Biblioteca em Santa Cruz é espaço de resistência e luta pelo direito de ler
- Mariana Chermaut

- 27 de nov.
- 4 min de leitura
Com mais de 2 mil livros, espaço conta uma nova história para os habitantes de bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro
Por Mariana Chermaut

Com quase 250 mil habitantes, Santa Cruz é marcada por contradições: distante do centro da cidade do Rio, tem poucas opções de lazer, mas é repleta de história e de iniciativas que resistem à falta de incentivo e infraestrutura. Uma dessas iniciativas é a biblioteca da ONG Ser Cidadão, ativa desde 2022. Com seu acervo, que reúne mais de 2 mil títulos, o local representa uma tentativa de resistir a uma segregação socioespacial histórica.
A biblioteca, que antes se chamava Midiateca Solar por causa de seus DVDs, funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, e é aberta para o público. Com livros que vão desde clássicos da literatura até obras contemporâneas, o local busca despertar o interesse das pessoas na leitura e incentivá-la como atividade de lazer. A Ser Cidadão é uma ONG que visa oferecer oportunidades para jovens das periferias, atuando na educação e formação profissional, além de realizar eventos culturais para toda a comunidade.
“O maior desafio que a gente tem pra manter um lugar como esse é a falta de incentivo à leitura na Zona Oeste. A comunidade em si, periférica, não é incentivada a ler. Ela não possui esse hábito, então quando a gente tem esse espaço e ele não é muito usufruído, acaba sendo um desafio de como que a gente vai alcançar essas pessoas”, explica Júnior Neves, estagiário no local há quase dois anos.
Uma nova estratégia foi criada para tentar fazer com que as pessoas se aproximem mais dos livros: a Dica de Leitura, na qual uma obra é sugerida e exposta em destaque. A proposta é simples, mas eficaz: provocar a curiosidade.“Aí [a pessoa] vem aqui, para um instante e se sente impelida a descobrir aquela história”, diz Júnior.
Além disso, a biblioteca aceita doações, com exceção de livros didáticos, e as recebe quase diariamente, o que garante renovação constante do acervo.
A instituição também realiza a FLOR (Festa Literária do Oeste do Rio), para aproximar a comunidade do universo dos livros. Em agosto, foi realizada sua quarta edição.

O empréstimo dos livros é permitido para qualquer um: basta se cadastrar, apresentando identidade e comprovante de residência. O prazo total é de 15 dias, com possibilidade de renovação. Só há lista de espera em alguns casos, como os de livros de vestibular. Quando há atraso, a equipe entra em contato, e, em último caso, o cadastro fica bloqueado até a devolução. O processo é simples e busca justamente tornar esse acesso fácil para todos, sem complicações.
E deu certo: em 2024, 836 empréstimos de livros foram realizados, segundo o relatório de atividades divulgado pela instituição. De acordo com um outro levantamento realizado pela biblioteca, o livro mais emprestado nesse mesmo ano foi “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector.
Além das estantes, o local também conta com mesas e cadeiras, acesso à internet e até jogos de tabuleiro, tornando-se um ponto de encontro e convivência.

Quem frequenta?
A maior parte dos frequentadores é formada por jovens e estudantes, especialmente aqueles que participam dos cursos livres e do pré-vestibular oferecidos pela instituição. Mas não são os únicos: “Também tem o público mais velho, com mais de 40 anos, que é uma galera que vem, descobre e volta aqui para poder pegar um livro. Alguns trazem os filhos para brincar”, afirma Júnior.
A biblioteca e o acesso à leitura
O espaço se torna ainda mais importante se levar em consideração o cenário nacional: em apenas quatro anos, o país perdeu quase sete milhões de leitores. É o que diz a 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, publicada em 2024. De acordo com o levantamento, 53% dos brasileiros não leram sequer parte de um livro nos três meses anteriores à pesquisa. Esse percentual cai mais ainda, para 27%, se considerar somente os livros lidos por completo nesse período.
O estudo também evidencia a desigualdade no acesso à leitura: quanto menor a renda e a escolaridade, menor o índice de leitores. Em regiões periféricas, onde se concentram essas condições, a leitura se torna um desafio ainda maior. Nesses locais, onde ela é pouco incentivada e bibliotecas públicas são raras, espaços comunitários como o da Ser Cidadão se tornam fundamentais para manter viva a relação com os livros. A existência desse espaço mostra o reconhecimento de que cultura e lazer não podem ser privilégio de poucos. “Aqui oferece isso de graça, sabe?”, diz Júnior.
Em um país que perde cada vez mais leitores e em uma cidade que, mesmo sendo nomeada capital da leitura, muitos ainda a tem como algo distante, a biblioteca da Ser Cidadão, no coração do bairro, conta uma nova história: de resistência e cidadania, insistindo em abrir portas para uma nova realidade cheia de oportunidades, conhecimento e lazer acessíveis.
A Ser Cidadão fica localizada na Rua Fernanda, nº 140, em Santa Cruz.
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