top of page
Foto do escritorLuciano Alves

‘Vai cair na prova?’

Formas inovadoras de avaliação escolar esbarram em dificuldades práticas, domínio dos modelos tradicionais e desconhecimento de professores, alunos e gestores


Alunos da professora Claudia Sosinho durante a atividade scape room. Foto: Arquivo pessoal de Sosinho

Numa turma de física do colégio Chico Anysio, da rede estadual do Rio de Janeiro, a avaliação é uma  “caça ao tesouro físico”. A professora Claudia Sosinho elabora questões, coloca em QR code e espalha pela escola. O time tem que procurar as questões, voltar para a sala e resolver, mostrando organização e cooperação. Outra avaliação é na “scape room”: os estudantes entram numa sala virtual e  têm que descobrir enigmas para sair da sala e passar de fase. Mas os enigmas são questões de física de um conteúdo que eles ainda não estudaram em sala, mas conhecem do seu cotidiano. Ela afirma que assim, ao mesmo tempo em que avalia habilidades e competências, ainda faz com que o aluno adquira o conhecimento de uma forma divertida, e possa trazer os conceitos para o momento da aula teórica, podendo participar, ativamente, na construção da aprendizagem.


“O combinado não sai caro”, resume a professora sobre o processo avaliativo no ensino médio. Além dos métodos alternativos, ela também aplica a avaliação tradicional, mas afirma que, em todas as atividades, o ponto crucial é definir o objetivo de cada uma. Para isso, afirma, os alunos precisam saber com clareza o que será cobrado e quais competências estão sendo avaliadas. 


Pouca gente sabe, mas a proposta de Sosinho, de explorar competências e fazer com que os alunos aprendam com avaliações inovadoras, está prevista na lei de diretrizes e bases (LDB) da educação nacional.


Segundo a LDB, a avaliação no âmbito escolar deve ser um processo contínuo e cumulativo, com valorização dos aspectos qualitativos, em detrimento dos quantitativos. Artigos que interpretam a lei discorrem sobre o assunto. Eles não entendem a avaliação como um fim em si mesma, mas como um instrumento a ser utilizado para contribuir na aprendizagem e construção do conhecimento.


A lei sugere que a avaliação não deve ter um tom classificatório e excludente no ensino básico, reproduzindo a competição em sociedade. A sua função não é apontar o dedo para as falhas do aluno, mas, pelo contrário, resgatar o que ele traz da sua vida e ressignificar isso na construção da aprendizagem. O processo de avaliação deve acontecer em todo o tempo e não apenas em momentos pontuais. Outras experiências de inovação em avaliação  mostram o uso de ações como aulas de reforço no contraturno ou apoio entre os próprios alunos. Essas ações estimulam a gratificação pelo trabalho solidário e ajuda mútua, em substituição à competitividade.


O que dizem as correntes modernas


O entendimento atual é que existem cinco tipo de avaliações: diagnósticas, formativas, comparativas, somativas e externas, cada uma com uma intenção diferente. A diagnóstica, como o próprio nome diz, não visa classificar ou dar nota, mas mapear o conhecimento da turma. A somativa é aquela tradicional mais utilizada nas escolas brasileiras e visa determinar o grau de domínio dos conteúdos. A comparativa visa qualificar o ensino, possibilitando reflexão sobre o que foi aprendido e o que ainda precisa ser ensinado. A avaliação formativa é aquela que verifica o progresso e as dificuldades do aluno, acompanhando o desempenho e evolução ao longo de um processo no qual o foco é a formação e não a classificação. Avaliação externa é aquela que vem de fora da escola, como do governo, por exemplo.


A modalidade formativa é hoje a mais defendida pelos educadores, pois se baseia em processos “mão na massa” que colocam o estudante como protagonista, estimulando criatividade, dedicação e pensamento crítico. A intenção não é punir ou classificar, mas trabalhar com o erro, desconstruindo a ideia de que ele é ruim, mas, pelo contrário, deve ser acolhido e servir como convite à reflexão. Na avaliação formativa, o foco não é que o aluno mostre o que sabe fazer bem, às custas de treino e repetição, mas convidá-lo a aprender coisas novas. O educador, além de orientar e fornecer sempre feedback, pode ajustar técnicas para atender às necessidades individuais.


