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Wolbito: um supermosquito contra as arboviroses

Atualizado: 9 de abr.

Inseto criado em laboratório ajuda a reduzir casos de dengue, zika e chikungunya


Por Giovanna Garcia e Rafael Lopes

Pesquisador solta mosquitos Wolbitos. Imagem do site World Mosquito Program

Quem vê de fora estranha a cena: um senhor meio careca, com dois braços para fora da janela de um carro em movimento. Na mão direita, ele segura um tubo de plástico. De perto fica ainda mais esquisito: o tubo é um cilindro cheio de mosquitos Aedes aegypti, aquele mesmo, que transmite dengue e chicungunha, e os insetos estão sendo soltos pelas ruas.


Calma, rampers. Na verdade, tudo é parte de um plano em prol da saúde pública.


Carinhosamente chamado de Wolbito, o mosquito que sente pela primeira vez o sabor da liberdade é produzido em laboratório pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mais que criado, foi também modificado em laboratório, pois a bactéria Wolbachia foi inserida em seu organismo. Encontrada em 60% dos insetos, a Wolbachia não aparece no Aedes aegypti. A Wolbachia impede que vírus das chamadas arboviroses, como dengue, zika e chikungunya, se desenvolvam no mosquito.


Usado pela primeira vez na Austrália em 2011, o chamado "Método Wolbachia" foi importado pela Fiocruz em 2014. Com eficácia comprovada no controle de arboviroses, é utilizado em três regiões diferentes do Brasil.


O World Mosquito Program (WMP) é o projeto responsável pela liberação dos mosquitos. No Brasil, o método é conduzido pela Fiocruz, no Campus Maré. O Brasil foi a quarta nação a receber a iniciativa, implementada antes na Austrália, no Vietnã e na Colômbia. O programa é financiado pelo Ministério da Saúde e passou por testes em Tubiacanga e Jurujuba, ambas regiões do estado do Rio de Janeiro. Hoje está presente em 29 bairros cariocas e foi expandido para outras regiões. Belo Horizonte (MG), Petrolina (PE) e Campo Grande (MS) também recebem o auxílio de Wolbitos na batalha pela saúde.


Membro do sistema de operações do WMP Brasil, o pesquisador Gabriel Sylvestre afirma que a expansão do programa é questão de tempo: "Vamos abrir a maior biofábrica do mundo. O local ainda não foi definido, mas é uma iniciativa da WMP com parceria da Fiocruz, numa coligação com um instituto do Paraná. Em relação ao projeto em si, assim que as atuais cidades encerrarem seus ciclos no meio do ano que vem, o programa alcançará novas regiões.”


Segundo Sylvestre, os resultados até aqui são animadores, mostrando redução de 70% dos casos de dengue, 60% dos de chikungunya e 40% dos de zika nas áreas onde o projeto interviu.


A fábrica de Wolbitos


Na biofábrica do laboratório da Fiocruz está instalada a linha de produção de Wolbitos, uma cadeia de ações da fase larval até a adulta, e o laboratório controla cada aspecto do desenvolvimento dos insetos. Os ovos são nutridos e armazenados em ambiente apropriado para o teste de eclosão, e depois o mesmo processo ocorre com as larvas.

Pesquisadora alimenta mosquitos na gaiola da biofábrica do Campus Maré. Foto: Site Fiocruz

Quando chegam à fase adulta, os mosquitos são separados entre machos e fêmeas. Essa diferenciação é essencial, pois só as fêmeas se alimentam de sangue, e por isso, são vetores das arboviroses. Kátia Cabral, pesquisadora do projeto, explica as rotinas da biofábrica: “É preciso que a sala das larvas esteja com no mínimo 30 graus de temperatura. São as condições ideais para que a evolução atinja seu potencial. Já na idade adulta, os poleiros são importantes, pois servem de descanso para os mosquitos. Voar por muito tempo, sem apoio, é prejudicial para eles.”

Mosquitos são cuidados e alimentados antes da soltura. Foto: Peter Ilicciev

A Wolbachia é injetada nos ovos do mosquito. Existem várias linhagens da bactéria, mas a escolhida é proveniente da Drosophila melanogaster, a mosca da fruta. Ela torna os machos inférteis, o que facilita o controle da reprodução. Semanalmente, cerca de 880 mil Wolbitos são produzidos pela fábrica. As fêmeas inoculadas com a bactéria são cruzadas com machos soltos no ambiente, já que os de laboratório, inoculados com a bactéria, são inférteis. E, pela reprodução entre os mosquitos, a bactéria Wolbachia vai se multiplicando e inibindo a capacidade de os insetos transmitirem as arboviroses.


