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Despoluição da Baía de Guanabara agora é promessa para trazer o Pan 2031

Rio e Niterói apresentam candidatura conjunta para receber evento; Entre as metas está a limpeza da Baía, tomada pelo lixo em diferentes pontos da região metropolitana do Rio


Por Everton Victor



Barco oxidado abandonado na Baía de Guanabara, na altura de Ramos, Zona Norte do Rio                                         Foto: Everton Victor I Rampas Uerj
Barco oxidado abandonado na Baía de Guanabara, na altura de Ramos, Zona Norte do Rio Foto: Everton Victor I Rampas Uerj

Dia ensolarado, música alta, crianças se banhando e famílias confraternizando a apenas 300 metros da Avenida Brasil, no Piscinão de Ramos, Zona Norte do Rio. Se este lado da orla é vivo e movimentado, o outro, mais calmo, tem vista para a praia de Ramos, hoje tomada pela sujeira. Nesta parte da orla, a paisagem muda: a areia da praia está tomada pelo lixo — garrafas, pneus, e até barcos abandonados se acumulam no cenário de descaso.


Wagner Luiz Souza (67) vende bebidas há quase um ano no Piscinão de Ramos e relatou ao Rampas que a situação vem piorando ao longo dos anos. Ele prefere ficar do lado mais vazio, por gostar da tranquilidade, mas contou que, em alguns dias, o cheiro da maresia torna inviável ficar próximo à Baía. Para o comerciante, o  descarte inapropriado de resíduos é o principal problema da região.


Todos os dias, 3 milhões de litros de resíduos líquidos, ou seja, lixo, são descartados indevidamente na Baía. É o equivalente a mais de mil piscinas olímpicas diariamente. Os dados foram divulgados este mês pelo projeto Baía Viva;  ainda de acordo com o levantamento, o volume anual chega a 1 bilhão de litros de chorume.


Promessa de diferentes políticos que governaram o Rio de Janeiro, a despoluição da Baía de Guanabara sempre marcou o debate político da capital e de todo estado. O governador Cláudio Castro (PL-RJ), antes de sua reeleição, assumiu em seu plano de governo 2023-2026 o compromisso de despoluição das bacias da Baía de Guanabara, do Rio Guandu e do Complexo Lagunar. Ao todo,  o plano prevê um investimento de R$6 bilhões para essa limpeza das bacias fluminenses. O Rampas questionou o governo do Estado sobre o andamento desses projetos, mas até o fechamento desta matéria, não obteve resposta. 


O Rio de Janeiro, administrado por Eduardo Paes (PSD-RJ), e Niterói, que tem como prefeito Rodrigo Neves (PDT-RJ), apresentaram uma candidatura conjunta para sediar os jogos Pan-Americanos em 2031 e já apresentaram algumas metas. No dia 29 de janeiro, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) chancelou a candidatura representando o país nas disputas para sediar o evento. Durante o evento, a vice-prefeita de Niterói, Isabel Swan afirmou que a despoluição da Baía até 2031 está entre as metas das duas cidades. 


A sinalização de Isabel Swan faz referência à concessão do saneamento básico feita pelo governo estadual em 2021. A ideia é coletar e tratar 90% do esgoto da região metropolitana até 2033 - e, por conta dos jogos, em relação aos municípios do entorno da Baía, a meta será antecipada em dois anos. 




Zé Luiz no Piscinão de Ramos, na Zona Norte do Rio de Janeiro                                                                                                                                    Foto: Beatriz Araujo I Rampas Uerj
Zé Luiz no Piscinão de Ramos, na Zona Norte do Rio de Janeiro Foto: Beatriz Araujo I Rampas Uerj


Identificado pelo primeiro nome, Zé Luiz (61), comerciante de peixes e frequentador do Piscinão desde criança, não tem esperança de melhoria das águas na Baía de Guanabara. O comerciante relata que quando a praia de Ramos ainda estava própria para banho, a água era limpa, tinha peixes e era um ponto de pesca, algo que vem mudando ao longo dos anos. “A poluição foi acabando com tudo, até despoluir falta muita coisa”, conta. Para ele, o abandono e a falta de ações práticas enfraquecem sua esperança de rever o bairro de Ramos com sua praia limpa.


