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  • Foto do escritorRebeca Passos

O que são milícias digitais e por que elas são um risco para a democracia

Atualizado: há 6 dias

Especialistas analisam o uso de redes sociais por grupos extremistas para manipular a opinião pública


Com a proximidade das eleições municipais, cresce a preocupação com o impacto das informações falsas na sociedade. O surgimento de organizações criminosas conhecidas como "milícias digitais" tem chamado a atenção das autoridades desde 2018, com seus ataques direcionados à democracia e ao Estado de direito.


Estes grupos, que se utilizam das redes sociais como ferramenta de propaganda massiva, têm o objetivo de distorcer informações, promover teorias da conspiração e espalhar mensagens de ódio. Sua atuação costuma se intensificar nos períodos eleitorais. 


Os ataques planejados por esses grupos têm duas funções: difamar ou desestabilizar pessoas e sistemas que se mostrem como adversários dos financiadores dessas milícias, e influenciar os temas de debate tanto na sociedade quanto nos órgãos governamentais. Com isso, as milícias digitais buscam confundir as pessoas e gerar dúvidas sobre a honestidade de todos os elementos do sistema político, como candidatos adversários, Justiça Eleitoral, sistema de votação, imprensa e mecanismos de controle.


“Os objetivos dessas milícias são bem simples e definidos, embora a quantidade de conteúdo produzido e a forma caótica como se espalha, façam parecer o contrário”, afirma o mestre em Ciência Política João Marcos Duarte, bacharel em direito com ênfase em direito constitucional .


As milícias digitais não são apenas grupos informais, mas estruturas planejadas e coordenadas para alcançar seus objetivos. Para Duarte, elas funcionam como uma estrutura de uma redação de jornal ou uma equipe de relações públicas. “Existem pessoas responsáveis pela produção e divulgação de conteúdos, com figuras influentes como jornalistas, analistas e até mesmo gabinetes de políticos profissionais no topo dessa hierarquia”. 


Duarte afirma que durante as eleições, o trabalho desses grupos se amplifica. Elas procuram vender a imagem de determinados candidatos ou grupos, como heróis representantes de uma população enganada por políticos corruptos. Esses candidatos seriam os responsáveis não somente por corrigir os erros do sistema político, mas também por transformar o discurso e as ideias, difundidas por essas milícias, em realidade. “Cria-se, então, uma situação na qual não há outra alternativa senão a vitória dos candidatos defendidos por essas milícias. Qualquer resultado diferente seria uma fraude”.


Um recente exemplo sobre a atuação dessas organizações criminosas é o “Gabinete de Ódio”, grupo de assessores de Jair Bolsonaro que operavam no Palácio do Planalto e tinha como função principal gerenciar as redes sociais do ex-presidente. Foi formado durante a campanha para a eleição presidencial no Brasil em 2018, mantendo suas atividades até o final de seu mandato.


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou medidas para sancionar candidatos que se utilizem de tecnologias, como "deepfake" e "chatbots", para disseminar desinformação entre os eleitores - Foto: Pexels

As milícias digitais usam várias estratégias para espalhar desinformação, mas duas se destacam: impulsionamento pago de conteúdo e o uso de bots e contas falsas. A estratégia adotada por esses grupos varia conforme a dinâmica de cada rede social, o que demanda um profundo entendimento dos algoritmos para se identificar qual método foi utilizado.


Para Duarte, o grande desafio das instituições hoje é desenvolver estratégias que combatam as ações desses grupos de maneira eficaz e contínua: “É difícil acompanhar o ritmo dessa máquina, já que ela é projetada para produzir um volume grande o suficiente de conteúdo para ocupar os ciclos de notícias e trocar o foco o tempo todo”. Como as milícias digitais usam diferentes fóruns e plataformas ao mesmo tempo, é difícil identificar onde uma notícia falsa ou alguma teoria da conspiração começa a se espalhar. De acordo com o mestre em Ciência Política, as principais estratégias de combate atualmente visam desestruturar as fontes de financiamento, por meio de campanhas de desmonetização, identificação de perfis falsos e promoção de hashtags contrárias em redes sociais, como o X (antigo Twitter). 


