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Busologia, a paixão dos loucos por ônibus

Busólogos são muitas vezes incompreendidos e julgados, mas seu hobby é cada vez mais popular


Por Pedro Paixão


Um jovem fotografa dois ônibus em exposição na Rio Bus Expo, convenção de busólogos no Rio de Janeiro realizada em 30 de agosto deste ano - Foto: Reprodução/Instagram: @transportes.flores e @riobus_expo
Um jovem fotografa dois ônibus em exposição na Rio Bus Expo, convenção de busólogos no Rio de Janeiro realizada em 30 de agosto deste ano - Foto: Reprodução/Instagram: @transportes.flores e @riobus_expo

Tem quem passe horas lendo e estudando sobre todas as marcas de ônibus Outros sabem de cor os itinerários das linhas da cidade. Há os que fotografam ônibus como quem gosta de fotografar passarinhos, e os que preferem pintar e desenhar seus modelos favoritos. Alguns têm preferência por modelos de viagem e frequentam rodoviárias, enquanto outros gostam mais dos modelos urbanos e visitam garagens todos os fins de semana.


São todos casos de praticantes e aficionados da busologia, a paixão daqueles que entendem os ônibus como algo além de um simples meio de transporte, o que muitas vezes é incompreendido. 


“Normalmente, os busólogos têm sempre o mesmo caminho: achamos que somos os únicos e sempre descobrimos que há diversas pessoas como nós”. É o que diz Gabriel Oliveira da Silva, de 25 anos. No caso dele, é tudo uma mistura: “Me interesso pela busologia por completo”. Ele se diverte com desenhos e fotografias de ônibus, acompanha notícias sobre o desenvolvimento de novas linhas e aquisições de veículos pelas empresas, e há quase dez anos frequenta garagens, onde passa horas conversando com motoristas, cobradores e donos de viações. Segundo ele, o interesse nasceu ainda na infância, praticamente desde a primeira vez em que utilizou o transporte como meio de locomoção, e sem muita explicação, foi se desenvolvendo até transformar-se em algo especial.


À primeira vista, o hobby pode causar estranhamento: por que exatamente ônibus? Julgamentos não são novidade e é comum que busólogos escutem comentários sobre a natureza peculiar da busologia, algumas vezes até apelando para grosseria e capacitismo infundado. Gabriel conta que, em diversas ocasiões, ouviu que aquilo “não daria futuro” e “não era vida para ninguém”, diminuindo seu interesse pessoal. Em casos mais extremos, chegou a ouvir de parentes próximos que estava enlouquecendo, sugerindo, de modo pejorativo, diagnósticos de autismo e outras condições psicológicas.


Porém, os comentários negativos não o abalaram. Gabriel não abandonou a busologia, e seguiu fazendo o que amava. Em 2018, após anos de dedicação e pertencimento à comunidade, decidiu criar sua própria página no Instagram para publicar retratos e fichas técnicas dos ônibus que fotografava, além de vídeos relatando o trajeto feito pelas linhas ativas da região metropolitana do Rio de Janeiro. Hoje, o perfil Busologia da Cidade possui 47 mil seguidores e presta serviço de utilidade pública, anunciando o desenvolvimento de novos itinerários e a compra e venda de carros e aparelhos pelas empresas.


Gabriel Oliveira da Silva, ainda com 14 anos, na Fetransrio, antiga feira de ônibus do Rio de Janeiro, em 2014. - Foto: Arquivo pessoal
Gabriel Oliveira da Silva, ainda com 14 anos, na Fetransrio, antiga feira de ônibus do Rio de Janeiro, em 2014. - Foto: Arquivo pessoal

Busologia digital


Nas redes sociais, os busólogos descobrem seus similares e percebem que, na verdade, nunca estiveram sozinhos. Se antes reinava a incompreensão nos círculos de colegas do cotidiano e parentes próximos, o espaço digital apresenta um campo livre para se expressar e conhecer outros apreciadores, compartilhando ideias e interesses sem medo de julgamentos.


