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As histórias de quem ganha a vida no Calçadão de Campo Grande

No bairro mais populoso do Rio de Janeiro, ambulantes e pequenos comerciantes enfrentam desafios diários em busca de sustento


Por Manoela Oliveira


Em uma manhã de sábado, uma movimentação intensa toma conta dos cerca de 350 metros do Calçadão de Campo Grande, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. O espaço, que reúne ambulantes, artesãos e microempreendedores, é o retrato do comércio popular do bairro mais populoso do Brasil, com 352.356 habitantes, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Ao longo da Rua Coronel Agostinho, o Calçadão Bispo Daniel Malafaia, seu nome oficial, é marcado pelo som constante de vozes, músicas e anúncios de vendedores que oferecem de tudo: capas de celular, roupas, remédios naturais, livros, artesanato e alimentos.



Calçadão de Campo Grande é um dos principais centros comerciais do bairro.                                                        Foto: Manoela Oliveira / Rampas
Calçadão de Campo Grande é um dos principais centros comerciais do bairro.  Foto: Manoela Oliveira / Rampas

É nesse cenário que, há cinco anos, Miguel Silva, de 20 anos, trabalha em uma barraca móvel vendendo acessórios para celular e tablet, além de oferecer serviços de conserto e desbloqueio. “Aqui, a gente trabalha pelo sustento da nossa família. Meu patrão tem um filhinho, então o nosso desafio é fazer com que cada dia seja melhor que o anterior”, conta



Miguel Silva em frente à barraca móvel na qual trabalha no calçadão de Campo Grande.                                                              Foto: Manoela Oliveira / Rampas
Miguel Silva em frente à barraca móvel na qual trabalha no calçadão de Campo Grande.  Foto: Manoela Oliveira / Rampas

Já Lúcia Nery, de 46 anos, está há 13 anos vendendo cosméticos e produtos de beleza em um espaço compartilhado com uma banca de jornal no Calçadão de Campo Grande. Hoje, busca alternativas para complementar a renda, como a venda de bolos e trufas. “Na minha idade, a gente não consegue mais trabalho de carteira assinada, então optei por trabalhar para mim”, diz. A comerciante observa um enfraquecimento do comércio do bairro após a pandemia, com a queda no movimento nas ruas e o fechamento de lojas. “O mais difícil é conseguir vender, mas não dá para parar. As contas não esperam”, afirma Lúcia.


Segundo a Associação Empresarial de Campo Grande (AECG), antes da pandemia, cerca de 250 mil pessoas circulavam pelo Calçadão de Campo Grande. Com a crise sanitária, esse número caiu aproximadamente 80%, e os efeitos dessa redução ainda são sentidos até hoje.



Movimentação de pessoas no Calçadão de Campo Grande                                                                                                                         Vídeo: Manoela Oliveira / Rampas
Movimentação de pessoas no Calçadão de Campo Grande Vídeo: Manoela Oliveira / Rampas

No Calçadão, também acontece a feira de Campo Grande, que abriga artesãos como Cida de Jesus, de 52 anos. Há um ano, ela decidiu vender suas peças de crochê como tapetes, bolsas e roupas no local, que oferece bastante visibilidade. No entanto, Cida observa que, apesar do fluxo de pessoas, há muita concorrência e o apoio ao trabalho dos artesãos ainda é insuficiente. “Se houvesse uma exposição gratuita para nossos produtos, seria maravilhoso, porque a gente arca com todos os custos para garantir esse espaço”, comenta. 



Cida de Jesus vende suas peças de crochê na feira do Calçadão de Campo Grande                                                                 Foto: Manoela Oliveira/ Rampas
Cida de Jesus vende suas peças de crochê na feira do Calçadão de Campo Grande Foto: Manoela Oliveira/ Rampas

Apesar do encolhimento no comércio de rua após a pandemia, a preferência dos consumidores por lojas da vizinhança permanece alta: 57% dos brasileiros ainda optam por esse tipo de estabelecimento, segundo a pesquisa Impactos da Mobilidade Urbana no Varejo da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Moradora de Campo Grande, Maria Cláudia Oliveira, de 51 anos, diz que costuma fazer compras  no Calçadão do bairro. “Aqui, os preços são muito melhores do que no shopping, além de ter mais variedade de lojas”, destaca. 



