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Foto do escritorLucas Vianna

Cultura só no shopping: moradores da Barra reclamam da falta de equipamentos culturais fora dos espaços de consumo

Cidade das Artes surge como alternativa de espaço público disponível e longe dos estabelecimentos comerciais


Jardim Oceânico, Barra da Tijuca. Foto: Lucas Vianna

Compras no shopping, cinema no shopping, exposição no shopping, arte no shopping. Para quem mora na Barra da Tijuca, os shoppings viraram o lugar para fazer quase tudo. 


A maioria dos espaços culturais do bairro fica dentro de shoppings, como o Teatro dos Grandes Atores, no Barra Square, o Teatro Multiplan, no VillageMall, e o Qualistage, casa de espetáculos no Via Parque. Algumas poucas exceções são o Teatro Antônio Fagundes, instalado no Colégio CEC (Centro de Educação e Cultura), e a Cidade das Artes, administrada pela Prefeitura do Rio. 


De acordo com dados de 2023 do Instituto Pereira Passos, a Barra da Tijuca é o bairro líder em qualidade de vida na cidade do Rio. Mas, apesar da infraestrutura planejada e dos indicadores socioeconômicos acima da média, quando o assunto é cultura, a Barra recebe críticas pela falta de ambientes públicos e fora de shoppings para atividades culturais. 


“Fazem falta espaços que priorizem a arte e não uma experiência de consumidor. Aqui vemos exposições e apresentações dentro de shopping. Acaba-se entendendo a arte apenas como mercadoria”, diz a estudante Manuela Petrucio, moradora da região da Zona Oeste do Rio.


O bairro também tem recebido exposições culturais como “experiências audiovisuais”. As mais conhecidas foram “Van Gogh: A experiência imersiva” e "Monet À Beira D’Água”, que consistiam em animar e exibir as pinturas dos impressionistas em telas massivas e circulares, acompanhadas de músicas atuais. Os eventos aconteceram em diversos pontos do Rio, inclusive no Barra Shopping. 


O modelo de apresentação também sofre muitas críticas, a “modernização” de pinturas históricas e a adaptação delas para telas e formas que buscam um entretenimento mais interativo é visto como expressão da mercantilização da arte por parte do público. “Não se tem um apelo genuíno pela arte, e sim pela experiência do consumidor, daí eles estimulam o espectador o tempo todo pra tentar o convencer que valeu a pena gastar aquele dinheiro”, disse Manuela.


Monet À Beira D’Água, em maio de 2022. Foto: Lucas Vianna

Segundo informações do Ministério do Trabalho, o bairro abrigava, em 2021, um total de 12 mil empresas e empregava 160 mil pessoas. Este crescimento exponencial fez com que o bairro sofresse com uma grande migração de equipamentos culturais, tais como cinemas e teatros, para esses ambientes e espaços como shoppings. Fenômeno que não é exclusivo da Barra, visto que quantidade de cinemas em shoppings, por exemplo, vem crescendo desde a chegada de multiplex no país, em 1984, e hoje em dia, 88,4% das salas do país estão localizadas em centros comerciais. 


O modelo urbanístico da Barra prioriza grandes avenidas e áreas isoladas, o que pode mudar a relação dos moradores com o espaço urbano e, consequentemente, com ambientes voltados para a cultura. 


Raul Guaraná, morador da Zona Sul que também tem casa e frequenta a Barra, fala da sua experiência nos espaços urbanos de ambas as regiões: “Em Botafogo, onde moro, sinto que posso ir a pé para qualquer lugar. Por mais que possa demorar um pouco, existe a possibilidade de tirar duas horas do dia só para caminhar, apreciar a beleza, e então chegar ao seu destino. Na Barra, você só tem esse privilégio de caminhar se você mora em um grande condomínio”, ele comentou.


“Existe uma necessidade de uso de carro que me incomoda, tanto pela minha falta de carro quanto pela necessidade de ter que gastar com passagem. Estar na Zona Sul me dá mais vontade e mais possibilidade de sair de casa e aproveitar o que é oferecido do que estar na Barra da Tijuca.”. Apesar de vivenciar dois modelos urbanos que se relacionam com espaços culturais de forma diferente, Raul não vê problema em áreas culturais dentro de shopping centers: “Eu vejo como uma coisa boa, visto que você toma um espaço tão frequentado e o torna em uma atração artística - a maioria delas bem apelativa para as crianças, também. Fomentar esse tipo de atração em shoppings e ambientes comerciais aproveita o tráfego já existente nesses lugares.”


O professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da ESDI/UERJ André Luiz Carvalho Cardoso, explicou ao Rampas sobre que moldes arquitetônicos a Barra se originou: “A ideia é que a cidade deveria funcionar em quatro estruturas de setorização: Espaços para habitar, espaços para trabalhar, espaços de diversão e espaços de circulação. Isso, então, vai se consolidar no projeto da Barra da Tijuca, um projeto onde essas funções foram setorizadas”. O professor também refletiu sobre como essa setorização dos espaços no bairro acabam criando um distanciamento da população com a cidade. “Essas funções atribuídas a esta setorização do urbanismo moderno, encontraram uma lógica capitalista na construção desse espaço, que acabou por criar paraísos artificiais particulares. Falo dos shoppings, dos condomínios, dos parques temáticos, grandes avenidas por onde circulam os automóveis. A Barra retirou a dimensão pública do bairro tornando-se um lugar inóspito de se percorrer a pé, perdendo a escala das pessoas. Onde a identificação passa a ser de uma escala do automóvel.”


André também abordou o isolamento do bairro, e como isso impacta a diversidade cultural do local: “Quando refletimos a ideia de isolamento, me parece que quem está isolado é a própria Barra da Tijuca, em uma espécie de encastelamento vazio de uma utopia que não se consolidou. Então, quando vemos todas aquelas promessas do paraíso artificial que eram vendidas, do tipo ‘venha morar num condomínio da Barra da Tijuca, porque você vai ter tudo num espaço controlado, num espaço de segurança.’ ‘Venha comprar em shopping centers porque você vai ter mais segurança’, a gente vê que nada disso na verdade funcionou, que isso acabou mais isolando a própria dinâmica do bairro do que consolidando uma efetiva proteção.”


Museu do Pontal e Cidade das Artes, aparatos públicos de cultura na Barra, sinalizados em meio às três principais grandes avenidas do bairro. Foto: Google Maps

“Essa suposta garantia de uma proteção, de um conforto, ou de um privilégio, ela sempre apagou essa dimensão de uma diversidade cultural, de uma diversidade de possibilidades, de cidades mais democráticas e cidades com uma dimensão pública. Que não fosse uma dimensão que é trazida para uma esfera privada como se fosse um espaço público. Um espaço cerceado é sempre um espaço seletivo”, concluiu o professor.


Cidade das Artes como alternativa


Interior do Cidade das Artes. Foto: Lucas Vianna

O Cidade das Artes é o maior complexo cultural da América Latina, dispondo de enormes teatros, bibliotecas interativas, atividades gratuitas e espaços para exposições. Em entrevista ao Rampas, Suelen Martins, que trabalha na área de produção literária no Cidade, conta: “A gente carece de espaços culturais aqui na região da Barra da Tijuca, e a Cidade das Artes vem ocupando esse espaço”


Suas obras começaram em 2002, mas o projeto do Cidade das Artes só ficou pronto uma década depois, com o custo de R$ 560 milhões, 7 vezes maior do que o valor projetado. Esse grande atraso e aumento exagerado em gastos levantou muitas suspeitas na população, e foi investigado pelo Ministério Público e por uma CPI dos Vereadores na época. Apesar de não ter sido encontrada nenhuma irregularidade, todas essas polêmicas acabaram estigmatizando o espaço no imaginário dos moradores da região. “Tem pessoas que são daqui, que moram aqui, e que tem uma outra visão, uma outra perspectiva do que é de fato o Cidade das Artes.”, conta Suelen, “As pessoas têm uma lembrança de que foi uma obra longa, e que ficou muito tempo parado, e que não acontece nada – quando, na verdade, a gente recebe gente de todos os lugares.”, completou.


O espaço do Cidade das Artes, além de comportar espetáculos e exposições, também oferece outras atividades para o público. Como a nova Biblioteca Ziraldo, inaugurada em julho deste ano, que faz parte do projeto Bibliotecas do Amanhã, organizado pela Prefeitura do Rio. A iniciativa da Secretaria de Cultura vem reformulando o que antes era apenas um espaço de leitura, em um ambiente dinâmico e interativo, reformando o acervo de livros e promovendo atividades interativas, como clubes de leitura, oficinas de escrita criativa, contação de histórias e eventos com escritores convidados. 


O espaço funciona todos os dias, de 8h às 20h, e se localiza na Avenida das Américas, 5300 - Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.


Entrada da Biblioteca Ziraldo. Foto: Lucas Vianna

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