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Foto do escritorLyandra Pralon

Quando diversão se torna ameaça: os perigos do uso precoce das redes sociais

Atualizado: 16 de abr.

Cada vez mais conectados, crianças e adolescentes ficam expostos a conteúdos violentos na internet


Crianças diante do celular, cena cada vez mais comum | Foto/ Depositphotos: Professor 25

Casos recentes de violência na plataforma de comunicação online Discord, muito usada por crianças e adolescentes, reacenderam um debate entre pais e responsáveis: o que os jovens e as crianças estão consumindo na internet? Menores de idade estavam em contato com conteúdos perturbadores, atos de violência e desafios macabros dentro da plataforma, que permite comunicação por vídeo e áudio de forma ao vivo, sem que nenhum conteúdo fique registrado.


A SaferNet, organização não governamental que recebe denúncias de violações aos direitos humanos na internet no Brasil, recebeu um total 193.277 denúncias no ano de 2022, um crescimento de 28,76% em relação a 2021, quando houve 150.095 denúncias. Em 2022, cerca de 74 mil dessas denúncias envolvendo discurso de ódio pela internet foram encaminhadas para a central de denúncias da ONG. A SaferNet aponta que houve um crescimento da violência online no país. De acordo com dados fornecidos pela associação, denúncias de crimes de ódio na internet tiveram aumento de 67,7% em 2022.


Marcelo Oliveira, da equipe da SaferNet, disse que a ONG também tem um canal de ajuda, que atende pessoas que estão enfrentando problemas na internet. “Cerca de 30% das demandas são de crianças, adolescentes e jovens, um indicativo de que eles sofrem com a internet. Além disso, segundo a pesquisa Tic Kids Online Brasil 2022, em 2021, 41% das crianças e adolescentes que usaram a internet no Brasil testemunharm discriminação na internet e 6% se sentiram discriminadas”, afirma Marcelo.


Além da ponta do Iceberg


Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, 85% das crianças e adolescentes brasileiros já são usuários da internet, e o acesso muitas vezes ocorre sem controle. Uma pesquisa realizada pela revista Época em 2016 mostrou que, das 1.000 crianças ouvidas entre 7 e 12 anos, 65% disseram não ter regras ou tempo determinado para acessar a internet.


Já na pesquisa realizada pela TIC Kids Online Brasil em 2017, oito em cada dez crianças e adolescentes brasileiros, entre 9 e 17 anos, têm acesso à internet e a utilizam; 75% utilizam as redes sociais sem supervisão.


Rayssa Pimentel, responsável por seu afilhado de 4 anos, vive essa preocupação cotidianamente. “Eu vejo que o mundo digital está cada dia mais sem regras e fazendo com que as pessoas, por estarem sempre mediadas por uma tela, se sintam livres e tenham coragem de expressarem o que são, verdadeiramente sem se importar com quem está do outro lado”, explica.


Segundo ela, é uma tarefa difícil saber totalmente o que as crianças fazem na internet, em um cenário cada vez mais permissivo e nebuloso. Por isso, ela acredita que é preciso uma dedicação maior dos pais em estarem atentos ao que seus filhos estão consumindo.


No Brasil, as plataformas de comunicação não são responsáveis pelo conteúdo divulgado nelas, apenas são obrigadas a retirar um conteúdo do ar após uma ordem judicial.


O Discord, usado principalmente pela comunidade gamer, é uma plataforma gratuita e funciona através de servidores públicos ou privados. As pessoas entram por meio de convites. O grande problema do aplicativo é que ele não oferece nenhuma forma de monitoramento dentro de seus domínios. Nenhuma das chamadas ao vivo fica registrada, apenas se for gravada fora dele. Menores de idade podem se conectar com pessoas que conhecem em servidores públicos ou em chats privados, caso o estranho seja convidado de alguma forma.


A plataforma Discord foi desenvolvida para a comunidade de jogos | Foto/ Depositphotos: Rafapress

Além dos desafios de violência extrema, possíveis casos de abuso e exploração sexual infantil na internet também estão sendo investigados pelos Ministérios Públicos de São Paulo e Minas Gerais. A promotoria de Santa Catarina tem monitorado grupos criminosos que utilizam a plataforma Discord para induzir e instigar ataques nas escolas, pornografia infantil, discurso de ódio, crimes de racismo e intolerância religiosa.


De acordo com Bianca Orrico, psicóloga da SaferNet, proibir o uso do aplicativo Discord não educa nem previne os riscos. Ela explica que o melhor é buscar proximidade e diálogo com as crianças, explicando a elas o risco de compartilhar dados sensíveis. A psicóloga também explica que é importante que os pais conheçam as plataformas que seus filhos utilizam, orientando sobre como bloquear e denunciar contatos inapropriados e utilizar ferramentas que orientem o controle parental.


