Busologia, a paixão dos loucos por ônibus
- Pedro Paixão

- 17 de nov.
- 5 min de leitura
Busólogos são muitas vezes incompreendidos e julgados, mas seu hobby é cada vez mais popular
Por Pedro Paixão

Tem quem passe horas lendo e estudando sobre todas as marcas de ônibus Outros sabem de cor os itinerários das linhas da cidade. Há os que fotografam ônibus como quem gosta de fotografar passarinhos, e os que preferem pintar e desenhar seus modelos favoritos. Alguns têm preferência por modelos de viagem e frequentam rodoviárias, enquanto outros gostam mais dos modelos urbanos e visitam garagens todos os fins de semana.
São todos casos de praticantes e aficionados da busologia, a paixão daqueles que entendem os ônibus como algo além de um simples meio de transporte, o que muitas vezes é incompreendido.
“Normalmente, os busólogos têm sempre o mesmo caminho: achamos que somos os únicos e sempre descobrimos que há diversas pessoas como nós”. É o que diz Gabriel Oliveira da Silva, de 25 anos. No caso dele, é tudo uma mistura: “Me interesso pela busologia por completo”. Ele se diverte com desenhos e fotografias de ônibus, acompanha notícias sobre o desenvolvimento de novas linhas e aquisições de veículos pelas empresas, e há quase dez anos frequenta garagens, onde passa horas conversando com motoristas, cobradores e donos de viações. Segundo ele, o interesse nasceu ainda na infância, praticamente desde a primeira vez em que utilizou o transporte como meio de locomoção, e sem muita explicação, foi se desenvolvendo até transformar-se em algo especial.
À primeira vista, o hobby pode causar estranhamento: por que exatamente ônibus? Julgamentos não são novidade e é comum que busólogos escutem comentários sobre a natureza peculiar da busologia, algumas vezes até apelando para grosseria e capacitismo infundado. Gabriel conta que, em diversas ocasiões, ouviu que aquilo “não daria futuro” e “não era vida para ninguém”, diminuindo seu interesse pessoal. Em casos mais extremos, chegou a ouvir de parentes próximos que estava enlouquecendo, sugerindo, de modo pejorativo, diagnósticos de autismo e outras condições psicológicas.
Porém, os comentários negativos não o abalaram. Gabriel não abandonou a busologia, e seguiu fazendo o que amava. Em 2018, após anos de dedicação e pertencimento à comunidade, decidiu criar sua própria página no Instagram para publicar retratos e fichas técnicas dos ônibus que fotografava, além de vídeos relatando o trajeto feito pelas linhas ativas da região metropolitana do Rio de Janeiro. Hoje, o perfil Busologia da Cidade possui 47 mil seguidores e presta serviço de utilidade pública, anunciando o desenvolvimento de novos itinerários e a compra e venda de carros e aparelhos pelas empresas.

Busologia digital
Nas redes sociais, os busólogos descobrem seus similares e percebem que, na verdade, nunca estiveram sozinhos. Se antes reinava a incompreensão nos círculos de colegas do cotidiano e parentes próximos, o espaço digital apresenta um campo livre para se expressar e conhecer outros apreciadores, compartilhando ideias e interesses sem medo de julgamentos.
Graças à página, Gabriel fez grandes amigos; sua presença na busologia digital, porém, é bem mais antiga e remonta à infância nas comunidades do Orkut, de onde migrou para o Facebook, ainda antes de criar o perfil no Instagram. Em toda essa trajetória, conheceu muita gente e reforça: “a maioria das minhas amizades são provenientes do hobby”. Ele ainda afirma que, nos últimos três anos, verificou um aumento no número de comunidades virtuais existentes e na quantidade de membros em cada uma.
A busologia tem crescido e há espaço para diferentes opiniões, gostos e modos de expressão. Pesquisas rápidas no universo dos amantes de ônibus revelam todo tipo de perfil — no próprio Instagram, por exemplo, existem páginas dedicadas à publicação de edits (vídeos de edição curta e dinâmica) com batidas de funk estouradas, comuns em fã-clubes de celebridades ou jogadores de futebol famosos, mas destacando as linhas favoritas do usuário do perfil.
Nesse universo onde o limite é a própria criatividade, um caso interessante é o de Alex Alves, adolescente de 15 anos, criador e administrador do perfil Busologo Saens Pena, onde publica notícias, fotografias e fichas técnicas de ônibus, além de memes e até mesmo curta-metragens de terror ambientados nos transportes públicos de São José dos Campos (SP), sua cidade natal. O nome é uma homenagem à sua empresa de transportes favorita, de onde despertou sua alma busóloga.“Desde pequeno via aqueles ônibus azuis, lindos e reluzentes.”

A história de Alex é similar a de Gabriel e as de tantos outros busólogos: começou o interesse ainda criança, quando morava em frente a um ponto final, ouviu críticas e julgamentos, mas manteve-se firme no hobby. Graças a isso, fez amizades e desenvolveu ainda mais sua paixão, até decidir torná-la pública e criar a página em 2022. O jovem explica o fascínio: “É meu ‘cura tédio’. Diariamente, eu fico em ônibus fotografando e me divertindo com meus amigos, motoristas e cobradores. Já posso dizer que criei uma família”.
Foi a partir das conversas com os trabalhadores dos transportes que surgiu a inspiração para seus pequenos filmes. As histórias que escutava, com relatos assustadores de episódios inexplicáveis do mundo sobrenatural, arrepiavam a espinha e ficavam na mente, até surgir a ideia de compartilhá-las com o público geral.
O sucesso foi imediato: no primeiro vídeo do gênero, “Há algo de errado no 115”, Alex interpreta um cobrador que, ao chegar no ponto final, fica sozinho no carro após o motorista (interpretado por um profissional verdadeiro) descer para ir ao banheiro. De repente, ele começa a escutar sinais de parada solicitada, e percebe que não estava tão sozinho ao notar figuras obscuras nos últimos assentos do ônibus. A produção é totalmente amadora, com gravação e edição própria, feitas no celular de Alex, e o vídeo, de 13 de setembro de 2024, soma mais de 200 mil curtidas.
Um ônibus com muitos lugares
Há espaço para todos na busologia. Sem necessidade de preconceito e de serem rejeitados apenas pelos seus interesses, os busólogos têm personalidade para mostrar ao mundo o que desperta seu fascínio. Trocam ideias, discutem opiniões, compartilham histórias e são bem receptivos em tópicos de conversas cada vez mais populares; as convenções de ônibus têm recebido públicos cada vez maiores — a Rio Bus Expo, por exemplo, contou com 5 mil e 8 mil pessoas nas duas primeiras edições, em 2024 e 2025, respectivamente.
Para quem utiliza o transporte público, não é tão incomum ser “fã” de um ônibus, gostar de uma linha específica, conhecer paradas, cochilar no banco e reconhecer o ponto de descida somente pelo balançar da trajetória. Indo mais além, os ônibus podem até representar histórias e vivências, e serem guias para lugares especiais do passado ou do presente, que marcaram trajetórias pessoais: da janela, o busólogo enxerga a cidade se transformando a cada parada, enquanto o próprio ônibus transforma sua vida.
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