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Pelo terceiro ano seguido, Rio é capital onde se gasta mais tempo no transporte

  • Foto do escritor: Kauhan Fiaux
    Kauhan Fiaux
  • 22 de abr.
  • 6 min de leitura

Atualizado: há 4 dias

Passageiros reclamam do tempo e qualidade do serviço. Quem mais sofre é a população que vive distante do centro


Às 22h, passageiros aguardam por ônibus em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade. Foto: Kauhan Fiaux/Rampas
Às 22h, passageiros aguardam por ônibus em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade. Foto: Kauhan Fiaux/Rampas

Antes do sol nascer, a estudante Letícia Ribeiro, moradora de Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade, precisa sair de casa. Às 4h50, espera por uma van em uma rua escura. Quando são 5h10, Letícia chega à estação Santa Cruz da Supervia e aguarda o trem que partirá 20 minutos depois. Dali, são mais 1h30min até a estação Maracanã, na Zona Norte. Ela precisa chegar à Uerj, onde estuda, às 7h. Essa rotina se repete diariamente.


“Eu levo, em média, duas horas e meia a três horas para chegar na Uerj, contando desde o momento que eu saio de casa até quando entro nela”, relata Letícia ao Rampas. Para vencer o trajeto de mais de 50 km, a estudante utiliza uma van e um trem até a universidade. Localizado na extremidade oeste da cidade, Santa Cruz é o bairro mais distante da região central do Rio.



Trem da Supervia próximo da estação São Cristóvão, na Zona Norte da cidade. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Trem da Supervia próximo da estação São Cristóvão, na Zona Norte da cidade. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Na outra ponta da cidade, o estudante João Pedro Rodrigues demora mais de duas horas para sair da Ilha do Governador, na Zona Norte, e chegar ao trabalho na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. Ele utiliza ônibus, metrô e BRT para fazer o trajeto de cerca de 40 km diariamente. 


“O trajeto poderia levar menos tempo se tivesse barca ligando a Ilha ao Centro no período da tarde”, explicou o estudante. Atualmente, a última embarcação para a Praça XV sai da estação Cocotá às 9h20. Após o horário, os moradores da Ilha do Governador só têm os ônibus como opção de transporte para saírem do bairro e chegarem à região central, onde podem acessar os trens e metrô.


Segundo o Relatório Global Sobre Transporte Público 2024, do aplicativo Moovit, o Rio de Janeiro é a capital com o maior tempo médio de deslocamento no Brasil. Considerando apenas um sentido do trajeto, são 58 minutos para realizar o caminho de casa até o trabalho.



Já é o terceiro ano consecutivo em que a capital fluminense lidera o ranking. Em 2020 e 2022, a cidade marcou 67 minutos de tempo médio de deslocamento. A média até caiu nove minutos, mas muitos dos problemas no transporte público continuam.


Leandro Vaz, professor do Departamento de Construção Civil e Transportes da Uerj, explica que a dinâmica da cidade influencia no elevado tempo de deslocamento: “A região central do Rio tem poucos acessos e as pessoas moram longe da área de atuação. A cidade tem praticamente só duas entradas (Avenida Brasil e Linha Vermelha) e é muito apertada em relação ao tráfego. Além disso, os sistemas de transportes públicos não são eficientes da forma que deveriam.”


Muito tempo, pouca qualidade e eficiência

Do ônibus ao metrô, vários problemas precisam ser enfrentados pelos passageiros. Os usuários reclamam da falta do que consideram essencial nos transportes, como ar-condicionado e uma manutenção em dia. “Aqui é uma roleta russa para saber se o ônibus tem ar-condicionado, muitas vezes não tem e é extremamente quente”, relata João Pedro. 


Em relação à Zona Oeste, Letícia diz que muitos ônibus operam em condições precárias, sem ar-condicionado e sem entrada de ar no veículo: “Nos ônibus regulares, a maioria não tem ar-condicionado e, mesmo sem o dispositivo, tem as janelas travadas e não abrem”. A situação ocorre tanto nas linhas curtas quanto nas que realizam viagens mais longas na cidade.



Ônibus da linha 825 — Campo Grande x Jesuítas — sujo e sem forro nos bancos. Foto: Kauhan Fiaux/RAMPAS
Ônibus da linha 825 — Campo Grande x Jesuítas — sujo e sem forro nos bancos. Foto: Kauhan Fiaux/RAMPAS

Para Leandro, que também é especialista em transporte público, é necessário que os transportes tenham qualidade para serem eficientes e oferecerem viagens seguras aos passageiros. “O transporte público precisa ter ar-condicionado, tem que ser limpo e tem que ter uma condição de segurança estabelecida para que as pessoas se sintam seguras em usá-lo”, explica. 


Nos trens da SuperVia, o principal problema é o intervalo, que é uma roleta de surpresas, já que, dependendo dos problemas que o veículo pode passar, nem sempre uma viagem leva o mesmo tempo. “Já fiquei mais de 30 minutos parada na estação de Deodoro porque o trem estava passando por um reparo. Já aconteceu na ida e na volta. Além disso, ele atrasa e fica muito tempo parado nas estações”, relata Letícia, que cruza cerca de 20 estações para chegar à universidade.


