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Do Mackenzie à Baixada, rachão de basquete anima quadras do Brasil

Basquete de rua é espaço de resistência, cultura e transformação social

 

Por Luiz Gustavo Almeida


O basquete de rua pulsa nas periferias como expressão cultural e ato de resistência. Em quadras públicas como esta, o esporte se reinventa todos os dias — com talento, improviso e pertencimento coletivo. Reprodução: Pedro Henrique Santos / Basquete Cruzada (Instagram)
O basquete de rua pulsa nas periferias como expressão cultural e ato de resistência. Em quadras públicas como esta, o esporte se reinventa todos os dias — com talento, improviso e pertencimento coletivo. Reprodução: Pedro Henrique Santos / Basquete Cruzada (Instagram)

Uma tarde qualquer, uma quadra pública, uma bola quicando e um craque da NBA. Em maio de 2025, Rui Hachimura, ala japonês do Los Angeles Lakers, surpreendeu o público ao aparecer jogando basquete no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Nada de seguranças, nem campanhas publicitárias. Só ele, o concreto e o improviso do streetball. O vídeo viralizou, mas a cena vai além do inusitado: traduz a alma de um movimento que há décadas ocupa o Brasil de ponta a ponta — o rachão de basquete. 


É nas quadras abertas, como a que fica em frente à Prefeitura de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, que o basquete encontra seu verdadeiro lar. Ali não há juízes, nem uniformes. Valem a ginga, o talento e o respeito construído jogada por jogada. “Essa quadra é referência aqui em São João, uma das únicas com tabela completa. Sempre tem rachão, com gente de vários bairros. Se você chegar e quiser jogar, o pessoal abraça”, conta Gabriel “GB” Araújo, 19 anos. Para ele, o basquete é mais do que diversão: é rede, é vínculo, é vida em comunidade.


Quem também marca presença é Vitória Matos, 21 anos, uma das poucas mulheres da cena local. Ela ressalta o desafio de ocupar o espaço e a ausência de apoio público. “É raro ver mulher jogando, mas estamos mudando isso. A comunidade ajuda, mas falta estrutura. A tabela quebrou, fizemos vaquinha pra consertar. A quadra é nossa.” Inspirada por A’ja Wilson, estrela da WNBA e bicampeã olímpica, Vitória acredita que jogar é também um ato político: “Ela mostra que é possível ser referência dentro e fora da quadra. Aqui, quando a gente ocupa, também está resistindo”.


Rachão: onde o jogo vira cultura


O que começou como uma prática informal se transformou em movimento social. Os “rachões” não são apenas peladas de basquete: são polos de cultura urbana, resistência periférica e inclusão. É nesse universo que nascem talentos, amizades e sonhos. Iniciativas como o Rei da Quadra, maior torneio de 1 contra 1 do país, e o NBB Trio, projeto da Liga Nacional de Basquete que leva o formato olímpico 3x3 às quebradas, ajudam a fortalecer esse cenário. Além deles, organizações como o Basquete Cruzada (RJ) e o Instituto Lance de Craque (RS) atuam com aulas gratuitas, apoio pedagógico e oficinas, mostrando que o esporte também é instrumento de transformação social.


Projeto Basquete Cruzada, no Rio de Janeiro, transforma a quadra em sala de aula e espaço de inclusão. Entre dribles e arremessos, jovens aprendem valores como respeito, coletividade e resistência. / Reprodução: Basquete Cruzada (Instagram)
Projeto Basquete Cruzada, no Rio de Janeiro, transforma a quadra em sala de aula e espaço de inclusão. Entre dribles e arremessos, jovens aprendem valores como respeito, coletividade e resistência. / Reprodução: Basquete Cruzada (Instagram)

Das elites às ruas: a longa trajetória da bola laranja 


O basquete desembarcou no Brasil em 1896, pelas mãos de Augusto Shaw, no tradicional Colégio Mackenzie, em São Paulo. Por muito tempo restrito às elites e aos clubes, o esporte foi ganhando o povo e as praças. Nas décadas de 1950 e 1960, o país brilhou no cenário mundial, com ídolos como Wlamir Marques, Amaury Pasos e Hortência Marcari. Mas foi nas quadras públicas, improvisadas em escolas, parques e vielas, que o basquete brasileiro se reinventou. Com regras maleáveis, criatividade solta e muita personalidade, o “rachão” tomou forma. A influência do streetball norte-americano se misturou ao gingado local, e o resultado foi um estilo próprio, genuinamente brasileiro.


A cultura hip-hop entrou em cena com seus bonés, tênis largos e batidas de rap. Filmes como Brancos Não Sabem Enterrar (1992) e Jogada Decisiva (1998) moldaram o imaginário coletivo. O basquete, então, deixou de ser só jogo: virou performance, identidade, estilo.


Quando Rui Hachimura entrou na quadra do Ibirapuera, em São Paulo, não foi só um atleta da NBA se misturando à galera. Foi o reconhecimento global de que o basquete de rua é poderoso. Ele, que representa uma minoria dentro da liga americana, costuma falar sobre o esporte como ferramenta de conexão entre culturas. Sua presença reforçou algo que os jovens brasileiros já sabem: não é preciso arena nem holofote para o jogo ser grande. Basta o concreto, uma bola e o coletivo.


Em maio de 2025, Rui Hachimura, ala do Los Angeles Lakers, surpreendeu ao participar de um rachão no Parque Ibirapuera. O gesto simbólico reforçou o poder do basquete de rua como linguagem universal e espaço de encontro entre culturas. / Reprodução: acervo pessoal do atleta
Em maio de 2025, Rui Hachimura, ala do Los Angeles Lakers, surpreendeu ao participar de um rachão no Parque Ibirapuera. O gesto simbólico reforçou o poder do basquete de rua como linguagem universal e espaço de encontro entre culturas. / Reprodução: acervo pessoal do atleta

Mesmo com a precariedade das estruturas, a falta de investimento e o preconceito social, o rachão sobrevive — e pulsa. Nas redes sociais, jovens viralizam com dribles criativos, enterradas improváveis e narrações empolgadas. Criam suas próprias audiências e redes de apoio, fora dos moldes tradicionais do esporte. “Não é só pintar a quadra e tirar foto”, diz Vitória. “É ter torneio, material, segurança e vontade de fazer acontecer.” Gabriel completa: “Se tivesse manutenção e incentivo, a cena crescia muito”.


O rachão é mais do que um jogo: é linguagem, resistência e celebração. Um retrato de um país que, mesmo nas margens, não para de criar.





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