Mostra em exibição no Museu de Arte do Rio conta a história do ritmo
Em cartaz no MAR (Museu de Arte do Rio), a exposição “Funk: um grito de ousadia e liberdade” merece uma visita atenciosa. A mostra é composta por 900 itens, entre fotos, pinturas, esculturas, vídeos e interações sonoras. E oferece ao visitante uma chance de mergulhar na história do ritmo, desde a influência da música negra americana até a explosão nas paradas de sucesso.
A mostra ocupa duas salas do museu. A primeira traz elementos do movimento soul, gênero musical afro-americano que teve suas músicas importadas para o Brasil nas décadas de 70 e 80 e passou a fazer sucesso por aqui. Os primeiros bailes soul eram organizados por operários na onda da organização sindical no meio da ditadura civil-militar. A soul music influenciou música, roupas e penteados de artistas como Cassiano, Tim Maia, Sandra de Sá e Hyldon, que beberam dessa fonte para compor e cantar. A primeira sala conta como, nas periferias brasileiras, as pessoas já se juntavam para curtir um som específico e organizavam bailes, e como a soul music influenciou tudo isso.
Na segunda sala, a atmosfera remete a um baile funk, e o visitante tem uma aula deste ritmo brasileiro. O caráter histórico da exposição pode ser notado pelos MC’s retratados nas fotos que compõem a mostra, MC Marcinho, Tati Quebra Barraco, MC Kátia, MC Nem, MC Cacau, Deize Tigrona, MC Catra, Valesca Popozuda e seu antigo grupo Gaiola das Popozudas, etc.
A temática da exposição conta a história do funk para além da sonoridade. O ritmo, nascido de uma matriz cultural urbana e periférica e decifra como ele surge e se estabelece no Rio de Janeiro e em São Paulo. Traz também as coreografias, as comunidades e as influências estéticas do funk.
A exposição recupera histórias de funkeiros que começaram suas carreiras em suas comunidades, num tempo ainda sem internet nem streaming. Eles começavam a cantar nos bailes, com o tempo chegavam às rádios, até, ultrapassar a barreira sociocultural da música brasileira e chegar à TV. Não havia retorno financeiro imediato, com MC’s cobrando centenas de milhares de reais por um show. Um exemplo dessa falta de retorno financeiro para artistas de outras gerações do funk é a cantora Deize Tigrona, que fez muito sucesso no início dos anos 2000, teve uma música sampleada pela rapper estadunidense M.I.A e outra música viralizada no TikTok em 2021. Há dez anos, porém, ela trabalha como gari da Comlurb. Mesmo participando de diversos festivais, ainda mora na Cidade de Deus, bairro da zona oeste do Rio.
Para alguns, a exposição é uma viagem no tempo
Muitos visitantes se sentem tomados pela nostalgia. “Eu comecei lá embaixo a ouvir a MC Cacau cantar e me desceu uma lágrima. E aí cheguei aqui, olhando as blusas ali da galera com o nome das comunidades, é como se fizesse uma viagem no tempo. Porque eu sou dessa época, eu curti tudo isso”, disse emocionada a assistente social Marcela Souza, de 40 anos, moradora de Bangu.
A MC Cacau estava presente na exposição no dia 16 de março, no lançamento do livro Funk Delas, de Michele Miranda, que conta a história do funk a partir da perspectiva feminina. Em entrevista ao Rampas, Cacau, considerada uma das primeiras mulheres a cantar funk no Brasil, falou sobre a importância da exposição.
“Esse é o segundo dia que venho e acho maravilhoso isso aqui falando do funk, da mulher, do rapper, de tudo. Essa exposição ajuda muito o movimento do funk, ainda mais que lá atrás a gente não tinha essa divulgação. Essa exposição pega lá do começo até agora. Se não contar a história do funk do começo, pelo funk de 1990, 1992, com MC Cacau, primeira mulher do funk, o primeiro casal romântico que é Cacau e Marcinho, está contando a história errada”, afirma Cacau. Ela foi casada com o MC Marcinho, que morreu em agosto de 2023.
O funk resiste
O funk sempre foi associado de forma pejorativa à violência, ao crime e ao tráfico de drogas. Assim como o samba no passado, foi perseguido e quase censurado institucionalmente. Em 2017 o Senado analisou uma proposta que visava criminalizar o funk, mas o projeto foi rejeitado pelo Senado.
Para a professora de biologia, Gabriela Ribeiro, de 26 anos, expor a obra e a história desses artistas periféricos, majoritariamente negros, em um ambiente de arte elitizado, é derrubar uma barreira significativa. “Essa exposição, ao ser realizada num museu que tem um público bem diferente do que frequenta baile funk, ajuda muito a trazer essa descriminalização do funk. Ainda tem muito esse estigma da galera achar que o funk é coisa de bandido, que é apologia ao crime, que a criança não pode ouvir porque ela vai se desvirtuar, mas essa exposição mostra o contrário”, destaca Gabriela Ribeiro.
O jornalista mineiro Wallace Coelho, que também visitou a exposição, reparou que as pessoas vão entrando e já vão dançando, entrando no ritmo. “O funk é exatamente isso, você não consegue ouvir ele sentado parado. E a partir do momento que você vem em uma exposição como essa, tem a questão do pertencimento da negritude, você sente realmente a contribuição cultural que o negro deu. Não só referente ao trabalho, que ajudou a construir o país. Mas a colaboração cultural”, afirmou.
Na experiência dele, a exposição também foi uma forma de se valorizar sua condição de homem negro. “Eu estou numa fase de olhar para o meu cabelo, então esses quadros que expõem muita beleza do povo preto me atraem muito. Não é só sobre funk e não é só funk. A mensagem que me vem com a exposição é a da potência do povo preto.”
Informações sobre FUNK: Um grito de ousadia e liberdade
Local: Museu de Arte do Rio
Endereço: Praça Mauá, 5 - Saúde, Rio de Janeiro - RJ, 20081-240
Período: 29 de setembro de 2023 a 24 de agosto de 2024
Funcionamento: Terça-Feira a domingo, de 11h às 18h (última entrada às 17h)
Ingressos aqui.
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