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“Bar do Momo”: uma segunda-feira qualquer dentro de um restaurante premiado

  • Foto do escritor: Rampas
    Rampas
  • 29 de set.
  • 7 min de leitura

Aberto desde 1972, estabelecimento abriu as portas para mostrar sua rotina e os funcionários que fazem tudo acontecer


Por Patrick Veloso e Júlio César Mariano


Fachada Bar do Momo - Foto:  Patrick Veloso
Fachada Bar do Momo - Foto:  Patrick Veloso

Paredes e chão de azulejos brancos, mesas e cadeiras de madeira na rua, geladeiras cheias e um tradicional balcão diante de prateleiras abarrotadas de bebidas. Pela descrição, apenas mais um botequim comum entre tantos na cidade, mas quem está de passagem pelo  cruzamento da Rua Uruguai com a General Espírito Santo Cardoso logo percebe um dos restaurantes mais tradicionais do Rio de Janeiro: o Bar do Momo. O dia do bar começa às 6 da manhã, quando um café é preparado para os funcionários do primeiro turno. As mesas se espalham pela calçada, a cozinha inicia seus preparos e o restaurante rapidamente desperta.


Um restaurante carrega consigo não só a sua comida, mas vivências que vão do preparo das refeições até a limpeza da cozinha, tudo feito por gente que sente, pensa, prova e tem a bagagem de uma vida inteira nas  costas. Foram eles que receberam o Rampas para contar como é um dia de atividade em um restaurante. 


O turno da manhã


O trabalho começa com Antônio Lopes dos Santos, o Tonhão, 73, que comprou o bar em 1986, após muitas trocas de dono. Com uma cozinha apertada, um fogão de quatro bocas e banquetas fixadas próximas ao balcão, a gestão dele trouxe para o bar uma clientela fiel até hoje. O espaço se expandiu para outras duas lojas ao lado e, em 2022, recebeu o título de Patrimônio Cultural Carioca.Tonhão chega às seis da manhã, após o café da equipe, se responsabiliza pelo preparo do feijão, reconhecido como um dos melhores do Rio, e da massa do bolinho de arroz, carro-chefe da casa.


Com arroz e feijão no fogo, ele rala o queijo  e começa a misturar a massa para o preparo do bolinho. A cozinha inicia os cortes e a divisão das porções das carnes, metade para os petiscos, metade para os pratos.  “Nós do primeiro turno somos a ‘turma da produção’. Deixamos tudo pronto para o funcionamento do restaurante durante o dia inteiro”, diz Antônio Moreira, 57, um dos cozinheiros mais antigos, com 12 anos de casa. Os garçons organizam as mesas pela calçada, além de cuidar de tudo na parte de fora da cozinha, desde a limpeza dos cardápios até a retirada do lixo.


A equipe do turno diurno tem Luiz Cláudio e Gildo Neto, chamado apenas de “Neto”, como garçons; Ubiraci de Jesus, o “Bira”, na gerência; Fernanda Sofia como balconista; Gustavo Eloi, Isaque Alves e Antônio Moreira na cozinha; “Tonhão” e Lorena Laffargue, pai e filha, sócios-proprietários do bar, fazendo de tudo um pouco.


O bar abre oficialmente ao meio-dia, logo recebe clientes e a cozinha inicia o preparo dos pratos. “Isso é Bar do Momo, uma hora tem três pessoas e cinco minutos depois fica lotado”, afirma Luiz Cláudio, garçom do restaurante há mais de dez anos. “O garçom é a ligação entre a cozinha e o lado externo”, explica. “Sempre tento passar algo que o cliente falou para o gerente, para ele passar para a cozinha. Filtramos algumas coisas que ouvimos, e às vezes tentamos tranquilizar o cliente. Você tem que dosar. Aqui, nós damos de tudo para fazer sempre o melhor possível, para que o cliente entenda nosso lado e vice-versa.”


O restaurante rapidamente enche, as refeições começam a ser servidas e alguns petiscos também são pedidos, mas em uma quantidade notavelmente menor. Com a divisão dos pré-preparos entre petiscos e refeições, uma boa parte dos aperitivos fica adiantada para o turno da noite. Mesmo com o termômetro marcando 34 graus, a rua arborizada mantém uma temperatura agradável. Em meio a toda a correria, um infortúnio: a comanda de um dos clientes se perdeu, e os funcionários perceberam apenas 40 minutos depois. Ele se retira do restaurante sem almoçar.


“Fico muito estressado com o funcionamento da casa. A minha filha diz que eu não tenho que me estressar, mas eu zelo pelo Bar do Momo, fico chateado quando o freguês demora a ser servido. O funcionário não avisou a cozinha do pedido, o cliente ficou muito tempo esperando, e disseram que não tinha mais nenhuma comida para sair. Falei: “Como não tem? O cara tá lá esperando há 40 minutos”, reclama  Tonhão.


Os jovens Fernanda, 24, e Neto, 19, têm em comum o pouco tempo de casa. Neto chegou no Bar do Momo há três meses, indicado pela mãe, uma das cozinheiras do turno da noite. Fernanda tem duas semanas de trabalho e apenas uma como funcionária efetivada. Ambos enfatizam a relação com os clientes. Balconista, Fernanda é a ligação direta entre os garçons e a cozinha, e diz que todo público tem seus defeitos e qualidades. Neto conta que conversa muito com os clientes, e essa abordagem funciona com quase todos.


