Estudo revela que, num mercado cada vez mais transnacional, 35% dos torcedores brasileiros também simpatizam com times de fora do país
Até onde vai a paixão pelo seu time do coração? Para um número cada vez maior de brasileiros, essa resposta é capaz de alcançar quilometragens extensas, já que tem sido cada vez mais comum encontrar torcedores de times estrangeiros em solo nacional. A pesquisa “O Maior Raio-X do Torcedor” mostra que cerca de 35% dos torcedores brasileiros também torcem para uma equipe no exterior. O levantamento, encomendado pela CNN Esportes em parceria com a Rádio Itatiaia, foi realizado pela consultoria Quaest.
As razões vão desde a influência familiar, a admiração por jogador e até o fato de grande parte dos campeonatos de países europeus serem transmitidos na TV aberta ou no streaming. Para Maurício Luz, universitário de 23 anos que torce para o Borussia Dortmund, da Alemanha, ficou muito mais fácil acompanhar seu time de coração: “Dez anos atrás, quando comecei a cativar um sentimento pelo Borussia, as informações sobre o time eram bem mais escondidas. Agora, com as redes sociais, somos capazes de ver até a escalação provável do time dias antes de uma decisão, por exemplo”.
O amor de Maurício pelo Borussia Dortmund não veio de berço, mas começou bem cedo. Apaixonado por futebol, o estudante acompanhava as transmissões do Campeonato Alemão e começou a simpatizar com o futebol da equipe. Ele conta que o sentimento se tornou mais profundo com a influência dos videogames: “Quando comecei a jogar com eles no Fifa, me envolvi ainda mais. Paralelamente, entre 2011 e 2013, o clube viveu uma grande fase na Alemanha. Foi assim que a paixão cresceu”.
O roteiro de vitórias de um clube é uma das razões mais frequentes para se apaixonar por times estrangeiros, mas outros fatores podem influenciar na decisão. O estudante de medicina Caetano Escobar, por exemplo, diz que acompanha a Internazionale, da Itália, pela afinidade com a história da equipe: “Se eu tivesse me baseado apenas em um momento para escolher um time na Europa, certamente não teria escolhido a Inter (risos). Sou muito ligado aos grandes jogadores que passaram pelo clube, como Adriano, Ronaldo Fenômeno, Zanetti… São ícones que admiro”, explica.
Embora seja torcedor da equipe italiana, Caetano traça um limite claro: colocar o time estrangeiro em patamar semelhante ao clube de coração no Brasil é inaceitável. “Já convivi com uma pessoa que torcia mais para o Liverpool do que para o Vasco. Não entendo como é possível alguém deixar o próprio time brasileiro de lado, comigo não tem essa de coração dividido não”.
Já entre as gerações mais antigas, a aversão aos estrangeiros se mistura com o saudosismo. Para o aposentado Francisco Furtado, o fenômeno é um retrato triste da realidade: "Na minha infância, tínhamos o melhor futebol do mundo. Hoje em dia, nossos talentos são perdidos de forma precoce por causa do dinheiro. Você vê exemplos como o de Vinicius Jr. e, agora, o do Endrick, que já tiveram seus destinos selados desde a categoria de base''.
O papel dos investimentos estrangeiros
A crescente valorização das ligas europeias reflete um mercado de futebol global desequilibrado, dominado pelas riquezas do Velho Continente. Segundo dados da Pluri Consultoria de 2023, as cinco grandes ligas (Alemanha, Inglaterra, França, Espanha e Itália) valem aproximadamente R$ 165 bilhões — com a Premier League liderando em valor de mercado (R$ 55 bilhões) —, enquanto o Campeonato Brasileiro está em sexto, avaliado em R$ 7,2 bilhões. Essa disparidade financeira permite aos clubes europeus praticar uma abordagem predatória na aquisição de talentos, muitas vezes impedindo que os atletas construam carreiras nacionais.
Recentemente, essa influência se estendeu ao Brasil. Grupos estrangeiros compraram SAFs locais, como o Grupo City com o Bahia, promovendo uma integração que favorece a transferência de jogadores para clubes maiores na Europa. Paralelamente, a Arábia Saudita emerge como novo polo de atração de talentos, financiada pelo petrodólar do Fundo de Investimentos saudita, que adquiriu clubes renomados e atraiu estrelas como Cristiano Ronaldo e Neymar.
Como acontece na Europa, também existem brasileiros que torcem pelas equipes sauditas. Karuan Santos, universitário de Educação Física, não esconde sua admiração por Cristiano Ronaldo. Para ele, ‘o maior jogador de todos os tempos’ errou em se transferir para a Arábia, mas revela que já se acostumou com a mudança e, hoje em dia, também criou simpatia pelo Al-Nassr: “A vida de fã tem dessas (risos), no início, achei ruim devido à falta de competitividade, mas aos poucos foram chegando atletas melhores. A liga saudita ainda está muito longe do ideal, mas pelo menos já conta com alguns craques, o que enriquece o espetáculo”.
Assim como Karuan, milhares de brasileiros foram influenciados pela rivalidade entre Cristiano Ronaldo e Messi, que abrilhantou o futebol europeu nas duas últimas décadas. Uma pesquisa encomendada pela ESPN em 2022 apontou que os dois times europeus com mais torcedores no Brasil são justamente Real Madrid e Barcelona, da Espanha, com 27% cada.
Para o jovem, acompanhar a rivalidade entre os craques criou uma geração de fãs fiéis: “Assim como a minha idolatria pelo CR7 começou com as atuações dele no Real Madrid, muitas pessoas no Brasil são devotas do Messi pelo que ele fez no Barcelona, mesmo que ele seja argentino. O que mais tem hoje em dia é gente com camisa do Inter Miami (atual time de Messi) pelas ruas”.
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