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Das caminhadas de Dom Pedro II às corridas de hoje, Quinta da Boa Vista oferece lazer e saúde

Apesar da insegurança noturna e do impacto do incêndio no Museu Nacional, parque segue como refúgio para quem busca esporte, bem-estar e memória


Por Lucas Martins


Pessoas praticando atividades físicas pela manhã em uma das principais vias da Quinta da Boa Vista. Foto: Lucas Martins / Rampas
Pessoas praticando atividades físicas pela manhã em uma das principais vias da Quinta da Boa Vista. Foto: Lucas Martins / Rampas

Quem chega à Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, logo no início da manhã se depara com um visual de tirar o fôlego. Corredores cruzam caminhos ladeados por árvores centenárias, o lago verde reflete a luz do primeiro sol, ciclistas desviam de grupos em caminhada, e mães levam filhos pequenos para o banho de sol.


Mas a Quinta da Boa Vista é muito mais do que um parque urbano na Zona Norte do Rio. É também palco de memórias — algumas ainda em processo de reconstrução. Desde o incêndio que destruiu o Museu Nacional, em setembro de 2018, parte da paisagem do local carrega uma cicatriz simbólica. O prédio do Museu, que por décadas abrigou o maior acervo arqueológico do país, segue em obras e está parcialmente aberto. Os espaços ainda fechados chamam a atenção dos frequentadores, que convivem diariamente com a ausência causada por uma das maiores tragédias culturais brasileiras.


Para muitos, a imagem do Museu em chamas é um símbolo do luto — e da esperança. Em 5 de junho de 2024, o Museu Nacional deu um passo importante nesse processo de recuperação: foi reaberto parcialmente ao público, com exposições inaugurais que marcam uma nova fase do espaço. A expectativa é que o museu seja totalmente reaberto em 2028. 


Fachada do Museu Nacional com informações sobre projeto de obras e reconstrução. Foto: Lucas Martins / Rampas
Fachada do Museu Nacional com informações sobre projeto de obras e reconstrução. Foto: Lucas Martins / Rampas

Do Império ao presente


A Quinta da Boa Vista também é história viva. Foi residência oficial da família imperial brasileira, e o parque começou a ganhar forma no século XIX. A área foi adquirida pelo rei Dom João VI em 1808, mas foi durante o reinado de Dom Pedro II — que passou parte da infância e juventude no local — que os jardins começaram a ser redesenhados no estilo romântico inglês. O parque tem cerca de 155 mil metros quadrados e abriga, além do Museu Nacional, o Bio Parque do Rio, áreas para piqueniques e prática de esportes.


Apesar da tragédia ocorrida em 2018, a Quinta segue aberta. Não apenas como destino turístico, mas como território cotidiano de quem corre, caminha, pedala, respira. É o caso de Izabella Jerônimo, 24, e Luan Marcos Correa, 24, frequentadores assíduos que fizeram do parque um ponto de equilíbrio entre rotina, autocuidado e pertencimento urbano.


Para a jovem estudante de pedagogia e psicologia que mora no Bairro Imperial, o lugar é um espaço de alívio para reorganizar a mente. “Costumo correr ou caminhar aqui até três vezes por semana. Infelizmente, a correria do dia a dia e a sensação de insegurança durante a noite me impedem de vir mais vezes”, explica Izabella. Ainda assim, ela valoriza cada momento no parque. “É o meu tempo. Faço isso para manter o corpo saudável e, principalmente, para não enlouquecer. O esporte me ajuda muito emocionalmente.”


Izabella Jerônimo antes de começar sua prática de exercício na Quinta da Boa Vista. Foto: Acervo pessoal / Izabella Jerônimo
Izabella Jerônimo antes de começar sua prática de exercício na Quinta da Boa Vista. Foto: Acervo pessoal / Izabella Jerônimo

Luan, vizinho de bairro de Izabella, corre quase todos os dias e vê na Quinta um elo entre memória e bem-estar. “Corro cinco vezes por semana. Às vezes ando de bicicleta nos finais de semana também. A Quinta tem um valor emocional muito forte pra mim. Desde criança eu venho aqui, e hoje é onde encontro um tipo de paz que não acho em outros lugares do Rio.”


Os dois destacam a quantidade de esportes praticados por ali: corrida, ciclismo, calistenia, tênis, vôlei, futebol. “Acho incrível como o espaço é democrático. Cada canto tem um tipo de exercício sendo praticado”, observa Izabella. Luan concorda: “É bonito ver como as pessoas se apropriam do parque. Mesmo sem o museu funcionando, o lugar ainda é cheio de verde, cheio de vida”.


