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Raphael Lisboa

Aprovação de cotas trans na UFF amplia debate sobre o tema em outras universidades

Universidade se torna a primeira do Rio de Janeiro a implementar cotas para pessoas trans em cursos de graduação



Ativistas da Rede Trans da UFF se unem após aprovação das Cotas Trans. Foto: Acervo pessoal/Zuri Moura

Zuri Moura entrou na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 2021 como aluna do curso de Serviço Social. Travesti e preta, viveu desde cedo a marginalização e a solidão impostas por uma sociedade marcada pelo racismo e pela transfobia. Na UFF, se viu impulsionada pela necessidade de sobrevivência e pertencimento num ambiente que descreve como marcado pela “cisnormatividade e pelo embranquecimento”. Foi então que ela, junto com outras pessoas trans, ajudou a criar a Rede Travesti Uffiana e se tornou participante do movimento que culminou com uma decisão histórica: a aprovação de cotas para estudantes trans na UFF. "Este ano, reescrevemos a possibilidade de futuro da comunidade trans e travesti", afirma.


Zuri ressalta que a política de cotas trans não é um privilégio, mas uma reparação histórica. "Fomos historicamente minorizados em direitos sociais. As cotas são uma política pública de reparação às violências racistas e transfóbicas que nossa comunidade resistiu ao longo da história”, conta.


A Universidade Federal Fluminense (UFF) se tornou a primeira instituição no estado do Rio de Janeiro a adotar cotas para pessoas transgênero em cursos de graduação. Além da UFF, outras universidades brasileiras já haviam implementado essa política. Entre as federais, estão: Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Universidade Federal de Lavras (Ufla), de Santa Catarina (UFSC), de Santa Maria (UFSM), do ABC (UFABC), da Bahia (UFBA), do Rio Grande (Furg), de Rondônia (Unir) e de Goiás (UFG). As estaduais incluem a Universidade do Amapá (Ueap), da Bahia (Uneb), de Feira de Santana (Uefs) e de Campinas (Unicamp).


Segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), dos 424 mil estudantes matriculados nas universidades públicas federais, apenas 0,1% se declaram homem trans e 0,1%, mulher trans. Em 2019, apenas 12 das 63 universidades federais brasileiras contavam com cotas específicas para pessoas transgênero, o que corresponde a apenas 19% do total.


Com o fortalecimento do movimento, a Rede Transvesti Uffiana conquistou a criação da Comissão Permanente de Política Transvestigênere e a assinatura do documento que garante a reserva de 1,5% das vagas nos cursos de graduação para pessoas trans a partir do primeiro semestre de 2025. "Essa vitória não é só nossa. Ela abre portas para outras universidades também avançarem nessa pauta”, conta Zuri.


Pessoas trans enfrentam violência e abandono familiar, e, em muitos casos, a prostituição se torna a única fonte de rendal, evando essa população a abandonar seus sonhos educacionais em uma luta diária por dignidade e sustento. De acordo com a Antra, cerca de 90% das travestis e mulheres transexuais dependem da prostituição, e 70% das pessoas trans não concluíram o ensino médio, com apenas 0,02% acessando o ensino superior. Esses dados mostram a importância das cotas trans para abrir oportunidades educacionais a uma população historicamente marginalizada.



Zuri Moura, atual diretora do DCE da Uff e Idealizadora e co-fundadora da Rede Transvesti Uffiana. Foto: Acervo Pessoal/Zuri Moura.

Ariela Nascimento, Ativista de Direitos Humanos e Articuladora Política da Rede Trans Uffianas. Foto: Acervo Pessoal/Ariela Nascimento.

Ariela Nascimento, também fundadora da Rede Transvesti Uffiana e primeira diretora trans do DCE da Uff, destaca a importância da conscientização política para o sucesso do movimento. "Foi um processo intenso de mobilização e conscientização. Tivemos que construir um diálogo consistente com a reitoria e com a comunidade universitária, demonstrando como a inclusão de pessoas trans fortalece a diversidade e qualidade da universidade”. Para ela, a implementação das cotas é um marco para a UFF, não só como uma reparação, mas como um sinal de que a universidade pode ser um espaço transformador.  


Ariela reforça que, além do acesso, é fundamental garantir a permanência dos estudantes trans no ambiente universitário. "Conquistar a entrada na universidade é uma vitória, mas a luta pela permanência ainda continua. Precisamos de mais políticas de apoio para que esses estudantes consigam concluir seus cursos”, observa. Ela acredita que a implementação das cotas trans na instituição pode servir de exemplo e inspiração para outras instituições de ensino no país.



Rede Trans Uerj presente em seminário interno TransEducando Uerj: ensino superior e empregabilidade. Foto: PR1 Uerj

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) o debate sobre cotas trans ainda está em estágios iniciais. Angie Barbosa, estudante de psicologia e ativista da Rede Trans Uerj, destaca que o tema tem mobilizado vários coletivos dentro da universidade, como o Centro Acadêmico de Serviço Social (CASS) e o recém-formado Núcleo de Consciência Trans.  


"Estamos trabalhando em diferentes frentes para discutir como as cotas serão implementadas e como garantir a permanência estudantil da população trans", explica Angie. Ela também menciona o histórico de mobilizações importantes para a mobilização em torno das cotas trans no país, realizadas por alunes da Uerj, como o Seminário Shelida Ayana, realizado em 2018, e a dissertação pioneira de Sara Wagner York sobre o tema, em 2020.


Angie ressalta que, embora as cotas trans ainda não tenham sido implementadas na Uerj, a luta continua: "Com os recentes cortes de bolsas e a precarização da permanência estudantil, vemos as pessoas trans, especialmente as mais vulneráveis, sendo diretamente afetadas. Precisamos de políticas específicas para garantir o acesso e a permanência dessas pessoas na universidade”.


A ativista acredita que, para alcançar essa mudança, é necessário articular a pauta das cotas com a luta mais ampla pela permanência estudantil. "Estamos enfrentando uma gestão que resiste ao diálogo e atua de forma truculenta contra os estudantes, mas continuamos mobilizados para avançar nesse debate”, diz.


"A nossa conquista é um marco não só para a Uff, mas para todas as instituições que desejam ser mais inclusivas”, afirma Angie. Ela acredita que essa conquista representa um marco não só para a Uff, mas para todas as instituições que desejam ser mais inclusivas. “O movimento trans está mostrando que é possível construir uma universidade para todes, onde as pessoas trans sejam vistas, ouvidas e respeitadas".



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