Despoluição da Baía de Guanabara agora é promessa para trazer o Pan 2031
- Everton Victor
- 2 de jun.
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Rio e Niterói apresentam candidatura conjunta para receber evento; Entre as metas está a limpeza da Baía, tomada pelo lixo em diferentes pontos da região metropolitana do Rio
Por Everton Victor

Dia ensolarado, música alta, crianças se banhando e famílias confraternizando a apenas 300 metros da Avenida Brasil, no Piscinão de Ramos, Zona Norte do Rio. Se este lado da orla é vivo e movimentado, o outro, mais calmo, tem vista para a praia de Ramos, hoje tomada pela sujeira. Nesta parte da orla, a paisagem muda: a areia da praia está tomada pelo lixo — garrafas, pneus, e até barcos abandonados se acumulam no cenário de descaso.
Wagner Luiz Souza (67) vende bebidas há quase um ano no Piscinão de Ramos e relatou ao Rampas que a situação vem piorando ao longo dos anos. Ele prefere ficar do lado mais vazio, por gostar da tranquilidade, mas contou que, em alguns dias, o cheiro da maresia torna inviável ficar próximo à Baía. Para o comerciante, o descarte inapropriado de resíduos é o principal problema da região.
Todos os dias, 3 milhões de litros de resíduos líquidos, ou seja, lixo, são descartados indevidamente na Baía. É o equivalente a mais de mil piscinas olímpicas diariamente. Os dados foram divulgados este mês pelo projeto Baía Viva; ainda de acordo com o levantamento, o volume anual chega a 1 bilhão de litros de chorume.
Promessa de diferentes políticos que governaram o Rio de Janeiro, a despoluição da Baía de Guanabara sempre marcou o debate político da capital e de todo estado. O governador Cláudio Castro (PL-RJ), antes de sua reeleição, assumiu em seu plano de governo 2023-2026 o compromisso de despoluição das bacias da Baía de Guanabara, do Rio Guandu e do Complexo Lagunar. Ao todo, o plano prevê um investimento de R$6 bilhões para essa limpeza das bacias fluminenses. O Rampas questionou o governo do Estado sobre o andamento desses projetos, mas até o fechamento desta matéria, não obteve resposta.
O Rio de Janeiro, administrado por Eduardo Paes (PSD-RJ), e Niterói, que tem como prefeito Rodrigo Neves (PDT-RJ), apresentaram uma candidatura conjunta para sediar os jogos Pan-Americanos em 2031 e já apresentaram algumas metas. No dia 29 de janeiro, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) chancelou a candidatura representando o país nas disputas para sediar o evento. Durante o evento, a vice-prefeita de Niterói, Isabel Swan afirmou que a despoluição da Baía até 2031 está entre as metas das duas cidades.
A sinalização de Isabel Swan faz referência à concessão do saneamento básico feita pelo governo estadual em 2021. A ideia é coletar e tratar 90% do esgoto da região metropolitana até 2033 - e, por conta dos jogos, em relação aos municípios do entorno da Baía, a meta será antecipada em dois anos.

Identificado pelo primeiro nome, Zé Luiz (61), comerciante de peixes e frequentador do Piscinão desde criança, não tem esperança de melhoria das águas na Baía de Guanabara. O comerciante relata que quando a praia de Ramos ainda estava própria para banho, a água era limpa, tinha peixes e era um ponto de pesca, algo que vem mudando ao longo dos anos. “A poluição foi acabando com tudo, até despoluir falta muita coisa”, conta. Para ele, o abandono e a falta de ações práticas enfraquecem sua esperança de rever o bairro de Ramos com sua praia limpa.
A meta de despoluir a Baía de Guanabara para sediar grandes eventos não é inédita. O Rio se candidatou sediou os Jogos Olímpicos em 2016, e entre as metas estava a despoluição de 80% da Baía até a abertura do evento, o que não se concretizou.

Do descarte indevido de pequenos itens, como garrafas plásticas, eletrodomésticos e pneus, até o despejo de centenas de peixes mortos no mar, a sujeira na Baía de Guanabara se acumula em diferentes pontos da cidade. Regina Lucia Cavalcante (44), agente ambiental e moradora da Colônia Z-10, na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio, já presenciou o descarte indevido de cardume de sardinha próximo a sua residência. Ao Rampas, a moradora disse que é comum barcos de pesca jogarem no mar o que não serve para eles, sem o devido procedimento legal. “Nem as garças queriam, precisa de uma fiscalização maior na Baía”, reforça.
Os efeitos da poluição não estão restritos apenas aos seres marinhos. O impacto se estende à população que convive com a sujeira espalhada no mar. O contato com a água suja, o lixo na areia e no mar e produtos tóxicos podem comprometer a saúde de uma pessoa. É o que alerta Claudia Hamacher (59), da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Segundo ela, há possibilidades de toxinas neste contato com a poluição, inclusive pela falta de saneamento básico para alguns moradores.
A professora explica que há uma responsabilidade compartilhada entre governador e prefeitos dos municípios do entorno da Baía de Guanabara e de toda a sua bacia hidrográfica. “Uma iniciativa isolada de uma prefeitura não resolverá o problema da poluição, tem que ser uma ação conjunta entre prefeituras e governo do estado”, conta.
O descarte no mar de qualquer natureza que venha a prejudicar a fauna, saúde humana e/ou animal é crime ambiental. O artigo 54 da Lei 9.605/98 prevê penas de até cinco de reclusão, além de multas, a depender da intensidade dos danos causados. A semelhança do plástico com alimentos comuns às espécies marinhas, como o consumo de algas e água-viva por tartarugas, confunde os animais. Um em cada dez que ingeriram plástico morrem, de acordo o levantamento do instituto internacional ambientalista Oceana.
REgina Lúcia atua ainda na Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana do Jequiá (APARU) do Jequiá, iniciativa de preservação do manguezal Jequiá. Ela trabalha na conscientização de crianças sobre a preservação do manguezal de sua comunidade. Ambientalista há 8 anos, ela nasceu no lugar e sente orgulho de contribuir com a educação ambiental das crianças. Para isso, usa roda de conversa, calendário ecológico e imagens dos efeitos do descarte indevido de lixos no mar.
Para a ambientalista, o trabalho vai muito além de um futuro melhor, mas também a construção de um presente cada vez mais consciente. “Ensinando as crianças, elas passam pra casa”, explica. As inúmeras promessas já feitas e não concretizadas geram uma desilusão em Regina, mas que ainda sonha em ver o local que vive desde pequena limpo. “Nosso trabalho é de enxugar gelo, a educação ambiental tinha que ser falado nas escolas. Eu acho que faço o mínimo, mas o que faço gera uma gratidão muito grande”, afirma.
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