Moradora de Campo Grande, Maria Cláudia Oliveira é cliente fiel do comércio do Calçadão do bairro                               Foto: Manoela Oliveira
Moradora de Campo Grande, Maria Cláudia Oliveira é cliente fiel do comércio do Calçadão do bairro Foto: Manoela Oliveira

No Calçadão de Campo Grande, o comércio se estende por diferentes áreas, incluindo a passagem subterrânea localizada embaixo da linha da estação de trem do bairro. Enquanto na área externa os vendedores montam suas barracas, no túnel, os comerciantes precisam alugar espaços para vender seus produtos, que vão desde roupas e cosméticos até brinquedos. Segundo Wesley Maciel, de 20 anos, que trabalha no local vendendo capas de celular e aplicando películas, o aluguel do espaço varia de R$ 2 mil a R$ 6 mil, dependendo da localização. Foi com a rotina em turnos de 10 horas no comércio que Wesley conseguiu comprar seu carro e pretende iniciar sua faculdade de educação física.



Wesley Maciel no estande em que trabalha na passagem subterrânea da estação de trem de Campo Grande       Foto: Manoela Oliveira/ Rampas
Wesley Maciel no estande em que trabalha na passagem subterrânea da estação de trem de Campo Grande Foto: Manoela Oliveira/ Rampas

José Miranda, de 61 anos, trabalha há 10 anos com artesanato, produzindo bolsas, estojos e acessórios personalizados com nomes de cursos de faculdade. Ele escolheu Campo Grande para vender seus produtos, atraído pela grande população e pela influência do bairro nas regiões vizinhas, como Santíssimo, Bangu e Senador Camará. “Principalmente para quem é ambulante e depende de trabalhar por conta própria, o bairro é perfeito. Mas a situação mudou muito: hoje a concorrência é muito maior”, observa.



José Miranda vende seus produtos personalizados no Calçadão de Campo Grande.                                                                 Foto: Manoela Oliveira/Rampas
José Miranda vende seus produtos personalizados no Calçadão de Campo Grande.  Foto: Manoela Oliveira/Rampas

O comerciante afirma enfrentar dificuldades para obter a licença para trabalhar legalmente, devido à burocracia imposta pela Prefeitura. No Rio de Janeiro, o requerimento para autorização do exercício da atividade deve ser feito por meio do Carioca Digital, preenchendo um formulário com os dados solicitados. A  Lei nº 1876 define o comerciante ambulante como a pessoa que exerce a atividade profissional por conta e risco, oferecendo suas mercadorias ao público e, no Rio, essa categoria contabiliza 9.359 trabalhadores, de acordo com dados obtidos pelo  Instituto Rio21 via Lei de Acesso à Informação (LAI). 


A informalidade no mercado de trabalho brasileiro atingiu um recorde em outubro de 2024, com 40,3 milhões de pessoas atuando sem registro, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).  Para Maicom de Melo, de 25 anos, que há seis meses vende óculos no Calçadão, o trabalho informal tem suas vantagens. “Além de me proporcionar liberdade, consigo ganhar um bom dinheiro com ele.”



Maicom Melo vendendo óculos no Calçadão de Campo Grande                                                                                          Foto: Manoela Oliveira/ Rampas
Maicom Melo vendendo óculos no Calçadão de Campo Grande Foto: Manoela Oliveira/ Rampas

Márcio Branquilo, de 51 anos, trabalha no Calçadão de Campo Grande com a revenda de livros usados, comprando-os de editoras ou de outras pessoas. Ele afirma que tem enfrentado dificuldades no comércio literário e não tem tido bom desempenho nos últimos tempos. “As pessoas estão se controlando mais para comprar, e o livro acaba ficando de fora, pois não é considerado um item essencial.” A percepção de Márcio é confirmada por dados do IBGE, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), mostrou que livros, jornais, revistas e papelaria tiveram uma redução de 7,7% nas vendas, a maior queda entre todos os segmentos analisados. Para Márcio, o título de “Capital Mundial do Livro” atribuído pela Unesco ao Rio de Janeiro em 2025, não tem se traduzido em incentivo ao setor ou no apoio efetivo aos livreiros. 



Marcio Branquinho vendendo livros no Calçadão de Campo Grande                                                                                            Foto: Manoela Oliveira/Rampas
Marcio Branquinho vendendo livros no Calçadão de Campo Grande Foto: Manoela Oliveira/Rampas
















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