A virada de chave


Ao longo da gestão de Tonhão, o Bar do Momo tem um um antes e um depois de Antonio Carlos Laffargue, o Toninho, 45. Filho de Tonhão, começou a ajudar no restaurante aos 10 anos. Sem  experiência gastronômica, começou a aprender na cozinha do próprio bar. Tomou gosto pela gastronomia, e mesmo sem diploma, tornou-se professor em diversos cursos e escolas, além de virar chef de seis restaurantes da franquia “Bar do Zeca”, sendo premiado inúmeras vezes, com reconhecimentos que nem o próprio lembra de cor. Toninho é o principal criador dos pratos do Momo, principalmente dos petiscos, responsáveis pela popularização nacional do bar. Para além de um grande cozinheiro, cuida da parte administrativa, e conta um pouco sobre os fornecedores.


“Fazemos os pedidos toda terça-feira, que é quando já temos a contagem do estoque. Sabemos o que ainda tem na casa e sempre está condizente com o que vendemos durante a semana. Depois, fazemos cotação com diversas empresas para achar o melhor preço e encomendar. Temos marcas que preferimos utilizar, meus fornecedores sabem que só gostamos delas. Quando fazemos o pedido, entramos em contato com o fornecedor e escolhemos os cortes, e depois eles mandam os valores dos produtos. Fechamos a encomenda na terça-feira para chegar na quarta”, afirma.


Durante a entrevista com o chef, um dos clientes se aproxima e pede para falar com ele. Era da Paraíba e conta sobre um restaurante na capital João Pessoa, que conta com uma opção de bolinhos de arroz chamados de “Arancini alla Momo” no cardápio, uma homenagem ao tradicional petisco do Bar do Momo. Toninho parece surpreso e pergunta o nome do lugar. Ao descobrir, lembra-se de que era amigo do dono e na mesma hora, puxa seu aparelho celular, grava um vídeo com o cliente e o envia para o dono do restaurante. “Fico feliz com o feedback que a gente recebe. O elogio faz você entender que o seu trabalho é bem feito e dá vontade de continuar criando. Essa vontade está traduzida nos prêmios que o bar ganhou e no reconhecimento como patrimônio cultural.”


Bolinho de arroz, futebol e samba


O dia vai sendo substituído pela noite, e a equipe muda quase completamente. A casa se prepara para o momento mais agitado do expediente. Os clientes se aconchegam nas mesas, e os petiscos assumem o protagonismo da cozinha no lugar das refeições.


À exceção do gerente Bira, que chega durante o dia e fica até o encerramento da casa, todos os outros funcionários são substituídos. A equipe noturna tem Abraão Domingos, Dona Gilvânia, José Alberto “Beto” e Mauro Mendes na cozinha; Dona Filó como balconista, e mais quatro garçons.


Nesse turno, um dos cozinheiros se destaca. José Alberto, 40, conhecido como ‘Beto’, assume o posto de chef da casa e enfatiza que toda cozinha tem que ter alguém que carregue mais a responsabilidade. “Você deve ensinar dando o exemplo. Uma hora estou lavando o chão, na outra lavo a louça, descasco cebola, termino de montar o prato. Esse rodízio faz com que cada um aprenda, para que estejamos prontos para caso a necessidade faça com que precisemos assumir a função do outro.”


Mesmo que por trás dos balcões, o carisma de Dona Filó preenche o ambiente. Ela é irmã de Tonhão, tia de Toninho e Lorena. Funcionária mais antiga da casa, junto a seus parentes, Filó é responsável pelo preparo das bebidas, principalmente sucos e caipirinhas. Atenciosa, demonstra preocupação com o bem-estar e bom atendimento dos clientes e tem uma relação muito amigável com seus colegas de trabalho, especialmente com o gerente Bira, com quem ela volta para casa. Brinca com as crianças no salão. “Ela parece comigo quando era mais nova”, conta ao falar com uma menina, filha de um dos clientes.


Ao longo da noite, a popularidade do bar fica explícita. Em uma segunda-feira de jogo do Botafogo, sentam na mesa mais próxima à televisão o influenciador digital Éros Mendes e Igor Renovato, sócio-fundador do “Suru Bar”, um dos bares mais badalados do Rio nos últimos anos.


Segunda-feira também é dia de Samba do Trabalhador, localizado no Clube Renascença, no Andaraí. Geralmente, bares e restaurantes folgam às segundas, porém, o Momo decidiu  aproveitar o público que vem direto da roda de samba, jogando a folga para terça-feira. Dessa maneira, o restaurante fideliza uma clientela que frequenta o samba, ou que busca comer e beber algo no primeiro dia útil da semana. 


Quando a casa está esvaziando e o expediente está quase no fim, os garçons notificam os clientes de que a cozinha está prestes a fechar e perguntam se eles desejam comer mais alguma coisa. Bira, gerente do bar, conta que geralmente não sobra comida por conta dos cálculos feitos para a compra de alimentos. Os últimos pedidos são passados para os cozinheiros e logo liberados para o serviço.


Da esquerda para a direita: Beto, Mauro Mendes, Dona Gilvânia e Abraão Domingos. - Foto: Patrick Veloso
Da esquerda para a direita: Beto, Mauro Mendes, Dona Gilvânia e Abraão Domingos. - Foto: Patrick Veloso

Assim que o serviço é encerrado, os funcionários se juntam para arrumar a casa:  recolher as mesas e as cadeiras, encher as geladeiras para o dia seguinte e deixar tudo arrumado para a faxineira fazer a limpeza de duas das lojas e o faxineiro de uma. Os cozinheiros cuidam da limpeza da cozinha. Quando tudo está limpo, as portas são fechadas e o dia está oficialmente encerrado. Nos expedientes mais agitados — finais de semana e feriados — o bar fecha geralmente à uma da manhã.


Das banquetas de Tonhão ao  gênio inventivo de Toninho, do almoço ao samba com futebol, o Bar do Momo é um pouco de tudo. Sem jamais deixar de ser um ambiente familiar, orgulho da equipe e destino de muitos cariocas. Menos às terças — afinal, a folga é sagrada.



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