Os moldes da avaliação formativa dialogam mais com o preparo do aluno para os desafios do mundo contemporâneo, pois nas empresas as pessoas não fazem prova ou memorizam, mas precisam lidar com resolução de problemas. Portanto, a sociedade precisa se adaptar a este modelo de avaliação, mas para isso, é necessário a conversa da escola com os pais, que ainda precisam da nota como um indicativo para saber o desempenho dos filhos.


Com a palavra, os especialistas


Especialistas ouvidos pelo Rampas foram unânimes em dizer que o método tradicional de avaliação, baseado em repetições e memorizações, não é mais eficaz para verificar o aprendizado do aluno. O professor Marcos Silva, coordenador do núcleo de educação e aprendizagem do Centro Universitário Unicarioca. Ele afirma que este modelo não leva em conta o estado emocional dos estudantes na hora da prova e nem o conhecimento prévio deles. O  professor Bernardo Soares formado em letras, com habilitação em língua portuguesa e literatura, explicou que hoje em dia é muito fácil recorrer à inteligência artificial para responder questões básicas sem contextualização.


Professor Marcos Silva pesquisa a aprendizagem humana mediada por tecnologias digitais. Foto: Arquivo pessoal de Silva.

Eles defendem métodos alternativos, baseados em contextualização, o que não era algo pensado no passado, segundo Silva, pois não se tinha ideia da importância de situações da realidade do aluno no processo de construção do conhecimento. A pedagoga Fernanda Brasil acrescenta que “o aprendizado não é para aquele momento, assim como a gente entendia no passado, o aprendizado é para a vida toda”. Ela conclui que o mais importante é que o aluno entenda por que está fazendo aquela avaliação e qual a razão daquele conhecimento ser importante para a vida dele.


Professor Bernardo Soares, pesquisador e revisor durante exposição de sua pesquisa. Foto: Arquivo pessoal de Soares.

Em relação a formas alternativas de avaliação, os educadores defendem métodos ativos em que o aluno seja protagonista do aprendizado. O professor Silva diz que “saímos da ideia do aluno passivo, para o aluno que constroi conhecimento de forma ativa”. E cita métodos como a sala de aula invertida, que consiste em incentivar o aluno a trazer o conhecimento, e o aprendizado baseado em problemas e projetos. Explorando ideias de criatividade, protagonismo e iniciativa, estas são práticas de avaliação formativa.


Professora Fernanda de Sá Brasil, coordenadora pedagógica da rede Seeduc-RJ. Foto: Arquivo pessoal de Brasil

Para a pedagoga Fernanda de Sá Brasil, o sistema educacional atual, inserido numa sociedade extremamente competitiva,  não permite que só se avalie desta forma alternativa. Exames externos de avaliação, como vestibulares e concursos públicos, ainda seguem os moldes tradicionais, então para que o aluno - principalmente aquele da escola pública - possa almejar oportunidades, é preciso que passe também pela experiência da avaliação tradicional.


Assim, a pergunta “vai cair na prova?” continua se repetindo em sala de aula. Segundo Soares e Silva, não é sinal de falta de interesse do aluno, mas um reflexo de como ele foi condicionado pelo sistema escolar a alimentar a cultura da recompensa pela nota. 


Silva reforça a importância de criar um sistema onde a recompensa do aluno seja a própria construção do conhecimento e o desenvolvimento do pensamento crítico. Brasil acrescenta que o aluno só terá essa percepção quando perceber a aplicação daquele conhecimento em sua vida. Soares reforça que o aprendizado baseado nos interesses do aluno é fundamental, mas salienta que para isso, é necessário a criação de um ambiente em que o professor se mostra aberto a receber os estudantes, ouvi-los e contribuir com o trabalho deles.


Em relação ao papel do professor no desenvolvimento de métodos alternativos de avaliação, Silva diz que esta é uma questão delicada, pois a maioria dos docentes ainda estão acostumados com o método tradicional, que dá menos trabalho. Ele lembra que hoje o professor está esgotado e tem que trabalhar em várias escolas, e os métodos alternativos demandam mais tempo e dedicaçãoe. Silva acrescenta que não adianta que a determinação venha da equipe gestora, pois não vai funcionar se o professor não for convidado para o desenvolvimento da proposta. “Quando a coisa vem de cima para baixo, sem que o professor participe do processo de implementação do novo, a resistência é maior”, analisa.


