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Foto do escritorDavi Guedes

Como equilibrar o vestibular e a saúde mental

Escolas investem em projetos para cuidar do bem-estar em meio às cobranças das provas


Reprodução: Freepik

Garantir a capacidade cognitiva e intelectual do aluno não resolve - também é preciso pensar nas habilidades emocionais e na saúde mental. Em época de provas finais, exames e vestibulares, essa tem sido uma preocupação constante de professores e orientadores educacionais. Ainda mais no período da adolescência, fase em que o indivíduo começa a consolidar sua identidade e se tornar um adulto. É nessa fase também que uma pessoa está mais sujeita a desenvolver doenças e complicações psicológicas.  


Matheus Pinheiro foi estudante da rede pública durante todo ensino fundamental, até que deu a sorte de conseguir realizar uma prova para entrar no ensino privado através do Programa de Apoio ao Ensino Médio, da Prefeitura. A partir deste projeto, estudantes da rede pública com desempenho acima da média ganham a possibilidade de realizar uma prova para colégios privados conveniados com a Prefeitura e têm a chance de estudar com bolsas de até cem por cento nessas instituições. Ao fim do 9º ano, Matheus realizou a avaliação e foi aprovado para realizar o ensino médio no Colégio Qi, com desconto integral.


Agora, três anos após sua aprovação, Matheus relata ter sido capaz de prestar bons vestibulares e, no momento, estuda para a segunda fase da prova da Uerj. “Acabou que eu nem me senti tão pressionado, a convivência aqui no colégio é ótima e amenizou tudo”, comenta.


Fachada do Colégio Qi, Unidade Tijuca. Reprodução: Davi Guedes

A orientadora educacional Bianca Gambôa, do Colégio Qi, diz que uma boa formação precisa ser compreensiva e acolhedora, porque um estudante não é somente um reprodutor de conteúdos didáticos, mas um cidadão e um sujeito repleto de complexidades.


Ela diz que desde o Fundamental 1 os alunos têm acesso a disciplinas e a eventos que discutem tópicos mais sensíveis e que promovem o desenvolvimento das suas inteligências emocionais. Além disso, o colégio conta com uma série de profissionais da área da saúde disponíveis para a escuta dos alunos, a fim de tratar das possíveis questões particulares de cada um.


Bianca conclui que fazer com que cada aluno sinta-se acolhido e ouvido é um aspecto fundamental na sua formação. Inclusive, o colégio apresenta provas e metodologias de ensino específicas para estudantes neuroatípicos, ou seja, estudantes que apresentam algum tipo de alteração no desenvolvimento neurológico, o que é algo ainda mais fundamental nesses casos.


Essa rede de apoio não é uma realidade universal no ensino carioca. Na avaliação da coordenadora pedagógica Fernanda de Sá, com atuação na rede pública e privada de ensino, a educação, sobretudo a pública, é incapaz de levar em consideração um ensino que valorize a saúde mental dos estudantes, apesar de garantias legais e mesmo constitucionais, como o artigo 196 da Constituição Federal.


Ela afirma que a educação básica do Rio de Janeiro carrega um problema que antecede a sala de aula. “Não há formação adequada dos professores, nem profissionais especializados que possam dar o suporte necessário nas escolas. Um orientador educacional, embora tenha um olhar atento às questões dos estudantes, não atua como uma psicóloga atuaria”, explica.


Fernanda diz também que os cuidados com a saúde mental levam em consideração três pilares fundamentais: prevenção, percepção e tratamento. Embora o ambiente escolar não seja capaz de promover inteiramente todos esses aspectos, ela pode e deve ser capaz de auxiliar nas suas concretizações. No caso da prevenção, um acompanhamento qualificado, uma boa alimentação e a promoção de um um “lugar seguro” com boas amizades são algumas das contribuições que um colégio pode apresentar. A escola também pode ter um papel fundamental na percepção de possíveis fragilidades emocionais de um estudante, assim como no seu encaminhamento aos devidos cuidados.


Dificuldades narradas por uma professora


Débora Aguiar Lage é professora de biologia do Cap-Uerj e relata que, mesmo dando aula em um dos colégios públicos com o maior orçamento do Rio de Janeiro, faltam estruturas básicas para a operacionalidade de uma aula. A própria possibilidade de haver uma sala reservada a um psicólogo, por exemplo, acaba comprometida.


Além disso, ela relata que, na sua experiência de 18 anos como profissional de ensino médio, a atuação da maioria dos professores visa somente à conclusão do calendário letivo. Assim, apesar da orientação de pedagogos e da própria BNCC, faltava espaço para o incentivo de outras abordagens pedagógicas.


Débora reforça que os alunos ainda carregam uma série de práticas maléficas resultantes da pandemia, que levam a um déficit educacional. Ela conta que muitos estudantes estão negligenciando o conteúdo passado em aula para depois estudar em casa através de videoaulas, o que fragiliza a relação do aluno com a escola.


O que está sendo feito


Segundo pesquisa do Instituto Península realizada em 2022, apenas 36% das escolas brasileiras apresentavam alguma forma de apoio psicológico para os seus alunos. Levantamento feito pelo Datafolha também no ano de 2022 reuniu depoimentos de pais e responsáveis sobre questões relacionadas à saúde mental de seus filhos, e os resultados foram: 34% dos alunos relataram dificuldades de controlar as emoções, 18% disseram estar tristes ou deprimidos e 24% afirmaram estar sobrecarregados.


Pesquisa do Datafolha de 2022 sobre a saúde mental dos estudantes na perspectiva dos responsáveis. Reprodução: Aprendizagem em Foco

Na cidade do Rio de Janeiro, a Câmara de Vereadores aprovou o PL 1751/2023, de autoria do vereador Márcio Santos (PV), que cria uma rede de apoio à saúde mental de estudantes de toda a educação básica (pré-escola, ensino fundamental e ensino médio) com a estrutura e os profissionais do SUS. A intenção é promover um esforço conjunto desses profissionais com professores, estudantes e responsáveis, a fim de localizar e lidar com estresses psicológicos de forma adequada. 


Na avaliação da professora do Departamento de Cognição e Desenvolvimento da Uerj Edna Ponciano, o PL tem uma concepção sofisticada de saúde mental e propõe formas adequadas de lidar com o problema. Porém, ela atenta para a necessidade de uma fiscalização ativa do poder público para garantir que os profissionais necessários realmente sejam encaminhados e verificar se as necessidades orçamentárias previstas serão devidamente supridas. 


Em nível nacional, foi aprovado e sancionado em setembro de 2019 o PL 13.935/2019, que estipula a criação do Núcleo de Psicologia Escolar e Serviço Social (NUPESS) para a rede pública de ensino. Os NUPESS são estruturas com serviços de psicologia e de serviço social, com a finalidade de atender às necessidades educacionais de uma determinada escola, por meio de equipes multiprofissionais. O projeto demorou a ser efetivado por conta da pandemia e seus efeitos nos anos posteriores. Débora relata que as NUPESS foram implementadas na nova gestão do Cap-Uerj e defende que o projeto vem sendo funcional no direcionamento e no atendimento das demandas dos estudantes. 


A implementação dessa lei, no entanto, vem apresentando uma série de dificuldades. Por isso, o Ministério da Educação criou em junho deste ano uma portaria para agilizar a sua aplicação integral. A medida visa regular subsídios governamentais para a execução dos NUPESS da forma mais ágil e efetiva possível.



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