De volta ao chazinho da vovó
- Catarina Ribeiro
- 4 de jul.
- 5 min de leitura
Mulheres redescobrem plantas medicinais para cuidar da saúde como alternativa a remédios sintéticos
Por Catarina Ribeiro

“Meu avô tinha origem indígena e viveu até 96 anos com saúde, lúcido, porque fazia das plantas o seu remédio. Ele trouxe isso para a gente. Dizia: ´Meu remédio tá no meu quintal’”. É assim que Caroline Carvalho, aluna do curso de nutrição da Uerj, explica seu hábito de recorrer a plantas medicinais para quase tudo, de cólicas a enxaquecas. Ela não é a única: mulheres mais novas têm valorizado o uso de fitoterápicos no autocuidado feminino.
O uso de plantas medicinais é uma prática comum em diversas culturas, incluindo a brasileira. É uma sabedoria que circula sobretudo entre mulheres negras e indígenas, que desempenham um papel central no conhecimento, manipulação e uso dessas plantas. A tradição passa de mãe para filha, de uma geração a outra.
A indústria do cuidado não está desatenta a isso. Tanto que se fortalece o conceito de clean beauty, “beleza natural", que resgata práticas ancestrais e incentiva o uso de cosméticos e maquiagens com ingredientes naturais e biodegradáveis, sem compostos nocivos, tanto à saúde humana quanto ao meio ambiente, como sulfatos, fragrâncias sintéticas, silicones e outros compostos químicos.
Mulheres de todas as idades têm buscado cada vez mais autonomia no cuidado com a própria saúde. Numerosos estudos indicam que os fitoterápicos podem ser aliados eficazes nesse processo; as ervas medicinais são usadas para aliviar sintomas da menopausa, como ondas de calor e insônia, que impactam significativamente a qualidade de vida das mulheres. Além disso, jovens que passam pelo ciclo menstrual, também recorrem às plantas para amenizar as cólicas intensas, altos fluxos e irritabilidade excessiva.
As plantas medicinais surgem como uma alternativa ao tratamento hormonal ou ao uso de medicamentos sintéticos, uma demanda que, segundo a professora Elaine de Oliveira, partiu das próprias mulheres. Doutora e mestre em Fisiopatologia Clínica e Experimental, Elaine é pesquisadora do Departamento de Ciências Fisiológicas do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, da Uerj, e coordena o Projeto de Extensão "Resgatar e Cultivar", que promove o uso caseiro e racional das plantas medicinais no cuidado cotidiano. “Geralmente, no início, as pessoas usavam muito boldo, para melhorar a ressaca, melhorar o problema de digestão, enjoo, muita camomila para acalmar. Pós-pandemia, quando a gente voltou para o presencial todo mundo queria emagrecer. E aí, dos últimos dois anos para cá, o interesse se voltou muito para o climatério, para a saúde da mulher principalmente na perimenopausa, é o que mais aparece nas nossas rodas de conversa. `Ah, eu não quero tomar hormônio, o que pode substituir o hormônio sintético, qual é a planta?`. Então assim, o interesse das pessoas mudou completamente”, relata a professora.
Dentre as plantas mais utilizadas por esse grupo estão a camomila, muito utilizada no período menstrual pelas suas propriedades relaxantes e analgésicas; o chá de hibisco para quem tem inchaço, pois melhora a circulação; o chá de sálvia com hortelã muito utilizado para pessoas que sofrem com fogachos da perimenopausa, dentre muitos outros.

