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“Falta apenas você para engravidar”

  • Foto do escritor: Manoela Oliveira
    Manoela Oliveira
  • 16 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de abr.

Mulheres contam suas histórias de desafios e esperança na busca pela maternidade



Fonte: Freepik
Fonte: Freepik

"Casou? Agora tem que engravidar". "Quando segurei meu filho, ele estava do tamanho de um caroço de uva." "Parecia que tinham saído pedaços de fígado de boi de mim enquanto eu sangrava no banheiro." Esses são alguns relatos de mulheres que enfrentam desafios na busca pela maternidade, lidando com dificuldades para engravidar e abortos espontâneos.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a infertilidade como a incapacidade de um casal engravidar após um ano de relações sexuais regulares. De acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRH), cerca de 15% dos casais brasileiros em idade reprodutiva enfrentam a infertilidade, o que representa cerca de 10 milhões de casais ou aproximadamente 20 milhões de indivíduos.


Apesar das dores físicas e emocionais, das perdas e da ausência de apoio, muitas dessas mulheres ainda mantêm viva a esperança de um dia realizar seu grande sonho: serem mães. Elas compartilharam suas histórias com o Rampas, revelando a luta contínua pela tão desejada maternidade.

 

15 anos de espera e novos caminhos para a maternidade


Aos 40 anos, Amanda*, dona de casa, sonha com a maternidade e deseja viver a experiência de gerar e criar um filho biológico. Desde o início do casamento, em 2010, buscou a gestação natural, acompanhando seu período fértil e evitando métodos contraceptivos. Frequentadora de uma igreja evangélica, sempre acreditou que sua dificuldade para engravidar poderia estar ligada a uma vontade divina, enquanto os médicos, por sua vez, não identificaram qualquer fator clínico que justificasse a dificuldade para ter filhos.


Em 2017, após sete anos de tentativas e consultas médicas, Amanda conseguiu engravidar, mas a gestação foi interrompida no sétimo mês. "Eu tinha pedido a Deus para engravidar, não para ouvir o coração do meu filho. Depois disso, meu pedido passou a ser outro: ouvir os batimentos cardíacos", conta. Dois anos depois, uma nova gravidez reacendeu suas esperanças e, dessa vez, Amanda pôde ouvir o coração do bebê, mas novamente, o sonho foi interrompido e ela sofreu um aborto.


Diante das dificuldades em engravidar, Amanda decidiu recorrer à Fertilização In Vitro (FIV), técnica que consiste na fecundação do óvulo e do espermatozoide em ambiente laboratorial, formando embriões cultivados, selecionados e transferidos ao útero da mulher. 'Sempre quis algo natural, mas a FIV é um método menos agressivo', explica. Desde 2012, conforme a Portaria nº 3.149, o Ministério da Saúde destina recursos financeiros para estabelecimentos de saúde que realizam técnicas de Reprodução Humana Assistida (TRAs), via Sistema Único de Saúde (SUS), porém nenhum hospital do Rio de Janeiro é beneficiado. 



Foto: Estabelecimentos de saúde financiados pela Portaria nº 3.149                                       Fonte: Ministério da Saúde 
Foto: Estabelecimentos de saúde financiados pela Portaria nº 3.149 Fonte: Ministério da Saúde 


Além da FIV, a inseminação artificial é outra técnica de Reprodução Humana Assistida, na qual os espermatozoides são introduzidos diretamente no útero. Em situações de infertilidade masculina severa, a Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI) pode ser empregada, consistindo na injeção de um único espermatozoide diretamente no óvulo. No no setor privado, os custos desses procedimentos variam de R$10 mil a R$30 mil, dependendo da equipe médica, da localização da clínica, dos exames necessários e do procedimento específico.


O tratamento de Amanda, iniciado em 2022, trouxe desafios não apenas pelo impacto emocional, mas também pelas intensas mudanças físicas. Ela relata que as doses hormonais, que normalmente seriam distribuídas ao longo de um ano, foram administradas em seu corpo em um único mês, gerando um ganho de cerca de 10kg. A FIV resultou em 17 embriões, dos quais apenas cinco foram considerados viáveis após análise genética. Entre eles, quatro eram meninas e um era menino. Os testes identificaram anomalias genéticas em três embriões, restando apenas dois saudáveis, que futuramente seriam Davi e Estela Vitória.