Embora essas tentativas frequentemente encontrem obstáculos nas políticas de regulação de conteúdo das plataformas, têm se mostrado as mais eficazes até o momento. “Falta uma coordenação maior de esforços dessas iniciativas de combate no uso de diferentes veículos (como WhatsApp, Instagram, YouTube, Telegram), e o desenvolvimento de táticas particulares para cada um deles”, diz Duarte.


Para a advogada especialista em Direito Eleitoral Ana Paula Coelho, ainda são necessários a garantia e a responsabilidade das plataformas digitais para um debate saudável durante as eleições. A advogada também enfatiza a necessidade de um aprimoramento das leis relacionadas às milícias digitais: “São necessários esforços distintos e coordenados para combater a produção e disseminação de fake news, nos quais deve-se aprimorar os dispositivos legais que  regulamentam o tema”. Além disso, ela destaca a importância de responsabilizar legalmente os agentes criminosos e obrigá-los a reparar os danos causados à sociedade.


A advogada afirma ainda que, após estabelecer fundamentos legais necessários, é possível avançar para o próximo passo ao combate a essas organizações. O plano deveria  envolver a criação e implementação de sistemas tecnológicos que auxiliariam na identificação de fake news e no rastreamento das operações das milícias digitais. 


Quanto à questão da privacidade nas plataformas de mensagem privada – como o WhatsApp – a advogada propõe  uma abordagem que preserva a criptografia das mensagens, mas armazena os dados, como uma espécie de "impressão digital", para identificar conteúdos maliciosos. Dessa forma, os usuários podem denunciar diretamente esses conteúdos, sem comprometer a privacidade das mensagens, enquanto a origem do conteúdo é identificada. “Existem soluções tecnológicas que não conflitam com os direitos de liberdade de expressão e de privacidade, ao mesmo passo que constrange a produção de desinformação”.


Em relatório divulgado pelo grupo de pesquisas NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra que a média de mensagens falsas nas redes sociais, durante as eleições de 2022, dobrou do primeiro turno para o segundo turno - Foto: Pexels

O inquérito das Milícias Digitais e questões legais


No Supremo Tribunal Federal (STF) tramita hoje o "inquérito das Milícias Digitais", investigação comandada pelo ministro Alexandre de Moraes com o objetivo de  desmantelar uma organização criminosa que agiu com o intuito de ameaçar a democracia e o Estado de Direito. A operação já atingiu nomes fortes do bolsonarismo, como o empresário e dono da Havan, Luciano Hang, o blogueiro Allan dos Santos, o deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) e outros influenciadores, empresários e políticos.


Entretanto, o inquérito tem recebido críticas. Alguns o veem como uma forma de censura e limitação à liberdade de expressão, enquanto outros acusam o Judiciário de ultrapassar os limites legais, aproveitando-se de ambiguidades no texto da lei.


João Marcos afirma que as milícias digitais, alvo principal da investigação, operam nas sombras da internet: “Elas buscam se utilizar dessas lacunas na regulamentação das redes sociais para desequilibrar o jogo”. Por trás do discurso de "liberdade de expressão" desses grupos, há violações de direitos e promoção de discurso de ódio, observa Duarte. Mesmo quando seus conteúdos são removidos de plataformas específicas, eles conseguem persistir, mantendo sua presença nociva.


As plataformas digitais, por sua vez, enfrentam desafios significativos na promoção de conteúdo. Muitas vezes, sua lógica baseada em métricas quantitativas e impulsionamento pago entra em conflito com os princípios de neutralidade de rede e liberdade de expressão. Além disso, questões burocráticas e técnicas dificultam a regulamentação e investigação por parte das autoridades.


Apesar das controvérsias, o mestre em Ciência Política diz que é importante ressaltar que o inquérito das milícias digitais não viola a Constituição e nem o Marco Civil da Internet. “O inquérito, embora não resolva todos os problemas, também é importante para demonstrar quais problemas específicos e temáticas do contexto brasileiro devem ser observados pelo legislador, a fim de se criar um ambiente virtual seguro para todos e garantir o exercício da cidadania”.


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