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Foto do escritorCarlos Cavalcante

Projeto Vidançar oferece aulas gratuitas de balé clássico a crianças do Complexo do Alemão

Atualizado: 3 de jul.

Iniciativa beneficia mais de 500 crianças e adolescentes e já enviou dezenas de bailarinos para o exterior


Iniciativa também oferece aulas de idiomas e reforço escolar - Foto: Carlos Cavalcante

Ao entrar em um pequeno portão de um prédio no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio, e subir algumas escadas, as salas com piso preparado para as sapatilhas de ponta revelam o que é feito por ali. Ali funciona o Projeto Vidançar, que oferece aulas gratuitas de balé clássico a crianças e adolescentes da periferia, proporcionando oportunidades de educação e crescimento pessoal em um ambiente marcado pela vulnerabilidade social. 


Fundado pela advogada Ellen Serra, o Vidançar nasceu de uma observação aprofundada de outras experiências de voluntariado na comunidade. Ela percebeu que, mesmo após anos de ações, atividades pontuais não eram suficientes para transformar as vidas dos moradores da maneira duradoura como ela desejava.


“Eu fui vítima de pedofilia na infância e de violência doméstica pelo meu ex-marido. Essas vivências marcaram profundamente a minha vida. Quando meu pai faleceu em 2004, entrei em uma depressão profunda e foi então que uma amiga me levou ao Complexo do Alemão. Lá, conheci o Núcleo de Mulheres do Complexo do Alemão (NUMBA) e comecei a ajudar de forma voluntária”, conta.


A ideia tomou forma enquanto Serra assistia a uma apresentação de ballet na escola de seu filho: “Eu percebi que o ballet não só promove disciplina e autocuidado, mas também é uma forma de cultura que pode abrir muitas portas.” Assim nasceu o Vidançar: no Dia das Crianças de 2010 começaram as aulas para uma turma de 14 meninas, lecionadas pela professora do filho de Ellen - que chegou a titubear ao saber da localidade.


Paredes do projeto homenageiam personalidades negras, entre elas, o escritor Otávio Júnior, vencedor do Prêmio Jabuti 2020 - Foto: Carlos Cavalcante

Catorze anos depois, mais estruturado e com mais de 500 beneficiados no Alemão, Saracuruna, Duque de Caxias e no Sertão da Bahia, o projeto busca apoiar as crianças em todos os âmbitos, incluindo a garantia de seus direitos básicos. Exige carteira de vacinação em dia, declaração de matrícula na escola e assiduidade nas aulas, além da presença dos responsáveis nas reuniões de pais do projeto. As famílias ainda recebem doações de cestas básicas e visitas de médicos voluntários.


“Como uma criança pode se concentrar nas aulas de ballet se ela não tem o que comer? Por isso, nosso trabalho vai além da dança, buscando garantir a dignidade e o bem-estar dos nossos alunos”, ressalta Ellen.


Familiares de alunos participam de aula de tranças oferecidas pela Rede de Mulheres Vidançar - Foto: Carlos Cavalcante

Além do ballet, o Vidançar oferece aulas de jazz, dança de salão, breakdance e dança contemporânea para diferentes faixas etárias. Também há aulas de inglês, espanhol, francês e audiovisual, reforço de português e matemática e atividade de contação de histórias - para incentivo da leitura, principalmente de autores pretos. As mães e parentes dos alunos também recebem apoio através da Rede de Mulheres Vidançar, que oferece aulas de maquiagem, costura, cabeleireiro e culinária.


“O Vidançar representa o meu renascimento como ser humano. Ele me curou, e me deu esperança da possibilidade de um mundo melhor”, declara Ellen emocionada.


Transformador de Vidas


Banner da 3ª edição do Festival Interno Vidançar, realizado em 2023 - Foto: Carlos Cavalcante

Entre as histórias inspiradoras está a de Luiz Fernando Rego, jovem que encontrou no ballet o caminho de transformação de sua vida. Filho de dependentes químicos, Luiz cresceu num meio marcado por extrema pobreza e violência, mas superou os obstáculos graças ao apoio da equipe do Vidançar e tornou-se bailarino na companhia de ballet da Dance Theatre of Harlem, ao lado de Ingrid Silva, uma das mais renomadas bailarinas brasileiras. “Luiz Fernando é um exemplo de que, com apoio e oportunidade, é possível transformar qualquer realidade”, afirma Ellen orgulhosa.


O Vidançar já aprovou dezenas de alunos em escolas de dança profissionais dentro e fora do Brasil. Só na Escola de Dança Maria Olenewa do Theatro Municipal, a escola de dança mais antiga do país, são mais de 20, sem contar os admitidos na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil e no Centro de Movimento Deborah Colker. Entre as instituições internacionais que já receberam alunos do projeto estão a Associação Dance Sem Fronteiras, em Portugal, Companhia Tivoli Ballet Theatre, na Dinamarca, e Dance Theatre of Harlem, nos Estados Unidos.


Diretor artístico e coreógrafo do Vidançar, Wallace Guimarães é mais um exemplo do impacto da dança. Ele começou em um projeto social em São Gonçalo aos 12 anos. Hoje, dedica seu tempo e vocação aos jovens do projeto no Alemão: “Para mim é um privilégio, uma honra imensa botar essa galera para dançar. Poder explorar o talento, sabendo que temos muitos prodígios nas zonas periféricas do Rio de Janeiro, sabendo que temos um projeto tão importante quanto esse, que busca, através da dança e da arte, transformar vidas”, afirma.


Dificuldades e patrocínio


O projeto funciona em dois andares de um impovel na Avenida Itaóca - Foto: Carlos Cavalcante

O principal desafio do projeto é a instabilidade das doações. Desde dezembro do ano passado, o Vidançar está sem recursos devido ao processo de renovação do patrocínio com a Petrobras. O apoio da estatal sempre foi um sonho. Ellen brincava: “O projeto só vai ter a chancela quando for patrocinado pela Petrobras”. 


A advogada lembra com emoção de quando receberam a notícia de aprovação. “Foi no dia do meu aniversário, em 27 de setembro de 2020, que recebemos uma ligação dizendo que o projeto havia sido aprovado. Foi um presentão”. Atualmente, o patrocínio proporciona não só recursos financeiros, mas também possibilita a capacitação e profissionalização do projeto.


O imprevisto no pagamento gerou o atraso de quase três meses no início das aulas - em vez de começar no início do ano, iniciaram em maio: “O aluguel é caro e temos muitas despesas fixas, como água, luz e salário dos professores. Para internet nós conseguimos uma parceria com a empresa, que está doando o serviço, mas a gente paga R$ 2.000 só de água e luz, fora os R$6.200 de aluguel. Não tem de onde a gente tirar dinheiro. Eu fico em um desespero total”, desabafa Ellen, que precisou procurar um novo emprego, fora do projeto, para conseguir se sustentar.


Quem quiser ajudar o Projeto Vidançar a se manter de pé pode realizar doações de qualquer valor através da chave pix projetovidancar@gmail.com.



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