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Dez anos após passagem de Mujica, bar tijucano apaga memória de visitante ilustre

  • Foto do escritor: Rampas
    Rampas
  • 24 de set.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de out.

Bar do José, que recebeu ex-presidente uruguaio, trocou de gestão e passa por dificuldades


Por Pedro Paixão


Em 27 de agosto de 2015, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, foi convidado para palestrar na Uerj e lotou a Concha Acústica com mais de dez mil pessoas (segundo estimativa da própria universidade). Mas antes disso, visitou um botequim tijucano com seus seguranças, aproveitando a feijoada farta e a cerveja bem gelada.


Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, no Bar do José, em 2015. Imagem: Reprodução/YouTube: Estadão.
Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, no Bar do José, em 2015. Imagem: Reprodução/YouTube: Estadão.

Mujica morreu em 13 de maio de 2025, exatamente uma semana antes de completar 90 anos. O “presidente mais pobre do mundo” tornou-se conhecido por seu estilo de vida humilde e suas políticas sociais de esquerda, como o fortalecimento de direitos trabalhistas e a legalização do aborto e da maconha. O Rampas foi conferir como anda o Bar do José, o boteco tijucano que recebeu a visita de um dos políticos mais memoráveis da história da América Latina?


“Está parado”, relatou Ricardo Estevam, ex-gerente e  dono do bar desde que José Alves Ferreira, o antigo proprietário, morreu no final do ano passado. Quando o Rampas chegou ao local, aproximadamente às 17h30 de um sábado (28/6), o estabelecimento ainda estava fechado, e Ricardo encontrava-se numa pequena sala anexa ao bar jogando sinuca e falando ao telefone.


Ele avisou que não poderia falar muito sobre o uruguaio, pois não trabalhava no local quando ocorreu a visita, e que até aceitava conversar, mas estava ocupado no momento. Após alguns minutos, perguntou como havia sido encontrado, informou que não falaria mais nada por questões pessoais e desautorizou fotos internas do bar. O bar não chegou a ser aberto e o Rampas deixou o bar após as 20h.


Deuzanira Nunes dos Santos e Simone Ferreira Guimarães eram frequentadoras assíduas do Bar do José, mas desde que o novo comércio (ainda sem nome) abriu, há cerca de três meses, trocaram o palco das conversas e bebedeiras. Questionadas sobre o motivo, apontaram uma queda na qualidade do local.


Deuza, como é conhecida, é grande crítica do horário de funcionamento, que costuma ir de 18h às 22h, segundo ela. Mesmo assim, afirma, o maior problema é o atendimento: “Ele (Ricardo) passa o tempo inteiro jogando sinuca. Você fica se esgoelando para ser atendida. Teve uma vez que eu estava ali, chegou um cara estranho e eu fiquei sozinha no salão. O homem chegou esquisito, ficou perto de mim e aquilo me deu um mal-estar.” Outro problema apontado é a limpeza: “Enquanto você bebe, as baratas passam e você precisa levantar os pés”.


“O José, antigo dono, era muito carismático. Um gentleman da Paraíba”, recorda Simone. As duas mulheres admitem que a cerveja segue gelada, mas lembram que, antigamente, o estabelecimento dispunha de um leque bem mais amplo de atrativos – as refeições, como a feijoada que conquistou Mujica, saíram do cardápio, e as festas, que antes tomavam conta do salão, deixaram de acontecer. 


Deuza é enfática ao dizer que “o bar morreu”, já Simone afirma que “sua alma acabou”. Para ela, isso aconteceu quando o novo dono retirou as fotos que decoravam a parede recordando a visita do ex-presidente ao estabelecimento: “Aquilo, pra mim, era memória. Quando tirou, acabou com tudo”. Hoje, quem entra no Bar do José talvez nem suspeite da visita de Pepe Mujica, ocorrida há uma década.


Deuza e Simone, antigas frequentadoras do Bar do José, no bazar em que atualmente se reúnem - Foto: Pedro Paixão
Deuza e Simone, antigas frequentadoras do Bar do José, no bazar em que atualmente se reúnem - Foto: Pedro Paixão

Numa das festas no antigo bar nasceu um casal. José Adilson da Silva já era frequentador do local havia tempos quando comemorou seu aniversário no local, em 11 de maio de 2021. Na data, conheceu Luana Vanessa Nunes da Silva, que estava de passagem, mas tornou-se frequentadora do lugar após o casório. Ela carrega uma tatuagem no antebraço marcando o dia do primeiro encontro. 


Apesar da recordação romântica, os dois também deixaram de frequentar o ambiente e preferem o estabelecimento ao lado. Mas Adilson não esquece os bons momentos, até recorda a visita de Mujica. “Era um cara simples. Vinha com a caravana dele, e pararam no Bar do José porque o ex-presidente queria comer feijoada e beber caipirinha.” Orgulhoso, ele diz que não deu tanta atenção no momento. “Não valorizo muito gente importante, só tomei conhecimento depois. Mas foi bom para a rua como um todo.”


Adilson e Luana da Silva, casal que se conheceu no Bar do José, na esquina onde o romance começou - Foto: Pedro Paixão
Adilson e Luana da Silva, casal que se conheceu no Bar do José, na esquina onde o romance começou - Foto: Pedro Paixão

Outra testemunha ocular da visita de Mujica foi João Batista, um senhor de 85 anos, militar reservista e praticamente vizinho do bar. Tímido, dispensou fotos, mas contou as histórias com empolgação. Ele afirma que, apesar da grande amizade com José, não era assíduo no bar, preferia o Bar Divino, famoso por ser frequentado por músicos da Jovem Guarda ainda no começo da carreira. “Teve uma vez que até rolou briga na rua. Erasmo Carlos mordeu as costas de um amigo meu, vivo até hoje.” 


João se lembra da vizinhança movimentada após a divulgação da presença do ex-presidente uruguaio. À época, jornais cariocas noticiaram a visita e o botequim até estampou na parede um quadro com uma matéria impressa sobre o acontecimento.“Nem lembro se era peruano, chileno ou uruguaio, mas estava presente e almoçou aqui.” Para ele, a visita foi guiada e premeditada, tendo como principal razão a conhecida “feijoada do Zé”. “Não sei quem trouxe o Mujica, mas quem trouxe, fez por conta da feijoada”, acrescentou. 


Hoje corre na Justiça uma disputa entre o atual proprietário e a irmã do antigo dono pelo direito de administrar o bar. Entretanto, também há quem brinque com outro desfecho. “Eu vou recuperar a foto do Mujica e pendurar bem aqui, na entrada. Mujica’s Bar”, afirmou Adilson.    




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