Sem perspectivas no mercado formal, jovens da periferia do Rio de Janeiro encontram nas plataformas 18+ uma fonte alternativa de renda
Com o impacto da pandemia de Covid-19, jovens adultos da periferia do Rio recorrem ao mercado do entretenimento para maiores após o crescimento de sites como Only Fans e Privacy. No Brasil, esse fenômeno abriu novas possibilidades de renda para muita gente, inclusive para jovens de regiões periféricas que enfrentam dificuldades para ingressar no mercado de trabalho formal.
A falta de perspectivas, agravada pelos altos índices de desemprego juvenil, leva muitos a buscar alternativas como a produção de conteúdo adulto. Segundo dados do IBGE, a cidade do Rio de Janeiro ocupa o segundo lugar no ranking de desemprego de jovens adultos no país, ficando atrás apenas de Recife.
Diversos fatores explicam essa realidade: desigualdade socioeconômica, carência de qualificação profissional e os efeitos prolongados da crise econômica gerada pela pandemia. Em meio a essas dificuldades, histórias de jovens que recorrem ao mercado adulto como fonte de renda se tornam cada vez mais frequentes, refletindo a dura realidade de uma geração que enfrenta a escassez de oportunidades e a falta de apoio efetivo para sua inclusão no mercado de trabalho tradicional.
Histórias e conteúdos
Luiz Otávio Medeiros, de 24 anos, morador de Campo Grande, é um desses jovens. Após concluir o ensino médio técnico em Petróleo e Gás, ele se deparou com um mercado fechado. “Foi na época da Lava Jato, então não tinha emprego nem para quem já trabalhava na área”, relata. Sem opções e com a responsabilidade de ajudar nas despesas de casa, Luiz encontrou no conteúdo adulto uma oportunidade de gerar renda.
Nesse cenário, plataformas digitais de assinatura têm se tornado uma alternativa cada vez mais popular para quem busca uma fonte de renda, permitindo que criadores de conteúdo compartilhem material exclusivo com seus assinantes em troca de uma mensalidade. Os produtores têm a oportunidade de obter lucros diretamente com suas produções, mas o processo envolve um grande esforço pessoal e constante interação com o público.
Nesse modelo de negócios, os criadores de conteúdo têm a liberdade de definir os valores das assinaturas, que podem variar entre 20 e 250 reais, conforme a escolha de cada produtor. O retorno financeiro depende diretamente do engajamento dos assinantes. Em plataformas como a Only Fans, os produtores ficam com 80% da receita gerada, enquanto 20% é retido pela plataforma. O sucesso também depende da interação constante com o público e da capacidade de manter esse engajamento ao longo do tempo.
A rotina de produção de Luiz, por exemplo, é bastante flexível, já que a demanda por novos conteúdos não é constante. Segundo ele, é possível gravar de dois a três vídeos por semana e ainda assim manter um bom engajamento com o público. Segundo Luiz, esse ritmo de trabalho é viável porque ele não depende exclusivamente da renda gerada pela plataforma. Ele ainda relata que isso também acontece porque ele “não consideraria o dinheiro da plataforma como uma renda principal”, por isso complementa sua renda com trabalhos de figuração em novelas, o que lhe proporciona mais estabilidade financeira.
Para Daphne Melo, de 26 anos, o cenário é desafiador. “A gente fica feliz porque não fica sem dinheiro, mas não é um dinheiro fácil como as pessoas falam. Eu tô saturada, cansada, é tanta gente que a gente atura”, desabafa. Segundo a jovem, moradora do bairro de Santa Cruz, ser garota de programa a longo prazo é emocional e psicologicamente exaustivo.
Ela, que já atuou como garota de programa na Itália, optou pelo mercado online por questões de segurança. “Você tem uma segurança, tanto por pessoas brutas quanto por pessoas que te desrespeitam. Na conta da internet, você pode se privar de mostrar seu rosto. Vai ser só um corpo ali, um fetiche, mas pode se prevenir se passar por certos tipos de humilhação. Já tentaram ter relação sexual sem camisinha, sem que eu visse”, relata.
Daphne confidencia que, em determinado momento, embora tivesse vontade de ter relações sexuais com seu marido, sentia-se indigna de receber esse tipo de afeto. "Eu pensava: 'Poxa, eu não vou dar meu corpo sujo, o meu corpo usado. É uma sensação que me faz perder um pouco o gosto", explica. Ela também revela que, por vezes, se esquece de que possui um cérebro, além do corpo, refletindo sobre como essa percepção impacta sua autoestima e sua relação com a sexualidade.
Luiz confessa que, no início, teve receio de ser reconhecido e se sentir constrangido nas ruas. No entanto, hoje ele tenta não se preocupar com isso. Para ele, essa sensação de tranquilidade é possível porque, nas plataformas, ele não tem contato pessoal com seus assinantes.
Os olhares familiares intimidam mais
A recepção de amigos e familiares também desempenha um papel significativo na vida dos produtores de conteúdo. Daphne lamenta os olhares de reprovação e os comentários maldosos vindos de pais de seus amigos. "Meus amigos foram tranquilos e até me apoiaram, mas já cheguei em eventos de família em que pediram para não me convidarem mais", conta, destacando as dificuldades que enfrenta ao lidar com a aceitação social de sua escolha.
Por outro lado, Luiz Otávio compartilha uma experiência diferente. Para ele, a opinião de seus parentes não tem tanto peso, uma vez que, como ele mesmo afirma, "ninguém vai pagar as minhas contas". Ele explica que seus familiares "sabem, mas não falam muito sobre isso".
A vida continua
Apesar de ter mais de 60 mil seguidores no X (antigo Twitter), que permite a circulação de conteúdos pornográficos, Otávio conta que “isso é o tipo de coisa que, depois de um tempo, não passa mais pela cabeça”, referindo-se a toda a exposição nas redes. No entanto, o desgaste emocional persiste. Daphne confessa que, após seus serviços, muitas vezes sentia-se “suja” e tinha dificuldades em manter relações íntimas com o parceiro. Ainda assim, ela continua produzindo conteúdo com o objetivo de economizar para realizar seu maior sonho: tornar-se comissária de bordo.
“Planejo economizar para pagar o curso de comissária de bordo, é o meu sonho ainda”, afirma a jovem. Otávio está investindo na sua carreira audiovisual trabalhando com figuração em produções televisivas, ampliando seu contato com diretores e preparadores de elenco, pois espera um dia ser um ator profissional.
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