Região sofre efeitos da terceira onda de desastres naturais no ano e ainda não viu resultados do programa “Recomeçar” criado pelo governo do Estado
Pelo menos 12 mil pessoas desalojadas, 300 desabrigadas e quase 48 mil moradores afetados. É este o resultado de seguidas enchentes este ano nos municípios da Baixada Fluminense. Foram três chuvas fortes (janeiro, fevereiro e março) que causaram muitos estragos na região.
Marlon Gonçalves, publicamente conhecido como Dorgo, 29, é MC, produtor cultural e morador no Morro Agudo, em Nova Iguaçu. Ele relata que este problema não é novidade: “Infelizmente a gente sabe que todo ano vai passar por desastres com chuva. Isso não é unicamente ocasionado por mudanças climáticas, apesar dos claros impactos dela. Minha região ficou completamente destruída, não tem outro termo para usar. Tem ruas que até hoje estão com lama, pontes que ameaçam cair, ruas que foram fechadas e dificilmente você vê alguém que está passando por isso pela primeira vez. É complicado saber que todo verão vamos passar por isso e que nada nunca muda.”
Em janeiro, o governador Cláudio Castro criou o programa Recomeçar, que concede auxílio de R$ 3 mil, em parcela única, para a população de baixa renda atingida pelas fortes chuvas. Iracema Facciolla, 73, psicóloga do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de Moquetá, em Nova Iguaçu, explica como o programa foi organizado: “Todas as casas de assistência social foram convocadas pelo governo do Estado, seja CRAS, CREAS ou qualquer outra instituição. Começamos a trabalhar no programa Recomeçar. As pessoas vinham nos procurar, mas também saímos para encontrar os moradores que tiveram suas casas destruídas. A listagem das famílias já foi entregue e agora estamos na fase da entrega dos cartões.”
Nesta terça, 2 de abril, a Prefeitura de Duque de Caxias e o governo do Estado realizaram um encontro no Teatro Raul Cortez para iniciar a entrega do Cartão Recomeçar. O cartão foi entregue a somente 300 famílias, em ordem alfabética.
Para muita gente, o auxílio ainda não chegou. Lorena Lima, 24 anos, moradora de Duque de Caxias, afirmou que não conhece ninguém que recebeu o benefício. “Aqui em Caxias não vi ninguém receber o dinheiro da assistência. Minha casa é no alto, então abriguei amigos que perderam tudo e até agora eles ainda estão vivendo de favores e com o auxílio das mobilizações sociais, comprando com o dinheiro suado cada móvel que foi perdido na tragédia. Esse programa não resolve nenhum problema se no ano que vem as pessoas vão perder tudo de novo. Como recomeçar se não temos políticas públicas nem infraestrutura para suportar nenhuma chuva?”
Região estará mais exposta a enchentes nos próximos anos
O cenário atual já é preocupante e vai piorar ainda mais. O mapa abaixo mostra, em vermelho, as áreas que estarão abaixo do nível do mar em 2050. A maior parte delas encontra-se na Baixada Fluminense, principalmente os municípios de Duque de Caxias e Magé. Segundo o Climate Central, ONG que analisa e reporta dados climáticos, este fenômeno está relacionado à inundação anual provocada pelo aumento das marés e da força das tempestades.
Viviane Rodrigues, doutora em Geografia, professora de Geografia do Instituto Federal do Rio de Janeiro e especialista em gestão e controle ambiental, explica o fenômeno: “Claro que a falta das políticas públicas de mitigação das ocorrências ambientais na Baixada é um problema, assim como a falta de investimento em uma infraestrutura que suporte minimamente as chuvas mais acentuadas. Mas historicamente o território da Baixada Fluminense foi erroneamente ocupado. Era um terreno inseguro e as pessoas foram sendo empurradas economicamente para lá. Hoje a gente colhe o fruto de uma desigualdade que é, além de econômica, também geográfica e urbana."
Em Nova Iguaçu, conta Dorgo, a situação não é muito diferente. “Estamos esperando receber o cartão emergencial. Semana que vem completa três meses que perdi todas as minhas coisas, e até hoje ninguém recebeu nada. Ninguém sabe quando vai ser pago nem se vai ser pago. A Baixada é colocada de escanteio a vida inteira e infelizmente isso se torna comum para a população, mas não dá para normalizar porque queremos fazer a diferença com as mobilizações dos coletivos da Baixada Fluminense.”
Mobilização da sociedade civil apoiou moradores
Mesmo com a insegurança do programa Recomeçar, a Baixada contou com apoio intenso dos movimentos culturais e das mobilizações civis, detalhou o artista. “Houve uma mobilização gigante que sempre é feita pela sociedade civil, pelos agentes culturais. Porque sentimos a falta dos órgãos públicos, das instituições. Os coletivos financiados e mobilizados pelos moradores das regiões afetadas são quem resiste à falta de políticas públicas que nos é imposta.”
O produtor cultural destacou organizações como a Baixada Resiste, de Nova Iguaçu, o Instituto Enraizados em Caxias, o Mais por Nós de Belford Roxo e o coletivo Ethos em Japeri e Paracambi. O artista também ressaltou o senso de coletividade e solidariedade da população, que se une para enfrentar as tragédias anunciadas: “É incrível como na situação de necessidade, a gente consegue, mesmo na maior necessidade, se organizar para ajudar o próximo. Minha casa estava inabitável depois da primeira chuva, e eu decidi me mudar para estar perto o suficiente para ajudar meus amigos que viviam ou viveriam a situação que eu estava dias atrás. Porque a gente tem a certeza de que vai conviver com mais chuvas no futuro.”
Comments