneira completamente orgânica, pois a comunidade cheer a entende como relevante e como uma forma de ajudar os próprios atletas a se promoverem, de modo que ajude no crescimento esportivo. Hoje, a página conta com 7 mil seguidores e posta treinos de todos os times do Brasil. 


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