Engajamento comunitário é fundamental


Mas o programa de incentivo aos Wolbitos não vive só de laboratório. O mosquito só é liberado com aprovação das comunidades, e por isso a comunicação é fundamental para a eficácia do programa. Os pesquisadores buscam, em cada cidade, a melhor forma de difundir o Método Wolbachia. Por exemplo, se uma rede de supermercados é muito popular em um município, a comunicação do WMP vai utilizar sua influência do estabelecimento para divulgar o programa.


O modelo de aceitação pública se chama PAN MODO, submetido ao Ministério da Saúde e ao Conselho Nacional de Ética e Pesquisa (Conep). Ele obriga o projeto a engajar a população de cada bairro, com palestras, apresentações e distribuição de material. Com engajamento comunitário se define a melhor forma de comunicação no local, seja Whatsapp, rádio, televisão, jornal, ou o próprio agente comunitário de saúde. O projeto trabalha em parceria com instituições de saúde, hospitais, clínicas, escolas públicas e privadas, além de lideranças locais.


A equipe do projeto faz também uma pesquisa pública. Algumas das perguntas são: Você conhece o método? Entende como ele funciona? Aceitaria a soltura do mosquito? Segundo Gabriel, a soltura dos mosquitos nunca foi recusada. “Normalmente a aceitação é superior a 90%. Acho que o motivo disso é a nossa atividade de engajamento. É um procedimento que não faz mal para ninguém, nem pro meio ambiente, nem para as pessoas.”

Monitoramento das armadilhas dos mosquitos. Imagem do site World Mosquito Program

Depois de aprovada, a liberação dos insetos acontece por cerca de 20 semanas. Aos poucos, os mosquitos da localidade vão sendo substituídos por mosquitos com wolbachia. E, com a reprodução natural da espécie, toda a população de insetos daquela comunidade passa a ter a Wolbachia. O controle final da presença da bactéria é feito por meio de milhares de armadilhas espalhadas nas residências de moradores da localidade. A armadilha mais utilizada é a Ovitrampa, um pote de planta azaleia, com um palitinho de madeira e água dentro - considerado um ambiente perfeito para que a fêmea coloque seus ovos ali. Depois o material é coletado, e os cientistas analisam as larvas para saber a porcentagem de wolbachia no local.


Mosquito também tem história

Mosquitos Aedes Aegypti. Imagem do site World Mosquito Program

O mosquito Aedes aegypti é originário do Egito, na África. Chegou a Brasil na época colonial. O livro "O mosquito”, de Timothy C. Winegard, diz que a chegada dos mosquitos no país ocorreu sem dificuldades, reproduzindo-se nos vários barris e poças d 'água dos navios que transportavam pessoas escravizadas. A lógica cruel do tráfico humano promovida pelos europeus possibilitou condições abundantes para um ciclo contínuo de infecções virais durante as viagens. Quando chegaram ao Brasil, os mosquitos logo se adaptaram.

O Aedes aegypti tem listras brancas no tronco, cabeça e pernas. Uma de suas características é não voar muito: é um mosquito caseiro, que vive dentro ou ao redor de domicílios, ou de outros locais frequentados por pessoas. Se tem fonte de alimento e lugar para criadouro, ele permanece no local. Seus hábitos são preferencialmente diurnos, e a alimentação das fêmeas necessita de sangue humano. O mosquito tem a capacidade de voar cerca de 10 a 12 horas em condições ideais, mas só vai se deslocar se precisar de recursos, pois também não atravessa ruas. Pode transmitir dengue, zika, chikungunya e febre amarela, as chamadas arboviroses, um problema de saúde pública no Brasil.


Até hoje, a única arbovirose com vacina é a febre amarela - por isso os pesquisadores apostam no controle do mosquito como forma de prevenir e controlar a doença. É fundamental eliminar os criadouros de Aedes aegypti, cobrindo reservatórios e qualquer local que possa acumular água. Outras recomendações são as medidas de proteção individual, como uso de calças e blusas de mangas compridas, repelentes e telas de proteção caseiras. Afinal, Wolbito, por mais poderoso que seja, é um método preventivo e não um remédio definitivo contra as arboviroses.

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