“Existem alguns pilares importantes para uma apropriação saudável, como avaliar a maturidade dos/as filhos/as, desenvolver noções básicas de segurança e privacidade, estimular o controle de tempo, filtrar a qualidade dos conteúdos e selecionar as interações durante o uso das redes sociais e jogos”, explica. Além disso, Bianca também aponta a importância da promoção de uma cultura e cidadania digital nas escolas.


Diante do aumento de casos de violência online, o perigo para as crianças e adolescentes não é mais falar com estranhos na rua. Agora, com a liberdade oferecida pela internet e a sua capacidade de conectar pessoas, o ensinamento também deve incluir “não fale com estranhos na internet”.


“Acho que o mundo da internet está a cada dia mais proporcionando a sensação de que essas crianças estão soltas e isso faz com que elas sintam-se livres para fazer o que quiserem sem qualquer tipo de medo e desconhecendo os limites”, comenta.

Risco de ansiedade e depressão



O uso precoce das redes sociais pode causar grandes impactos nos jovens, como desenvolvimento de ansiedade e depressão. A incerteza do que seus filhos estão consumindo nas redes sociais preocupa os pais. Os riscos de assédio, cyberbullying, golpes e a vulnerabilidade a crimes virtuais expõe um cenário de incertezas quando o assunto é o que fazer para liberar um acesso saudável de jovens à internet.


Para Claudia Tallemberg, professora de psicologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as tecnologias não são totalmente culpadas por isso. Ela esclarece que muitas vezes elas fazem parte das relações das pessoas, tornando-as reféns. Muita dessas pessoas só têm vida nessas redes sociais. Para ela, a real culpa seria de como essas ferramentas são utilizadas.


“Então a questão não é ‘vamos demonizar as tecnologias?’. Não, isso é uma resposta muito fácil. Acho que a questão está na relação das pessoas com as tecnologias. Isso tem a ver com o modo de organização social, política e que vai justamente ter um impacto no modo como esse relacionamento vai se desenvolver”, completa.


Segundo a professora, a falta de uma efetiva mediação das redes sociais ajuda no acirramento das discussões e na aniquilação da possibilidade de diálogo. Ela explica que nas mídias sociais, por falta de moderação pelas Big Techs, as pessoas se sentem à vontade para falarem o que quiserem sem ter uma responsabilidade imediata.


O atrativo das redes sociais para crianças e adolescentes é, justamente, a falta de controle de proibição. As redes sociais possibilitam a sensação de pertencimento a um lugar onde esses jovens conseguem expressar suas opiniões, ainda que equivocadas e preconceituosas.



Alternativas do bem


A Fiocruz oferece o projeto “Conexão sem Violência”, resultado da pesquisa “Internet: espaço de disseminação e de enfrentamento de violência contra crianças e adolescentes”. O projeto tem como foco analisar violências contra crianças e adolescentes que são praticadas e disseminadas na internet, e tenta propor iniciativas de prevenção. Dividido em três partes, ele abrange educação com castigos físicos, vazamento de materiais íntimos e desafios online (brincadeiras perigosas).


Já o Instagram oferece uma nova ferramenta que permite aos pais maior controle do perfil de seus filhos na rede social. Chamada de “Central da Família”, a ferramenta oferece acesso direto a informações importantes do perfil do filho, além de notificar toda vez que o jovem denunciar uma conta no aplicativo.


A SaferNet Brasil também realiza campanhas e projetos educacionais que atuam fundamentalmente na conscientização do uso ético e responsável da internet através de diferentes canais de comunicação, como Facebook, Youtube, Instagram, Tiktok e Twitter, com o intuito de disseminar informações e conscientizar o público sobre os desafios da segurança digital. A Safernet Brasil ainda atua em parceria com secretarias de educação, ministérios públicos, escolas, universidades, empresas e organizações de diferentes setores da sociedade para promover palestras, workshops e eventos de conscientização sobre o tema.


Bianca Orrico explica que a ONG trabalha desde 2005 para promover os direitos humanos e a segurança digital, buscando fornecer informações sobre como as pessoas podem se proteger na web e dessa forma, se prevenir de possíveis riscos nos ambientes digitais.


“Uma das principais ações é promover a conscientização através da elaboração e disseminação de materiais educativos, como vídeos, cartilhas, infográficos e palestras, que abordam tópicos como privacidade, segurança, ciberbullying, sextorsão e outros tipos de crimes e violações que podem ocorrer em espaços online”, finaliza a psicóloga.


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