A meta de despoluir a Baía de Guanabara para sediar grandes eventos não é inédita. O Rio se candidatou sediou os Jogos Olímpicos em 2016, e entre as metas estava a despoluição de 80% da Baía  até a abertura do evento, o que não se concretizou.



Mais de 1 centena de cardume de sardinhas mortas na Baía de Guanabara na                                                                 Ilha do Governador, Zona Norte do Rio                                                                                                                                                                               Reprodução: Regina Lucia I Acervo Pessoal
Mais de 1 centena de cardume de sardinhas mortas na Baía de Guanabara na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio Reprodução: Regina Lucia I Acervo Pessoal

Do descarte indevido de pequenos itens, como garrafas plásticas, eletrodomésticos e pneus, até o despejo de centenas de peixes mortos no mar, a sujeira na Baía de Guanabara se acumula em diferentes pontos da cidade. Regina Lucia Cavalcante (44), agente ambiental e moradora da Colônia Z-10, na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio, já presenciou o descarte indevido de cardume de sardinha próximo a sua residência. Ao Rampas, a moradora disse que é comum barcos de pesca jogarem no mar o que não serve para eles, sem o devido procedimento legal. “Nem as garças queriam, precisa de uma fiscalização maior na Baía”, reforça.


Os efeitos da poluição não estão restritos apenas aos seres marinhos. O impacto se estende à população que convive com a sujeira espalhada no mar.  O contato com a água suja, o lixo na areia e no mar e produtos tóxicos podem comprometer a saúde de uma pessoa. É o que alerta Claudia Hamacher (59), da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Segundo ela, há possibilidades de toxinas neste contato com a poluição, inclusive pela falta de saneamento básico para alguns moradores.


A professora explica que há uma responsabilidade compartilhada entre governador e prefeitos dos  municípios do entorno da Baía de Guanabara e de toda a sua bacia hidrográfica. “Uma iniciativa isolada de uma prefeitura não resolverá o problema da poluição, tem que ser uma ação conjunta entre prefeituras e governo do estado”, conta.






O descarte no mar de qualquer natureza que venha a prejudicar a fauna, saúde humana e/ou animal é crime ambiental. O  artigo 54 da Lei 9.605/98 prevê penas de até cinco de reclusão, além de multas, a depender da intensidade dos danos causados. A semelhança do plástico com alimentos comuns às espécies marinhas, como o consumo de algas e água-viva por  tartarugas, confunde os animais. Um em cada dez que ingeriram plástico morrem, de acordo o levantamento do instituto internacional ambientalista Oceana.


REgina Lúcia atua ainda na Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana do Jequiá (APARU) do Jequiá, iniciativa de preservação do manguezal Jequiá. Ela trabalha na conscientização de crianças sobre a preservação do manguezal de sua comunidade. Ambientalista há 8 anos, ela nasceu no lugar e sente orgulho de contribuir com a educação ambiental das crianças. Para isso, usa roda de conversa, calendário ecológico e imagens dos efeitos do descarte indevido de lixos no mar.


Para a ambientalista, o trabalho vai muito além de um futuro melhor, mas também a construção de um presente cada vez mais consciente. “Ensinando as crianças, elas passam pra casa”, explica. As inúmeras promessas já feitas e não concretizadas geram uma desilusão em Regina, mas que ainda sonha em ver o local que vive desde pequena limpo. “Nosso trabalho é de enxugar gelo, a educação ambiental tinha que ser falado nas escolas. Eu acho que faço o mínimo, mas o que faço gera uma gratidão muito grande”, afirma.

 


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