Nove arenas foram renomeadas em acordos que rendem milhões a clubes e concessionárias
Arena MRV, Mercado Livre Arena Pacaembu, MorumBis e Neo Química Arena. Estes são alguns exemplos de estádios do futebol brasileiro que negociaram seus naming rights – os direitos sobre o nome, um tipo de acordo cada vez mais comum no futebol mundial. O mais recente deles foi o Pacaembu, na capital paulista, que em janeiro de 2024 vendeu os direitos sobre seu nome para a empresa Mercado Livre. O acordo é válido pelos próximos 30 anos e pode render até R$ 1 bilhão à Allegra Pacaembu, concessionária que administra o estádio.
Naming rights são os direitos aplicados à concessão do nome de um determinado local ou marca. Com a venda dessa permissão, uma empresa pode expor seu nome em um lugar por um dado período de tempo. No Brasil, essa prática ganhou força especialmente no futebol, e hoje já são nove estádios com nomes associados a empresas. São eles: Allianz Parque, Mercado Livre Arena Pacaembu, MorumBis e Neo Química Arena em São Paulo, Arena BRB Mané Garrincha em Brasília, Arena Fatal Model Barradão e Casa de Apostas Arena Fonte Nova em Salvador, Arena MRV em Belo Horizonte e Ligga Arena em Curitiba.
Em termos financeiros, a negociação entre Mercado Livre e Pacaembu foi a maior do futebol brasileiro. Até então, o recorde pertencia à Neo Química Arena, casa do Corinthians, e ao Allianz Parque, do Palmeiras. Ambos os clubes venderam os direitos dos nomes dos seus estádios por R$ 300 milhões (cada) pelos próximos 20 anos.
Para Filipe Mostaro, professor da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a ideia de naming rights faz parte de uma concepção que não entende mais o futebol somente como um aspecto social e antropológico, mas também como um produto. “As empresas investem muito nisso porque traz retorno. Elas sabem como o esporte tem esse lado emocional, e na publicidade a emoção é fundamental, pois realmente aumentam seus lucros com isso.”, disse.
Outro caso recente é o do MorumBis. Em dezembro de 2023, o São Paulo anunciou a mudança do nome do Estádio do Morumbi após acordo com a Mondelez, empresa dona do chocolate Bis. Com a negociação, o tricolor paulista receberá R$ 90 milhões em um contrato de três anos. Uma mudança sutil no nome do estádio (o acréscimo de um “s” no final) que renderá ao clube R$ 30 milhões por ano.
O que pensa o torcedor?
Mostaro afirma que nem sempre a venda de um naming rights será facilmente aceita pela torcida. Contudo, esse sentimento pode mudar quando o torcedor compreende o tamanho do retorno financeiro obtido com a negociação. Thayná Moura, torcedora do São Paulo, conta que teve um receio com a mudança do nome do Morumbi, mas depois aceitou: "No início, a gente fala que não quer. Porque você tem uma memória afetiva. A parte do torcedor sente saudades (do nome), mas a parte da razão entende que é importante essa mudança. Não só na questão financeira, mas também de se tornar uma potência para as outras marcas.”
No entanto, há casos em que a torcida chega a impedir a negociação. Em dezembro do ano passado, o Fatal Model ofereceu R$ 200 milhões para adquirir por dez anos os direitos do nome do Vitória, clube baiano, ou R$ 100 milhões pelos naming rights do Estádio Manoel Barradas, o Barradão, que pertence ao rubro-negro. Duas votações foram abertas aos sócios-torcedores: a primeira, que mudaria o nome do clube para “Fatal Model Vitória”, foi rejeitada com cerca de 87% dos votos, enquanto a segunda foi aprovada com pouco mais de 73%. A votação teve a participação de cerca de 15 mil sócios e serviu para o clube seguir a negociação com a empresa. Com o acordo, o Barradão passou a se chamar “Arena Fatal Model Barradão”, e o nome do Vitória não foi alterado.
Mostaro acredita, portanto, que o aspecto cultural do futebol e a paixão do torcedor podem ser empecilhos para esse mercado de naming rights no Brasil. Por outro lado, ele entende que, em muitas ocasiões, a torcida “compra” essa ideia pela chance de ver seu clube economicamente fortalecido, com um time mais forte e competitivo. Ainda assim, o dinheiro não é capaz de tudo. Questionada se aceitaria ver elementos do São Paulo negociados, como nome, escudo e cores, Thayná respondeu: “Eu não aceitaria. Mexe com uma ligação histórica, algo que é identidade ou emoção do torcedor. São coisas que, para mim, não podem ser mudadas.”
Por que só agora no Brasil?
O primeiro clube brasileiro a negociar os naming rights de seu estádio foi o Athletico-PR, em um acordo com a empresa japonesa Kyocera Mita América, de 2005 a 2008. Na época, o negócio rendeu ao Furacão cerca de 1,5 milhão de dólares (R$ 7,46 milhões na cotação atual) por ano. A Arena da Baixada, então, passou a se chamar “Kyocera Arena”. Hoje, o estádio já leva o nome de uma outra empresa: a Ligga Arena. Em 2023, o Athletico-PR vendeu novamente os direitos do nome de seu estádio, desta vez para a Ligga Telecom, por R$ 200 milhões em um contrato de 15 anos.
Apesar do pioneirismo em 2005, foi apenas a partir de 2020 que essa prática ganhou força expressiva no futebol brasileiro, com o acordo da Neo Química Arena. Antes disso, apenas o Palmeiras se destacou com a negociação do Allianz Parque em 2013, e que permanece até hoje. De acordo com Mostaro, esse processo começou no início dos anos 2000, com a chegada cada vez mais forte do mercado internacional no país: “Perceberam que o Brasil estava chegando muito próximo de um modelo europeu. A partir daí, começaram as primeiras ideias de naming rights, principalmente nos estádios.” Para ele, isso ganhou mais força com as reformas para a Copa do Mundo de 2014 e a construção de novas Arenas, que provocou o aumento dos preços dos ingressos no país.
Dessa forma, segundo o professor, o futebol brasileiro construiu, ao longo do tempo, um contexto favorável e atrativo para o investimento de grandes empresas: “Uma ideia do futebol como negócio”. Mostaro destaca ainda que muitos estádios do Brasil se encontram em locais estratégicos e de fácil acesso, o que aumenta o desejo dessas empresas de exporem seus nomes e marcas por suas visibilidades.
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