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Da tradição à inovação, os múltiplos sabores do cafezinho de todo dia

Pequenos negócios representam 81% das cafeterias e resistem às multinacionais


Por Ana Carolina Amaral e Davi Guedes


Fachada da cafeteria centenária localizada na Avenida Marechal Floriano, no Centro do Rio. Foto: Ana Carolina Amaral.  Créditos: Ana Carolina Abreu Amaral
Fachada da cafeteria centenária localizada na Avenida Marechal Floriano, no Centro do Rio. Foto: Ana Carolina Amaral.  Créditos: Ana Carolina Abreu Amaral

É terça-feira à tarde e o aroma dos grãos do café da Casa do Café Capital escapa para a Avenida Marechal Floriano, no centro do Rio de Janeiro. Do lado de fora, pessoas andam apressadas rumo aos seus compromissos; dentro da cafeteria, outras tantas desfrutam do café e de um momento de tranquilidade. Essa cena representa o cotidiano de muitos brasileiros: a hora do cafezinho.  


Em um país onde o café é, muito mais do que uma bebida, uma tradição secular, 81% das cafeterias brasileiras são pequenos negócios e provam que essa categoria ainda tem um lugar cativo no coração dos consumidores. Dados são do levantamento de 2023 da ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café).


“Quem curte café sempre vai dar preferência para pequenas cafeterias que disponibilizam cafés de diversos estados e produtores”. Segundo José Maurício Apolonio, analista de negócios do Sebrae para região de Itaperuna, no Rio de Janeiro, a razão dos clientes ainda escolherem cafeterias locais em detrimento de grandes marcas está associada à preferência do brasileiro por estilos tradicionais e regionais particulares que a bebida pode oferecer a depender de onde for consumida. Para ele, cada parte do Brasil reflete no seu café alguma particularidade. Ele cita como exemplo Itaperuna, cidade onde vive, para falar do aspecto sensorial da castanha e do chocolate muito marcantes. “É um jeito de saborear diferente das grandes cafeterias”, afirma o gestor. 


Pequenos empreendimentos 


O consumo do café é um hábito histórico e que não aparenta ter data de validade. Persistem no ramo de pequenos negócios do cafezinho tradicional tanto estabelecimentos históricos como iniciativas recentes.


Sandra Mozzuehelli, gerente da cafeteria Casa do Café Capital, um pequeno negócio no Centro do Rio de Janeiro, conta que o estabelecimento, existente há 110 anos, destaca-se pela simplicidade e pela afetividade. “A ideia é atrair o cliente para consumir produtos simples, nada que fuja do café casual”, comenta Sandra. Para ela, a fidelização do cliente é feita a partir da criação de uma boa relação interpessoal com cada consumidor.


Logo que o cliente entra na cafeteria, diversas boleiras de vidro no balcão expõem uma grande variedade de sabores e de texturas dos bolos. Sacas de café empilhadas que trazem uma sensação de integração do consumidor com todas as etapas de produção do café, desde o grão até a mesa. E em épocas de festividades são incorporados no estabelecimento tanto elementos decorativos temáticos, quanto receitas típicas que referenciam a festa junina, por exemplo, no mês de junho.


Sacas de café compõem a decoração da Casa do Café Capital. Foto: Ana Carolina Amaral. 
Sacas de café compõem a decoração da Casa do Café Capital. Foto: Ana Carolina Amaral. 

Entrelaçar o café, um produto histórico brasileiro, com elementos culturais nacionais é uma estratégia utilizada também por outros estabelecimentos do ramo, como a Capitu Café. Localizada no Cosme Velho, a cafeteria fica na antiga residência de Machado de Assis. O estabelecimento foi aberto em dezembro de 2021 e une a experiência do café com dois elementos culturais marcantes: literatura e música. 


Roberto Siqueira, coordenador auxiliar da Capitu Café, conta que a cafeteria é um ponto turístico da região, atraindo pessoas curiosas a conhecer a história do local. A experiência do consumidor no imemorial recanto de Machado de Assis vai além da gastronomia. O estabelecimento propõe uma imersão no universo do autor, com decoração e cardápio referenciando obras e personagens literários. Além disso, há também uma butique com souvenirs temáticos e apresentações musicais regulares.


A Capitu Café ocupa a antiga casa do escritor Machado de Assis, no bairro de Cosme Velho, Zona Sul do Rio. Foto: Davi Guedes.
A Capitu Café ocupa a antiga casa do escritor Machado de Assis, no bairro de Cosme Velho, Zona Sul do Rio. Foto: Davi Guedes.

“Café sempre vai lembrar cultura e arte. O momento de tomar café é o momento de falar sobre esses temas”, afirma Roberto Siqueira. Para ele, as cafeterias e a cultura brasileira estão muito próximas e é completamente viável firmar um laço entre elas, mesmo comercialmente. Na mesma perspectiva, José Maurício, gestor de projetos do Sebrae, diz que enxerga o café como um produto que une as pessoas e exemplifica: “Todas as vezes que alguém vai tratar de algum assunto sério nos filmes ou nas novelas ele combinam de tomar um café!”