Apesar do sucesso em engravidar, os exames apontaram risco de parto prematuro. Com apenas 21 semanas, sua bolsa rompeu e, internada, recebeu a recomendação de adiar o parto o máximo possível, considerando que a idade gestacional ideal para o parto é a partir de 37 semanas. Poucos dias depois, desenvolveu uma infecção grave e, no centro cirúrgico, a situação era grave, colocando em risco não apenas a vida dos bebês, mas também a sua própria. Davi nasceu primeiro, seguido por Estela, ambos prematuros e sem chorar ao nascer. 


Enquanto Amanda se recuperava na UTI, Davi faleceu na primeira noite. Amanda visitava a filha diariamente, sem tempo para processar o luto pelo primogênito. 'Eu não tinha tempo nem de chorar', relata. Nos momentos ao lado de Estela, embalava-a nos braços e cantava para ela, porém, devido aos pulmões frágeis, a bebê faleceu nos braços do pai.


Em 2023, Amanda recebeu o diagnóstico de gestação molar, uma condição em que um tumor benigno se desenvolve no útero como resultado de uma gestação não viável. Apesar do luto, Amanda ainda tem esperança de gerar um bebê e já escolheu os nomes para seus futuros filhos: Rute e Samuel.


O peso da expectativa e a pressão social da maternidade


Andreza Gaspar, advogada de 29 anos, nasceu com mielomeningocele, uma má formação congênita da coluna vertebral que resultou na ausência de sua última vértebra. Durante a adolescência, descobriu uma má formação no útero, o que poderia dificultar sua fertilidade. O acompanhamento médico de Andreza revelou a ausência de um diagnóstico definitivo de infertilidade, embora tenha sido observada uma significativa redução nas chances de concepção devido à sua condição.


Foto: Acervo pessoal de Andreza Gaspar
Foto: Acervo pessoal de Andreza Gaspar

Em busca de tratamento, Andreza consultou um especialista que afirmou que a gravidez não seria possível, orientando-a a realizar a FIV. Uma fisiologista, por sua vez, informou que seu prazo para engravidar naturalmente já havia expirado. “Ela olhou para mim e disse que eu não tinha condições de ser mãe por conta das múltiplas cirurgias que fiz por causa da mielomeningocele. Fiquei no meio de um embate entre médicos sobre minha própria vida reprodutiva e eu não sei em qual médico confiar”, conta.


Para Anna Paula Uziel, diretora do Instituto de Psicologia da Uerj, a pressão social pela maternidade impacta profundamente a saúde mental das mulheres que desejam gerar e não conseguem. Andreza, frequentadora de uma igreja evangélica, vivenciou uma crise de ansiedade durante um culto, quando soube da gravidez de uma conhecida, que também enfrentava dificuldades para engravidar. “Vieram me abraçar e dizer que agora só faltava eu.

Foi doloroso. Saí correndo e tive uma crise intensa”, relata.


A ansiedade excessiva, comum nesse contexto, pode interferir diretamente no ciclo menstrual e na ovulação, elevando os níveis de hormônios relacionados ao estresse e prejudicando ainda mais as chances de concepção. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mulheres com dificuldades para engravidar são 25% mais propensas a desenvolver depressão. Anna Paula Uziel explica: “Se a maternidade é importante para alguém, precisamos escutá-la e ajudá-la a ampliar sua perspectiva".


Casada há 14 anos, Andreza relata como sua dificuldade para engravidar  intensifica a pressão sobre sua vida sexual e o relacionamento com o marido. “Acaba que, em vez de ser um momento de prazer, a relação se torna uma cobrança. Eu fico me perguntando se aquele dia era o ideal para engravidar”, explica. 


As dificuldades para engravidar podem ter diversas causas, incluindo alterações hormonais, como hipotireoidismo e ovário policístico, além de fatores anatômicos, como miomas e lesões nas trompas. Infecções e doenças autoimunes também podem interferir, aumentando o risco de abortos recorrentes. De acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRH), a dificuldade de conceber e gestar pode ser vivida como uma experiência dolorosa e estressante, reflexo da crença de que gerar filhos é algo natural e garantido. “Eu só quero encontrar um caminho que me permita ser feliz, independentemente do resultado”, conta Andreza.

*O nome é fictício para preservar a identidade da entrevistada




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