O relatório do Moovit aponta que uma maior quantidade de veículos e horários mais confiáveis atrairia mais passageiros para o transporte público. Leandro explica como esses fatores podem melhorar o tempo de deslocamento na cidade: “Se tivermos trens passando a cada cinco minutos, é possível dar mais fluidez ao deslocamento. Mas, se o trem passa a cada 30 minutos, vai acumular mais pessoas, aumentando o tempo de viagem.”


O intervalo médio dos ramais Santa Cruz, Japeri e Gramacho é de 20 minutos em dias úteis, podendo chegar a 40 minutos nos fins de semana. O ramal Belford Roxo funciona com partidas programadas, com um trem partindo a cada 30 ou 40 minutos em dias úteis. Problemas de operação causados por furto de cabos e vandalismo atrasam as viagens, e muitos trens precisam aguardar liberação para partir.



Mais qualidade, mais passageiros e menos tempo de deslocamento

O investimento no transporte público é essencial para atrair mais passageiros e, ainda assim, reduzir a superlotação, conforme o especialista explica usando as reformas do BRT como exemplo: “Foram feitas obras de melhoria no pavimento dos corredores. Isso diminui o custo de manutenção dos veículos e, com mais ônibus, há mais viagens, diminuindo a lotação do sistema e dando mais fluidez à demanda e conforto dos usuários.”


O BRT foi um dos transportes que teve mais mudanças nos últimos anos. O serviço, antes precarizado, passou a contar com mais ônibus, novas estações e linhas. O investimento também aumentou o número de passageiros: entre 2021 e 2025, o número de usuários do sistema cresceu em 257%. Segundo a MobiRio — empresa pública que administra o BRT — a frota atual conta com 731 veículos, 611 a mais do que em 2021.


Atualmente, o sistema é integrado com os ônibus e vans municipais, VLT e Metrô nas estações Jardim Oceânico, na Zona Oeste, e Vicente de Carvalho, na Zona Norte.


Inaugurado em março de 2024, o BRT Transbrasil corta a principal via da cidade, a Avenida Brasil, passando por 17 estações e 18 bairros. Foto: Marcelo Piu/Prefeitura do Rio
Inaugurado em março de 2024, o BRT Transbrasil corta a principal via da cidade, a Avenida Brasil, passando por 17 estações e 18 bairros. Foto: Marcelo Piu/Prefeitura do Rio

Outros transportes da cidade não mudaram

Se por um lado o sistema de BRT passou por mudanças, outros transportes municipais continuam precarizados. É o caso das vans, que fazem parte do Sistema de Transporte Público Local (STPL) e deveriam ser um serviço complementar, mas, pela falta da eficiência pública, se tornam a única opção para moradores de diversas regiões.


É o caso de Letícia, que tem as vans como o único transporte público para chegar à estação de trem de Santa Cruz. “Às vezes não tem van e eu acabo gastando um pouco mais de dinheiro pedindo uma moto por aplicativo ou mototáxi. O transporte, principalmente na Zona Oeste, ainda é muito escasso.”


Leandro Vaz explica o motivo dos serviços das vans serem precários e inseguros: “É a forma que alguns grupos têm de explorar a ineficiência do poder público. Tem pouca fiscalização, então os motoristas abusam da capacidade da van, colocando a vida das pessoas em risco”.

Há um ano aconteceu um acidente envolvendo uma van e um ônibus fretado a poucos quilômetros de onde Letícia mora. Duas passageiras morreram na hora. Pelo menos uma delas estava em pé no veículo — prática proibida pelo Código Brasileiro de Trânsito


Cariocas começaram o ano com aumento na passagem

Assim como o tempo de deslocamento, o preço da passagem também é alto. Logo no início do ano, os ônibus, vans, VLT, BRT, metrô e trem passaram por reajustes na tarifa. O trem foi o que teve maior aumento no preço, passando a custar R$ 7,60, R$0,50 a mais do que o ano passado.


No metrô, o aumento foi de R$0,40 e o bilhete passou a custar R$ 7,90, tornando-se o mais caro do Brasil. Já os transportes municipais (ônibus, BRT, VLT, vans e ‘cabritinhos’) passaram a custar R$ 4,70. 


Segundo Leandro, as passagens do trem e metrô — as mais caras — têm um alto custo por conta do valor da operação. Nos trens, a situação piora por conta do vandalismo: “A operação deles é cara. É todo um sistema que precisa de manutenção e investimento constante. Com o trem, ocorrem muitos problemas de furto de cabos e vandalismo, o que demanda um valor maior. O aumento da passagem reflete o custo de manter o sistema funcionando e a necessidade da concessionária ter um lucro sobre a operação.”


Em abril de 2023, a Supervia anunciou a desistência da operação dos trens do Rio de Janeiro. Em recuperação judicial desde 2021, a empresa alegou, além da perda de receita com a pandemia, o furto de cabos e materiais como um dos principais motivos da desistência.


Passageiros acessam estação da Supervia sem pagar passagem. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Passageiros acessam estação da Supervia sem pagar passagem. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O professor da Uerj explica que o transporte público não precisa de melhoria apenas no investimento público, mas também da população em geral, preservando os bens públicos: “São ações que vão desde o investimento público até uma questão da educação da população para entender as dificuldades e os problemas que acontecem. Também, é preciso não fazer vandalismo e destruição do transporte.”


Procurada sobre a questão das vans e da qualidade do transporte público da cidade, a Secretaria Municipal de Transportes não respondeu ao Rampas até o fechamento da reportagem.



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