Mesmo sendo uma tradição popular, o uso de plantas medicinais para tratar enfermidades e auxiliar no bem-estar costuma ser desvalorizado no meio acadêmico e principalmente dentro dos serviços de saúde. “A gente não pode ir atender no consultório e falar para um senhorzinho que usou chá a vida inteira: `A partir de hoje o senhor não vai mais usar esse chá, não usa nada, esse negócio de planta medicinal não funciona, isso daí é uma besteira`. E não é, entendeu? Ele não vai parar de usar, ele usou a vida inteira, ele tem 70 anos, ele vai continuar usando, ele não vai dar a mínima. Então a gente tem que respeitar a sabedoria popular”, conta Elaine.
As pesquisas sobre fitoterápicos têm crescido, fazendo com que o conhecimento popular e a ciência caminhem juntos, trocando experiências sem que uma se sobreponha à outra. “Muitas vezes é a sabedoria popular que direciona a pesquisa científica. No Brasil, a gente tem uma biodiversidade gigantesca. Você acha que o pesquisador chega na Amazônia, faz ‘unidunitê’ e escolhe uma planta para estudar? Não, é conversando com os povos originários e as pessoas que habitam ali. Eles vão te dizer um monte de chás, um monte de coisas que eles usam no dia a dia e isso vai direcionar a sua pesquisa. E a partir daí, você vai conseguir provar cientificamente o efeito farmacológico daquilo, você vai conhecer qual é a via daquilo, se ele interage com outros medicamentos ou não, se tem algum efeito tóxico se usado em excesso. Então, é uma troca”, diz Elaine.
Para Caroline, cujo avô colhia remédios no quintal, a experiência de crescer em uma família que sempre fez uso de plantas medicinais despertou seu interesse em aprofundar os conhecimentos sobre o tema. “Sempre tem alguém na nossa casa que fala muito sobre plantas, mas não sabe trazer aquele lado mais científico. E quando eu tive esse contato, eu pensei: Gente, minha mãe fala tanto disso. Só que é aquela parte que você não sabe como explicar, você ouve muito falar: ‘Toma esse chazinho aqui que é bom, esse chá aqui vai te acalmar’. Mas por que que vai me acalmar? E você estuda os princípios ativos de cada um e vê que realmente pode afetar o seu metabolismo, pode ajudar no tratamento de alguma doença, pode ajudar com questão de insônia, que aquilo ali mexe com o seu corpo de verdade de alguma forma, isso me despertou uma curiosidade muito grande”, relata a estudante.

Ela entrou no projeto “Resgatar e Cultivar” e escolheu os fitoterápicos na promoção do sono como tema de pesquisa para seu trabalho de conclusão de curso.“Eu via o meu vô fazer uma misturinha pra espantar mosquito, que hoje eu entendi que é a tintura. Ele colocava álcool, colocava cravo, passava. Eu falava: ‘Nossa, vô, que cheiro forte’... Eu me lembro do cheiro. E teve uma vez que não tinha repelente, a misturinha era o que tava ali mais perto, eu passei e não senti nada, tirou todos os mosquitos. É algo tão barato e tão próximo, às vezes você pode colher no seu quintal”, relembra.
Embora as plantas medicinais sejam recursos naturais, seu uso exige cuidado e orientação adequada, já que cada espécie possui formas específicas de preparo para garantir a eficácia das propriedades terapêuticas. O uso indiscriminado dessas plantas pode levar a superdosagens, interações com medicamentos ou combinações perigosas, como foi o caso do produto “50 Ervas Emagrecedor”, que está associado à morte de uma mulher em São Paulo, em 2022. A vítima, Edmara Silva Abreu, de 42 anos, sofreu hepatite fulminante após consumir o composto, necessitando de um transplante de fígado ao qual não resistiu. O produto, vendido com a promessa de emagrecimento, continha uma combinação de diversas plantas medicinais, incluindo chapéu-de-couro, cavalinha, douradinha, salsaparrilha, carobinha, sene, dente-de-leão, pau-ferro e centella asiática. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a comercialização do "50 Ervas Emagrecedor" desde 2020, por não estar regularizado como medicamento e por conter ingredientes não autorizados para uso em alimentos. Para garantir a segurança no uso de fitoterápicos, é essencial consultar fontes confiáveis como a Farmacopeia Brasileira, que reúne informações sobre preparo, dosagem e indicações seguras de uso dessas ervas.
A pesquisadora alerta ainda, para quantidades ideais e recomendações específicas para gestantes. “A gente não deve usar mais de três xícaras de chá por dia. Tem gente que faz dois litros de chá de hibisco com cavalinha, e toma no lugar da água para secar. Não pode. A gente pode tomar no máximo três xícaras de chá por dia. [...] Na gravidez, a digestão fica mais lenta, você tem refluxo, e aí você usa uma planta para melhorar isso, só que ela pode ter um efeito que pode levar o útero a se mexer. Tem só duas plantas medicinais que são totalmente seguras para grávidas, o gengibre, que melhora a digestão da gestante, diminui a azia, e o cranberry que previne e trata infecções no trato urinário”.
Parabéns pelo trabalho, pela abordagem, pela escolha do tema, pela forma como abordou e conduziu. Ficou muito perfeito, de verdade!!! Muito sucesso pra ti 🤍