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As mulheres invisíveis da moda circular

Por detrás do ‘boom’ dos brechós de marca e cada vez mais caros, empreendedoras periféricas são base da economia da moda de segunda mão


Por Carolina Coutinho


No bairro do Riachuelo, o lar de idosas Amparo Thereza Christina abriga o seu próprio brechó. O lugar vende de tudo: roupas de diferentes estilos e épocas, sapatos, bolsas, antiguidades e até vestidos de noiva. É lá que trabalha Eliete Klein, de 85 anos. Costureira autodidata, ela desenha, modela, borda e faz crochê – aprendeu tudo vendo o pai trabalhar como alfaiate e a mãe como costureira. Há 33 anos, Eliete deixou de ter a costura como fonte de renda para se dedicar integralmente à curadoria e administração do bazar beneficente do Amparo.


Lar de idosas Amparo Thereza Christina abriga bazar beneficente com peças a R$1 - Foto: Carolina Coutinho
Lar de idosas Amparo Thereza Christina abriga bazar beneficente com peças a R$1 - Foto: Carolina Coutinho

No brechó, todas as peças são fruto de doações e custam em torno de R$1. O dinheiro das vendas é destinado à manutenção da instituição. Essa é uma dinâmica que promove acesso a vestimentas de baixo custo e estabelece laços comunitários através da moda circular. Trata-se de uma lógica muito distante daquela incentivada pela fast fashion – que estimula a produção e o consumo desenfreado de roupas. E, nesse mercado que incentivaa reutilização de peças, brechós crescem em ritmo acelerado. Há desde redes como Peça Rara e Enjoei, até os pequenos negócios, como o brechó do Amparo Thereza Cristina.


Gigantes do second hand iniciam projetos ambiciosos de expansão para aumentar o número de lojas físicas - Fotos: Peça Rara e Enjoei/ Divulgação
Gigantes do second hand iniciam projetos ambiciosos de expansão para aumentar o número de lojas físicas - Fotos: Peça Rara e Enjoei/ Divulgação

O Rio de Janeiro é hoje o terceiro estado brasileiro em número de brechós: até o ano de 2024 já eram 2.035, segundo pesquisa realizada pelo Inteligência Sebrae. No Brasil, cerca de 94% das proprietárias dos brechós são mulheres, em sua maioria, microempreendedoras individuais (MEIs). O crescimento do setor – que, segundo o Sebrae-SP, deve movimentar R$24 bilhões em 2025 – tem atraído investimentos de grandes grupos empresariais, que muitas vezes acabam invisibilizando o empreendedorismo feminino que sustenta essa economia, muitas das vezes como forma de subsistência. 


Para Dani Sant'Anna, voluntária do movimento Fashion Revolution – organização global sem fins lucrativos que luta para acelerar a transição da moda brasileira rumo à justiça social e climática –, a participação de grandes conglomerados na economia dos brechós ameaça comprometer os princípios da sustentabilidade: “A indústria acaba se apropriando do espaço e da narrativa de segunda mão, colaborando com a invisibilidade das pequenas empreendedoras. Além de utilizar o movimento para obtenção de mais lucro, como a utilização de bazares apenas como escoamento de peças não vendidas, acelerando a produção de novas peças e estimulando o consumo.”


Esse cenário se evidencia com a proliferação de bazares de marca, alimentados pela divulgação feita por influenciadores digitais. Nesses espaços, peças com pequenas avarias são revendidas por preços ainda elevados - mas, mesmo assim, esses lugares ainda são equivocadamente chamados de “brechós”. A popularização desse modelo, segundo Dani, gera um segundo problema: o incentivo ao consumo a pretexto de ser sustentável. “Isso pode ser tão nocivo ao meio ambiente e à sociedade quanto a produção convencional. A vida útil das peças pode ser reduzida e a popularização de roupas de brechó ‘sem uso’ ou até ‘com etiqueta’ pode distorcer o verdadeiro conceito de moda de segunda mão”, ela avalia.


