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“A sensação é de estar presa”: quando a cidade vira prisão para os cegos

Com poucos cursos de mobilidade e orientação, pessoas cegas enfrentam o confinamento invisível de uma cidade que não oferece caminhos seguros nem autonomia para quem não enxerga


Por Dan Praseres 


A assistência às pessoas com deficiência visual ainda é um desafio, tanto na oferta de serviços especializados quanto na disseminação de informações sobre instituições que prestam esse apoio. Existem iniciativas relevantes e instituições dedicadas à causa, mas muitas delas ainda são poucos conhecidas do grande público, o que dificulta o acesso de quem mais precisa. A informação não chega a todos, e isso acaba criando um cenário onde muitos seguem desassistidos, mesmo com esforços contínuos de quem está à frente dessas organizações.   

                          

Situada no bairro de Encantado, na Zona Norte do Rio, a União dos Cegos no Brasil (UCB) é uma ONG que oferece cursos de tecnologia assistida, braile, informática, programa de empregabilidade para deficientes visuais, judô, coral e, a partir de abril, contará com uma oficina de teatro, ampliando suas atividades culturais e educacionais. Além disso, a instituição oferece o curso de orientação e mobilidade, essencial para promover a  autonomia de pessoas com deficiência visual. Segundo Danielle Freitas, coordenadora de Habilitação e Reabilitação da Fundação Dorina Nowill para Cegos: “O curso de mobilidade deve ser abrangente, combinando teoria e prática presencial aplicadas. Deve abordar todos os aspectos da deficiência visual, incluindo as dimensões médica, social, psicológica, e física, explorando todas as ferramentas para locomoção e independência da pessoa, além das tecnologias assistivas que podem auxiliá-la no dia a dia e das técnicas de Terapia Ocupacional (TO). É fundamental que o curso tenha um desenvolvimento prático, com treinamento direto com pessoas com deficiência visual, sempre sob a supervisão de um profissional já capacitado”.


De abrigo à capacitação 


A União dos Cegos no Brasil passou por uma reformulação ao longo dos anos. O jornalista Marcos Rangel, tesoureiro da instituição relembra como o espaço passou por uma transformação significativa: "Antes, a casa era um asilo para cegos, mas meu irmão Climério Rangel reformulou a mensagem que a União queria passar. Hoje, oferecemos acolhimento psicológico e oportunidades para que pessoas com deficiência visual possam desenvolver habilidades, estudar e se inserir no mercado de trabalho."



Oficina de arranjos florais. Fonte: acervo Pessoal
Oficina de arranjos florais. Fonte: acervo Pessoal

A baixa presença de pessoas com deficiência visual no mercado de trabalho escancara o quanto a inclusão ainda é frágil no Brasil. De acordo com o Ministério do Trabalho, apenas 12,8% dos trabalhadores com deficiência formalmente contratados possuem deficiência visual. Já o IBGE mostra que só 26,6% das pessoas com deficiência estão empregadas, contra 60,7% da população sem deficiência. Em um país com mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, esses dados reforçam a falta de oferta de capacitação para esse grupo.


A luta de quem não tem acesso à mobilidade


A dificuldade de encontrar cursos de mobilidade tem impactos diretos na vida de pessoas cegas que precisam aprender a se locomover com independência. Viviane Rodrigues, de 24 anos, perdeu a visão aos 17 e, desde então, enfrenta dificuldades para se adaptar à sua condição.


Sem conseguir uma vaga em um curso gratuito de mobilidade, Viviane ainda depende de um acompanhante para se deslocar no dia a dia. Para ela, a falta de acesso à capacitação significa perder a autonomia e ser privada de uma vida independente.


"Sem um curso a gente fica totalmente dependente dos outros para coisas simples, como ir ao mercado ou pegar um transporte público. É frustrante saber que existem cursos, mas que a demanda é tão grande que muitos de nós acabamos sem acesso. A sensação é de estar presa."



 Viviane Rodrigues (24). Fonte: acervo pessoal
 Viviane Rodrigues (24). Fonte: acervo pessoal

O relato de Viviane reflete a realidade de muitas pessoas cegas no Brasil, que, além das dificuldades inerentes à deficiência visual, enfrentam a falta de suporte adequado para conquistarem a autonomia. O excesso de demanda e a carência de outras instituições que oferecem cursos de mobilidade tornam o acesso a esse tipo de formação extremamente limitado.


Autonomia invisível 


A falta de acessibilidade para pessoas com deficiência visual vai além das calçadas irregulares e da sinalização tátil insuficiente, ela também está presente na ausência de políticas públicas voltadas para a autonomia. Um exemplo claro é a falta de dados governamentais atualizados que informem quantos cidadãos estão sem acesso a esse tipo de capacitação de mobilidade e orientação, o que demonstra uma negligência preocupante do poder público e escancara a invisibilidade da causa nas esferas de planejamento urbano e inclusão social. Segundo Claudia Scheer, coordenadora audiovisual e da Central de Formações da Fundação Dorina Nowill para Cegos: “ Com o aumento de deficiência visual adquirida, frequentemente causada por degeneração macular e catarata, a demanda tem se tornado significativa. Os cursos são oferecidos em poucos serviços especializados na deficiência visual, e geralmente divulgados apenas nas redes sociais das próprias organizações”. Sem políticas públicas eficazes e investimentos estruturais, a inclusão plena segue sendo uma promessa não cumprida.



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