Protagonismo econômico do café


O Brasil é o segundo país que mais consome café no mundo, de acordo com os dados do Ministério da Agricultura e Pecuária, superado apenas pelos Estados Unidos. Dados do mesmo ministério também apontam que o Brasil é o campeão mundial na exportação de café. 


Desde o período colonial, o café é uma das principais commodities nacionais e conta com um forte mercado interno. O Ministério da Agricultura estima uma circulação nacional de 22 milhões de reais no ramo. A bebida é usada inclusive para designar refeições inteiras, com os termos “café da manhã” e “café da tarde” sendo uma marca característica do português falado no Brasil. O hábito de consumir o produto não só resistiu ao tempo como aumenta, se comparado às últimas décadas, como mostram os dados abaixo.


Gráfico comparativo do consumo per capita de café desde 1985 até o ano de 2023.  Fonte: ABIC
Gráfico comparativo do consumo per capita de café desde 1985 até o ano de 2023. Fonte: ABIC

História do café


O café chegou ao Brasil em 1727, no Pará, trazido pelos comerciantes estrangeiros. A partir da sua produção em larga escala no Vale do Paraíba, o grão tornou-se o principal produto da economia brasileira e assim permaneceu até 1929, quando perdeu a primazia com a quebra da bolsa de Nova York. Mas ainda hoje a bebida é parte integrante da economia brasileira. Com uma relação histórica tão profunda entre a indústria de café e o Brasil, o consumo do produto tornou-se um hábito, integrando a cesta básica nacional. Celírio Inácio, diretor-executivo da ABIC, afirma que o país compôs, embasado no café, toda uma história política e econômica e, uma vez integrado à história brasileira, ele nunca mais se desvinculou: “O café está presente em 97% dos lares, é parte da cesta básica, além de promover mais de oito mil empregos e mais de 8 bilhões de dólares em exportação”.


A indústria cafeeira possui diferentes etapas: o cultivo, a torrefação, a moagem dos grãos e a comercialização até o destino final, a mesa do consumidor. Assim, o plantio do café é adequado em regiões de clima tropical, um dos motivos de seu sucesso no Brasil, e ocorre em covas médias. O seu processo de torrefação consiste no aquecimento artificial dos grãos, através da injeção de ar quente e a moagem pode variar de acordo com o tipo de café desejado.


Priscila da Silva, barista da cafeteria Café Lunático, destaca a importância de uma produção de café que leve em consideração a complexidade sensorial e a diversidade dos grãos presentes no mercado. Ela categoriza o seu trabalho como a linha de frente da produção e o põe como definidor da qualidade do café e do seu teor particular.


Uma pesquisa da ABIC em parceria com o Instituto Axxus - instituto de pesquisa sobre tendências de mercado - revelou que, em 2023, somente 3% do grupo amostral de 4.200 pessoas não consumia a bebida nunca. Em contrapartida, 29% tomavam mais do que 300 ml por dia. 


Entre os tipos de cafés consumidos, o predominante é o tradicional, seguido pelo extraforte, ambos possuem como características um forte amargor, baixa acidez e doçura, além de um apelo forte ao seu aroma. Celírio destaca que desde os anos 2000 não é mais possível dizer que “café é tudo igual”, com o surgimento de novos estilos de grãos e torras. Junto a isso, surgiram públicos consumidores específicos e ramificações de mercado. 


As preferências do brasileiro mantiveram-se com poucas alterações ao longo das décadas, mesmo com a chegada de estilos personalizados e gourmet do grão. O apelo principal é nos estilos tradicionais cultivados ao longo da história brasileira, o que ajuda a manter a indústria dos pequenos negócios de pé.


Percentual consumido de cada tipo de café em 2023.      Fonte: ABIC
Percentual consumido de cada tipo de café em 2023. Fonte: ABIC

Gian Converso, analista de sistemas, de 62 anos, conta que adora cafés de qualidade e que o hábito de tomar cafezinho começou quando trabalhava fora. “Tive interesse no plantio de café ao visitar a fazenda do pai do meu padrasto em São Joaquim da Barra, no interior de São Paulo”. Em média, Gian consome quatro xícaras de café por dia para manter a produtividade no trabalho.


Outro aspecto cultural importante é a mudança no público consumidor de café. Segundo dados da ABIC, os jovens entre 16 e 20 anos têm uma frequência diária de 49%, uma média de 3,7 xícaras de café por dia. Isso reafirma a percepção de Sandra Mozzuehelli, gerente da Casa do Café Capital, que, ao longo do tempo, notou uma mudança no perfil do público. O consumo de café não é apenas sazonal ou pontual, é um hábito. Nas redes sociais, alguns jovens têm difundido o estilo de vida saudável que, dentre outras coisas, associa o consumo de café a algo positivo e descolado. Isso incentiva que cada vez mais pessoas consumam café, alimentando a economia cafeeira e os pequenos negócios. 


Com a categoria de pequenas cafeterias permanente no mercado, o Sebrae oferece no seu portfólio cursos dentro do ramo do café que vão desde a habilitação para o cultivo até a formação de baristas. Segundo o gestor de negócios do Sebrae, a demanda por essas qualificações cresceu exponencialmente nos últimos anos. Atualmente, os produtores formados pela instituição estão participando de diversos festivais e fortalecendo a cultura do café, sobretudo, no estado do Rio de Janeiro.




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