Na outra ponta, trabalhadoras como Eliete destacam a desvalorização do  trabalho de curadoria especializada que sustenta o setor. Reformas, upcycling, modelagem, limpeza cuidadosa e reparos das peças compõem uma cadeia de atividades – realizada majoritariamente por mulheres – para que roupas que seriam descartadas retornem ao mercado de forma circular. “O mercado de brechós aumentou muito, e agora qualquer pessoa arma uma tendinha e chama de brechó”, ela aponta.alizada majoritariamente por mulheres – para que roupas que seriam descartadas retornem ao mercado de forma circular. “O mercado de brechós aumentou muito, e agora qualquer pessoa arma uma tendinha e chama de brechó”, ela aponta.


Acervo do bazar Amparo administrado por Eliete Klein e sua equipe - Foto: Carolina Coutinho
Acervo do bazar Amparo administrado por Eliete Klein e sua equipe - Foto: Carolina Coutinho

 Em contrapartida, há jovens mulheres que enxergam no boom dos brechós uma oportunidade de empreender no que amam. Esse é o caso de Carol Tavajara, a carioca dona do brechó virtual Tavajara’s Thrift Closet, que já acumula mais de mil seguidores no Instagram. Atualmente, sua principal fonte de renda vem das vendas online, acompanhadas de estratégias de marketing digital. Para ela, as “brecholeiras” têm papel ativo não apenas economia, mas também na cultura.


Fotos: Reprodução / Instagram @tavajaracloset
Fotos: Reprodução / Instagram @tavajaracloset

Segundo Carol, a contribuição dessas empreendedoras e trabalhadoras em situação de invisibilidade para a moda é imensurável: “Eu acredito que estamos ativamente ligadas à construção do styling e das trends. Ou seja, na questão de resgatar coisas que já foram moda antes e estão na moda de novo, e também na construção do estilo próprio das pessoas que consomem do brechó.”


Vídeo por: Carol Tavajara em @tavajarcloset no Instagram



No perfil do brechó, Carol posa as peças disponíveis para impulsionar as vendas

O impacto desse mercado é global. Segundo o ThreadUp Report, – relatório produzido pela empresa americana ThreadUp, que opera uma das principais plataformas online de revenda de vestuário usado – o setor de roupas de segunda mão está entre os que mais crescem no mundo, e a projeção é que as vendas cheguem a US$367 bilhões até 2030. Contudo, a voluntária do Fashion Revolution alerta: “O aumento no interesse por brechós e bazares é positivo, desde que o consumo aconteça de forma consciente e responsável. Se as compras forem feitas de maneira excessiva e desnecessária, apenas substituindo o consumo desenfreado da fast fashion pelo dos brechós, o problema apenas muda de forma. Para que a moda de segunda mão seja realmente sustentável, é preciso reduzir a produção de roupas novas e prolongar ao máximo a vida útil das peças já existentes.”


A dimensão social dessa economia se revela na comparação de preços e públicos atendidos. Enquanto uma peça no bazar do Amparo Thereza Christina custa em média R$1, um vestido na Oficina Muda, empresa que realiza o upcycling de peças descartadas por marcas parceiras como alternativa sustentável, custa em média R$150. Assim, apesar de estarem na moda agora, os pequenos brechós de bairro sempre foram fundamentais na vida das populações de baixa renda.


Segundo Eliete, o bazar do Amparo recebe uma clientela variada, atendendo desde moradores de comunidades próximas, até figurinistas e jovens interessados em moda vintage e peças para customização. Mesmo assim, ela destaca que o preconceito com a cultura dos brechós ainda é presente, e relata que já atendeu clientes que fizeram questão de afirmar que as roupas que compravam seriam para suas empregadas, com vergonha de assumir que eram para uso próprio.


Iniciativas como as do Instituto Fashion Revolution buscam devolver protagonismo a quem sustenta esse ciclo. Por meio de campanhas como “Quem fez minhas roupas?”, o movimento procura valorizar tanto a origem das peças quanto o trabalho de costureiras como Eliete, brecholeiras, designers e demais profissionais que prolongam a vida útil dos tecidos. No fim, por trás do glamour atribuído ao boom dos brechós, estão mulheres que mantêm viva a verdadeira lógica da moda circular: comunitária, artesanal e resistente.


Reprodução / Instagram: @fash_rev_brasil



Post feito pelo Fashion Revolution Brasil para ampliação do debate sobre a moda circular e a mão de obra feminina invisibilizada




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