Relógio inteligente de Izabella contabilizando atividade física realizada na Quinta da Boa Vista. Foto: Acervo pessoal / Izabella Jerônimo
Relógio inteligente de Izabella contabilizando atividade física realizada na Quinta da Boa Vista. Foto: Acervo pessoal / Izabella Jerônimo

Prova de obstáculos


Estudante de economia, Luan fala também sobre as dificuldades de se exercitar, já que a Quinta fica tomada por quadriciclos alugados pelos visitantes. “Durante a semana é mais tranquilo de correr, porque a Quinta não fica tão cheia. É mais fácil até pra andar de bike. Aos finais de semana, a gente precisa ficar driblando alguns carrinhos de passeio e dividir o espaço com as festas e piqueniques que as famílias fazem aqui.”


Triciclos e quadriciclos que podem ser alugados para passeios na Quinta da Boa Vista. Foto: Lucas Martins / Rampas 
Triciclos e quadriciclos que podem ser alugados para passeios na Quinta da Boa Vista. Foto: Lucas Martins / Rampas 

Quem opta por se exercitar à noite para fugir do movimento do fim de semana precisa driblar outros obstáculos. O entorno do parque, especialmente nas imediações da entrada pela Avenida Pedro II, é conhecida por ser ponto de prostituição. A circulação de pessoas em situação de vulnerabilidade aumenta, e a sensação de insegurança também.


As luzes baixas em alguns trechos e o fechamento do parque contribuem para um espaço mais deserto. “O policiamento diminui bastante. Parece que o parque vai sendo entregue ao abandono conforme a noite cai”, diz Izabella, que evita frequentar o local depois das 18h. “Tem áreas que simplesmente ficam desertas, ou com pessoas que a gente não sabe bem o que estão fazendo ali. Sendo mulher, não acho seguro correr sozinha.”


Mesmo com esses desafios, muitos moradores resistem e reivindicam o parque como espaço de esportes e lazer. Para eles, a Quinta da Boa Vista é um lugar que merece atenção pública, investimento e cuidado.


Combo que vale ouro


O professor de luta e crossfit Wesley Lima, morador de São Cristóvão, encontrou no parque não só um lugar de treino, mas também um território de pertencimento, trabalho e reencontro com a própria história. “Na Quinta da Boa Vista, eu sempre pratiquei o básico, né? Antes de ser professor, eu já era aluno”, lembra. Wesley treinava,  lutava e corria no parque, que, segundo ele, sempre ofereceu o essencial: espaço, sombra, barras e um bom asfalto para praticar exercícios. “Gosto muito de calistenia, que é treino com o peso do próprio corpo. Eu gosto muito de usar as barras de lá. Já levei meu cachorro também. É o lugar que eu sinto como minha casa.” Ainda corro lá constantemente, duas vezes na semana, pelo menos”, conta. 


Wesley Lima treinando box com duas alunas. Vídeo: Acervo Pessoal / Wesley Lima

A localização da Quinta, bem no coração do bairro de São Cristóvão, facilita os encontros e faz com que o parque funcione quase como uma extensão da sala de aula — só que ao ar livre. “A maioria dos meus alunos são de São Cristóvão. Todos conhecem a Quinta, e ela é relativamente perto para todo mundo. Eu moro de um lado do bairro, o meu aluno mora de outro. Então a gente pode se encontrar na Quinta. Fica uma situação mais fácil para os dois.”


Aos finais de semana, Wesley também organiza aulões coletivos,  que misturam treino funcional e lutas, com participantes de diferentes grupos e até mesmo de outros bairros. “Já fiz aulões com várias pessoas, gente de fora, de outras equipes, treinando junto e tendo essa interação. É muito bom”, relembra.


Aula coletiva de Wesley em uma quadra pública na Quinta da Boa Vista. Vídeo: Acervo Pessoal / Wesley Lima 

A escolha pelo parque não se deve apenas à proximidade de casa. Wesley elogiou as melhorias recentes feitas na estrutura da Quinta. “Reformaram a quadra, botaram uma de grama sintética, trocaram as barras. Agora tem três pares de barra. Tem barra paralela, barra fixa. Eu acho muito, muito bom mesmo.” O que antes era um espaço de treino amador se transformou também, para o professor, em um espaço de trabalho. 


A rotina de Izabella, Luan e Wesley revela como a Quinta da Boa Vista segue sendo um espaço de uso coletivo importante para quem mora na região. Mesmo com os desafios estruturais e de segurança, o parque exerce um papel central na vida de seus frequentadores — seja como espaço de cuidado com a saúde, ponto de encontro ou até mesmo local de trabalho. Em meio às ausências deixadas pelo incêndio do Museu Nacional, o cotidiano esportivo ajuda a manter o território ativo e visto pela população como um refúgio do caos urbano.


Diante dos relatos de precariedade em iluminação, segurança e da disputa de espaço entre lazer e esporte, o Rampas entrou em contato com a Fundação Parques e Jardins, órgão responsável pela gestão da área verde na cidade, para comentar sobre as condições atuais e eventuais projetos de melhoria. Até o fechamento desta matéria, não houve retorno.





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O site Rampas é um projeto criado por alunos de jornalismo da Uerj, sob supervisão da professora Fernanda da Escóssia.

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