Bruxismo ainda é cercado por incertezas; quadro não tem cura e tratamento foca em reduzir estresse e dores do paciente
“Por volta de 2017, eu já tinha trocado vários blocos dentários. Acordava à noite ao sentir os dentes rangendo, e quando reparava estavam todos quebrados.” O relato de Elena, uma bióloga de 57 anos que prefere ter o nome real mantido em sigilo, dá uma ideia do sofrimento vivido por quem sofre de bruxismo - a síndrome que leva a pessoa a ranger os dentes por motivos variados.
Desde os 12 anos, Elena lida com o ranger de dentes e as dores relacionadas ao hábito. Ela conta que sempre gostou da sensação de mastigar chiclete, ainda que seja uma ação prejudicial à mandíbula, porque aliviava a ansiedade e a impedia de tensionar ainda mais a mandíbula. No entanto, a pressão do bruxismo foi tanta que, depois do primeiro dente quebrado, um dentista desgastou os demais na tentativa de ajudá-la.
“Eu quase nem tenho mais canino, não consigo morder as coisas direito e nem roer as unhas justamente porque ele desgastou alguns dentes para aliviar o ponto de atrito entre eles.” Desde então, Elena já quebrou vários dentes e passou por vários especialistas e tratamentos variados.
Casos como o de Elena são muito comuns. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 30% da população mundial sofre dessa condição e que, no Brasil, esse número pode ser ainda maior, afetando por volta de 40% dos brasileiros.
Em entrevista ao Rampas, Florence Sekito, dentista especialista em Dor Orofacial, Disfunção Temporomandibular (DTM) e Oclusão e coordenadora de disciplinas da área na Faculdade de Odontologia da Uerj, conta que estresse e outros fatores psicológicos ajudam a desencadear a condição. De acordo com Sekito, as causas da doença normalmente são de origem psicossomática, ou seja, ela se manifesta fisicamente devido a questões psicológicas, como a ansiedade.
O que é bruxismo?
O bruxismo é um transtorno em que o indivíduo aperta, desliza ou range os dentes involuntariamente, podendo acontecer durante o dia, classificado como bruxismo de vigília, mas que é principalmente noturno, quando acontece durante o sono. E, apesar de ser associado a distúrbios do sono e estresse, não tem uma causa completamente definida. “Tem outras causas que são atribuídas, mas ainda tem muita controvérsia. São de fundo psicossomático e ligadas ao estresse, além de alterações hormonais, desordens de sono, doenças reumáticas e outras alterações dentárias”, explica Sekito.
A especialista também conta que as reclamações mais comuns dos pacientes são dores na boca e na face, nos músculos, dor de ouvido e dor de cabeça, que podem afetar a vida dos pacientes de forma variada. Tanto nos fatores estéticos, levando ao posicionamento inadequado da mandíbula, quanto da integridade física, causando grandes desgastes dentários que expõem partes profundas e resultam em dor. Além disso, pode acarretar na perda de capacidade mastigatória e na mudança da articulação temporomandibular, que liga a mandíbula ao osso temporal do crânio.
O bruxismo também não tem uma cura definitiva. Apesar dos tratamentos existentes que auxiliam a amenizar as dores, ele não vai embora completamente.
Quais são os tratamentos disponíveis?
Como não há cura, resta tratar o quadro de forma paliativa. Alguns dos tratamentos disponíveis são as placas de oclusão, que são menos invasivas, mais acessíveis e mais aceitas pela literatura. Essas placas são moldadas a partir da mordida do paciente e são usadas para amenizar a tensão muscular do rosto e para proteger os dentes do desgaste do bruxismo. Elas podem ser usadas tanto de dia quanto de noite, dependendo da necessidade de cada indivíduo.
Outros tratamentos incluem a eletroterapia, que é o relaxamento muscular por meio de pequenos choques; aparelhos para diminuição de tensão muscular; a fonoaudiologia para reversão de hábitos; a fisioterapia para ajudar na postura da mandíbula; e a aplicação de toxina botulínica, mais conhecida como botox.
No tratamento de bruxismo, o botox é injetado nos músculos do masseter e temporal para ajudar a relaxá-los, a fim de diminuir a tensão muscular que resulta no apertamento dos dentes. Mas sua aplicação tem efeitos colaterais, podendo causar osteoporose e osteopenia das articulações e mudar a oclusão do paciente, além de outras sequelas, segundo Florence.
Depois de 40 anos tentando tratar o bruxismo, Elena já passou por todos os tratamentos disponíveis. Desde as placas de oclusão e relaxantes musculares a desgaste dentário pelo dentista, seu sofrimento era temporariamente diminuído, mas logo voltava pior do que antes.
Até que o quadro se agravou quando, em 2022, uma dor de ouvido a levou à emergência. “Tirei radiografia e me prescreveram antibióticos, mas nada melhorava a dor”, relata. Foi então que se consultou com um médico otorrinolaringologista, que a encaminhou a um especialista buco-maxilo-facial – da boca, maxilar e da face – e finalmente a ajudou.
Ela passou por uma série de tomografias da boca, começou a fazer fisioterapia, eletroestimulação e o uso de melatonina para melhorar a qualidade do seu sono. Além disso, realizava técnicas de relaxamento para dormir bem e tentar manter os hábitos da tensão do bruxismo sob controle. Desde então, Elena conseguiu sentir alívio em seus sintomas: ”Sinto que a tensão ainda permanece levemente, mas o ranger e dores diminuíram. Tive que parar o tratamento por conta de uma cirurgia de catarata, mas sei que, se voltasse agora, os sintomas iriam desaparecer completamente.”
Apesar de todas essas opções, de acordo com Florence Sekito, a melhor para o paciente é manter cuidados caseiros. O uso da placa ao dormir, o alívio de estresse, a manutenção de um bom sono e visitas constantes ao dentista para fazer avaliações e manter o hábito sob controle são alguns dos cuidados.
Na clínica de Dor Orofacial e Dor Temporomandibular da Clínica Odontológica de Ensino da Faculdade de Odontologia da Uerj, coordenada pela professora, é oferecido tratamento para bruxismo a preço popular. Ela fica localizada no Pavilhão Mário Franco Barroso, no Blvd. 28 de Setembro, 157, no bairro de Vila Isabel. O tratamento tem vagas limitadas.
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