Graças à página, Gabriel fez grandes amigos; sua presença na busologia digital, porém, é bem mais antiga e remonta à infância nas comunidades do Orkut, de onde migrou para o Facebook, ainda antes de criar o perfil no Instagram. Em toda essa trajetória, conheceu muita gente e reforça: “a maioria das minhas amizades são provenientes do hobby”. Ele ainda afirma que, nos últimos três anos, verificou um aumento no número de comunidades virtuais existentes e na quantidade de membros em cada uma. 


A busologia tem crescido e há espaço para diferentes opiniões, gostos e modos de expressão. Pesquisas rápidas no universo dos amantes de ônibus revelam todo tipo de perfil — no próprio Instagram, por exemplo, existem páginas dedicadas à publicação de edits (vídeos de edição curta e dinâmica) com batidas de funk estouradas, comuns em fã-clubes de celebridades ou jogadores de futebol famosos, mas destacando as linhas favoritas do usuário do perfil.


Nesse universo onde o limite é a própria criatividade, um caso interessante é o de Alex Alves, adolescente de 15 anos, criador e administrador do perfil Busologo Saens Pena, onde publica notícias, fotografias e fichas técnicas de ônibus, além de memes e até mesmo curta-metragens de terror ambientados nos transportes públicos de São José dos Campos (SP), sua cidade natal. O nome é uma homenagem à sua empresa de transportes favorita, de onde despertou sua alma busóloga.“Desde pequeno via aqueles ônibus azuis, lindos e reluzentes.”


Alex (ao meio) e dois colegas, em evento de renovação de frotas dos ônibus de sua cidade, São José dos Campos, em 25 de julho. - Foto: Claudio Vieira/PMSJC
Alex (ao meio) e dois colegas, em evento de renovação de frotas dos ônibus de sua cidade, São José dos Campos, em 25 de julho. - Foto: Claudio Vieira/PMSJC

A história de Alex é similar a de Gabriel e as de tantos outros busólogos: começou o interesse ainda criança, quando morava em frente a um ponto final, ouviu críticas e julgamentos, mas manteve-se firme no hobby. Graças a isso, fez amizades e desenvolveu ainda mais sua paixão, até decidir torná-la pública e criar a página em 2022. O jovem explica o fascínio: “É meu ‘cura tédio’. Diariamente, eu fico em ônibus fotografando e me divertindo com meus amigos, motoristas e cobradores. Já posso dizer que criei uma família”.


Foi a partir das conversas com os trabalhadores dos transportes que surgiu a inspiração para seus pequenos filmes. As histórias que escutava, com relatos assustadores de episódios inexplicáveis do mundo sobrenatural, arrepiavam a espinha e ficavam na mente, até surgir a ideia de compartilhá-las com o público geral.


O sucesso foi imediato: no primeiro vídeo do gênero, “Há algo de errado no 115”, Alex interpreta um cobrador que, ao chegar no ponto final, fica sozinho no carro após o motorista (interpretado por um profissional verdadeiro) descer para ir ao banheiro. De repente, ele começa a escutar sinais de parada solicitada, e percebe que não estava tão sozinho ao notar figuras obscuras nos últimos assentos do ônibus. A produção é totalmente amadora, com gravação e edição própria, feitas no celular de Alex, e o vídeo, de 13 de setembro de 2024, soma mais de 200 mil curtidas.


Um ônibus com muitos lugares


Há espaço para todos na busologia. Sem necessidade de preconceito e de serem rejeitados apenas pelos seus interesses, os busólogos têm personalidade para mostrar ao mundo o que desperta seu fascínio. Trocam ideias, discutem opiniões, compartilham histórias e são bem receptivos em tópicos de conversas cada vez mais populares; as convenções de ônibus têm recebido públicos cada vez maiores — a Rio Bus Expo, por exemplo, contou com 5 mil e 8 mil pessoas nas duas primeiras edições, em 2024 e 2025, respectivamente.


Para quem utiliza o transporte público, não é tão incomum ser “fã” de um ônibus, gostar de uma linha específica, conhecer paradas, cochilar no banco e reconhecer o ponto de descida somente pelo balançar da trajetória. Indo mais além, os ônibus podem até representar histórias e vivências, e serem guias para lugares especiais do passado ou do presente, que marcaram trajetórias pessoais: da janela, o busólogo enxerga a cidade se transformando a cada parada, enquanto o próprio ônibus transforma sua vida.






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