Educação para jovens e adultos (EJA) atinge o menor patamar de matrículas da história
- Letícia Santana
- 17 de jun.
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Desde 2017, com a baixa nos investimentos na modalidade, o número de matriculados vem caindo a cada ano
Por Letícia Santana
Aos 46 anos, após suas duas filhas se tornarem adolescentes, Margarida Oliveira decidiu que iria à escola - um direito que lhe foi negado durante toda a sua vida. Na infância, não pôde estudar por precisar trabalhar para ajudar em casa. Depois, teve de trabalhar para criar as filhas. Hoje aos 78 anos, ela conta que, quando decidiu se matricular no EJA (Educação para jovens e adultos), sonhava em aprender a ler e conseguir um diploma escolar.
“Eu não tive mãe, tive só um pai e madrasta. Tive que trabalhar para ajudar minha família, depois fui tomando idade. Conheci o meu marido, aí casei, tive duas filhas. Eu não sabia, nem ler e nem escrever direito. Quando elas estavam assim adolescentes, resolvi ir para a escola”, relembra.

Ela conta com carinho os anos no Colégio Che Guevara e o Ensino Médio no Colégio Estadual Charles Dickens, ambos em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. No fim dos estudos, sonhava com a faculdade de Ciências Contábeis e já havia combinado com colegas de turma que todos fariam faculdades juntos. Mas teve problemas de visão e parou ao concluir o ensino médio. Após o nascimento de sua neta, a filha a incentivou a entrar na faculdade, mas Margarida preferiu se dedicar à família.
“Eu me senti muito orgulhosa quando recebi meu diploma, pois sempre admirei muito as pessoas que gostam de ler. Minha vontade era essa. Eu queria ler livros, aprender a ler livros, entendeu? Escrever, ler, conversar direito, porque quando a gente não estuda, a gente não consegue saber conversar com outra pessoa que tem estudo. E eu fiz muito esforço para conseguir.”
O ensino para jovens e adultos é uma política pública que tem como finalidade o combate ao analfabetismo e elevação da escolaridade. De acordo com o último Censo Escolar, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), cerca de 49,2% da população com mais de 25 anos não terminou o ensino médio, o que equivale a um contingente de 65 milhões de pessoas.
Nos últimos anos, dados mostram como os investimentos cada vez menores na educação impactaram diretamente a educação de jovens e adultos. Em 2021, durante a pandemia de covid-19, o governo de Jair Bolsonaro direcionou 6 milhões de reais para o setor, a menor verba do século 21.
No Brasil de dona Margarida, a realidade do EJA não é mais a mesma de 32 anos atrás. Em 2022 os investimentos voltaram a aumentar e 38 milhões de reais foram dedicados à atividade, porém isso não é nem 3% do valor investido na década de 2010. Esse é somente um dos fatores que prejudica a modalidade. Em todo o Sudeste existem 581 mil alunos jovens e adultos matriculados. E 2025 é o oitavo ano seguido de queda nas matrículas nesse segmento.
O Rampas conversou com Luciano Alves, engenheiro químico e professor de Química da rede estadual fluminense e do EJA desde 1999. Ele conta um pouco do que viveu no ensino de jovens e adultos ao longo desses anos.
“Não são todas as escolas que oferecem EJA. Se você pegar um raio ali do Maracanã até o Méier, a minha é a única que oferece. Então o que acontece? Uma pessoa que mora no Maracanã, vai ter que vir aqui até o Engenho Novo para poder cursar o EJA. As pessoas mais velhas têm que dar conta da família, pagar as contas, dar conta da casa, resolver uma série de coisas.”

Aluno de Jornalismo na Uerj e repórter do Rampas, Luciano aponta alguns problemas que paralisam o programa e aumentam a evasão. Segundo o Censo Escolar, 65,1% dos estudantes matriculados têm menos de 40 anos, e os homens são a maioria (52,1%). Na faixa etária com mais de 40 anos, as mulheres representam 59,2%. A diminuição de verbas resulta em menor oferta de vagas. Além disso, já que esse tipo de ensino não oferece nenhum apoio para os estudantes, a distância, a indisponibilidade de tempo e os horários de trabalho dificultam a permanência em sala de aula.
O professor também falou sobre a precarização do ensino, de métodos adotados por parte do governo e direção das escolas para enfrentar diferenças acadêmicas entre os estudantes. Ele contou que, antes de 2012, já dava aulas para o ensino médio à noite, e a faixa etária de seus alunos ia dos 18 aos 70 anos. Após esse período, os alunos com mais de 18 anos foram retirados do ensino regular e transferidos para uma modalidade distinta, porque tinham notas inferiores aos mais jovens, e por isso a avaliação da escola ficava mais baixa.
“As escolas que tinham alunos mais velhos ficavam com notas menores e, com isso, eram pior avaliadas. Os professores recebiam uma gratificação menor. Tudo ficava mais precarizado e acabava prejudicando o desempenho da escola nessas avaliações externas. A intenção é sempre aumentar a nota da rede estadual no Rio nas avaliações externas, mascarando ou jogando para debaixo do tapete, digamos assim, esses alunos com mais idade e que teriam maiores dificuldades para o aprendizado. Mas vale frisar que os meus alunos mais velhos sempre foram os mais interessados, desde quando eu comecei.”
Plano de carreira
Em 2023, o Rio tinha o pior piso salarial do Brasil para professores do EJA, o que foi motivo de diversas paralisações na época. Este ano, o MEC ratificou o novo piso salarial de R$ 4.867,77 para os professores do segmento, o que ainda gera mais revoltas.
O plano de carreira de professores da rede pública é dividida em níveis de acordo com a formação do profissional, anos de serviço e excelência no magistério, por conta desses itens o profissional subia de nível e seu salário aumentava, logo, a nova medida do MEC de ratificar o piso salarial, congela os salários e nivela todos os profissionais, que ficam sem perspectiva de crescimento, um profissional com doutorado ganharia um mesmo salário por anos sem aumento, em função do fim do plano de carreira.
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