Brasil concorda e diz que o professor  é o termômetro da escola, é quem vai dizer o que funciona ou não em cada realidade. Defende que o docente tem que ter autonomia e lamenta que os cursos de licenciatura não preparem o professor para os desafios em sala de aula, muito menos para inovações. A educadora explica que métodos alternativos exigem que o professor possa lidar com o inesperado, e nem todo mundo está preparado para isso. “Tem professor que não vai conseguir, porque vive com crise de ansiedade. Você olha e não diz. Ele então vai ter muito receio, é muito difícil”, conclui Brasil. Ela opina que todo professor de séries mais adiantadas deveria passar, na sua formação, pelas séries iniciais do ensino fundamental para aprender a lidar com o inesperado, porque nestas classes tudo acontece. “Ali é um celeiro, um local de aprender, você tem uma experiência imensa em todos os sentidos”, explica Brasil.


Os professores se reinventam


Sosinho explica que a rede estadual do Rio de Janeiro, onde atua, exige três instrumentos de avaliação: socioemocional, diferenciada com intencionalidade e individual. Na avaliação socioemocional, ela vai verificar competências que o mundo de trabalho exige, como trabalho em time, resolução de problemas, responsabilidade e cooperação. Isso tudo é analisado na avaliação diferenciada, que gera nota e reconhecimento de competências. O aluno recebe sempre um feedback sobre possível falha em cada competência, para que possa melhorar. “Avaliar não é só gerar nota, tem que gerar aprendizado”, explica a professora.


Produção de histórias em quadrinhos com inteligência artificial e mapas conceituais também foram avaliações diferenciadas utilizadas pela professora. Mas ela deu destaque para a mais recente, o ‘show do milhão”, que não foi propriamente a avaliação, mas a preparação do processo, e funciona exatamente como o jogo, só que com questões de física.


Alunos da professora Claudia Sosinho durante a atividade show do milhão. Foto: Arquivo pessoal de Sosinho

Sosinho frisa que, nas avaliações diferenciadas, o aluno também aprende e tem várias habilidades testadas. Muitas vezes, essas avaliações são aplicadas antes do aluno ter a aula do conteúdo propriamente dito, então funcionam como uma espécie de preparação para o estudante poder participar ativamente da construção do aprendizado, pois já traz conhecimento prévio.


Tudo isto, segundo Sosinho, faz com que o estudante chegue mais confortável à última etapa, a da avaliação formal, individual. Ela não abre mão desta etapa, não só pelo fato de que a avaliação tradicional é a realidade de provas externas para as quais seu aluno tem que estar preparado, mas por entender que o trabalho em time das outras etapas pode mascarar dificuldades individuais. “Tenho medo de ser injusta, preciso ter tudo mais amarrado. Não consigo ser totalmente subjetiva”, afirma.


O professor Bruno Remanowsky, que leciona biologia na rede estadual do Rio de Janeiro, também não acredita na eficácia do modelo tradicional de avaliação e procura desenvolver outros métodos. Entretanto, ele diz que, para inovar, enfrenta dificuldades para implementar as novidades, que vão desde a questão do recurso material até a limitação do seu tempo de aula, passando também pelo aspecto disciplinar dos alunos. Ele destaca também o desestímulo gerado pela contrapartida financeira muito baixa, principalmente no caso da rede pública. Mas não acredita que seja impossível e muitas vezes abre mão da folha de papel como avaliação. Como professor de biologia, tem o laboratório de ciências e o espaço físico da escola a seu favor, pois é um local onde se pode observar e analisar o ambiente.


Alunos do professor Bruno Remanowsky durante avaliação no laboratório de ciências da escola. Foto: Arquivo pessoal de Remanowsky.

O professor ressalta que o objetivo das suas avaliações é sempre ajudar o aluno, principalmente levando em conta o ensino público noturno. Lamenta quando não consegue atingir esse objetivo e aponta um sentimento de frustração. Sentimento semelhante demonstra a professora Sosinho. Ela diz que tenta obter o melhor de seus alunos apesar de todas as dificuldades:”Eu entro no espaço de sala de aula e vejo uma potência imensa. Eu quero que eles enxerguem e descubram essa potência.”


Comments


bottom of page