Entre o mar e as buzinas: como são os sons do Rio de Janeiro
- Catarina Ribeiro
- 8 de mai.
- 3 min de leitura
Sonoridade do Rio de Janeiro encanta, mas pode ser fator de exaustão para quem convive diariamente com o barulho

No Rio de Janeiro, a mistura entre natureza e cidade não se expressa apenas nas paisagens visuais. O som das ondas que quebram na areia se mistura às buzinas do trânsito, aos vendedores ambulantes e às festas que atravessam a madrugada. É nessa sobreposição de ruídos e melodias que se forma a paisagem sonora carioca — um conjunto de sons que, além de ambientar, também define e traduz a experiência de viver na capital fluminense. Encantadora para uns e exaustiva para outros, essa trilha sonora revela o ritmo, os contrastes e a identidade da cidade.
“Acho que o mar e as buzinas estão sempre juntos. Eles acabam refletindo o ritmo da cidade que, por mais caótica que seja, está cercada de beleza natural”, comenta Rafaela Nakane, 19 anos. Para ela, a multiplicidade de sons é uma das marcas da “cidade maravilhosa”. Esse panorama é formado por ônibus, buzinas, feiras livres, ambulantes, ondas do mar e festas noturnas. Tudo isso compõe um cenário sonoro rico e dinâmico socialmente.
Segundo Frank Andrew Davies, professor do Departamento de Turismo da UERJ e coordenador do projeto “Cidades - Núcleo de Pesquisa Urbana", os sons têm papel fundamental na construção da identidade carioca. “A paisagem sonora do Rio contribui sim para a identidade da cidade, tanto sons naturais quanto sons artificiais. O que conta aqui é a percepção dessa sonoridade e a sua relação com o espaço e com a paisagem do movimento de rua, de apresentações e festividades, não são apenas uma experiência prática, mas também uma representação que se difunde a partir dessa circulação de sons e que configuram e caracterizam o espaço da cidade”, explica o especialista que, no entanto, aponta um lado não tão bonito dessa paisagem.

Apesar do charme sonoro, o excesso de barulho tem seu custo. A poluição sonora é um problema crescente na cidade. Trânsito, bares, obras e festas contribuem para níveis elevados de ruído que afetam diretamente o bem-estar da população. Rafaela, que morava na Tijuca e hoje vive na Barra da Tijuca, notou essa diferença. “Na Tijuca era caótico, muito barulhento mesmo. Até de madrugada tinha circulação de carros, motos e caminhões. Só com janelas antirruído conseguimos amenizar. Quando me mudei para perto da praia, o silêncio me impactou. O único som notável era o do mar — e minha qualidade de sono melhorou muito”, relata.
Para trabalhadores que passam o dia nas ruas, o impacto do barulho é ainda maior. Augusto Cesar, de 57 anos, motorista de aplicativo, sente os efeitos do ruído diário. “Trabalhar 10 horas por dia cercado de buzinas, gritaria e descargas de moto é extremamente estressante. O trânsito já é ruim, o barulho é a gota d’água”, desabafa. Paralelamente, há profissionais para quem o som é parte essencial da rotina: camelôs, feirantes e ambulantes convivem com o ruído como parte do ofício.
A paisagem sonora, aliás, varia bastante conforme o bairro. “Há diferenças entre os bairros. Alguns mais calmos e residenciais, outros mais agitados e comerciais. E há ainda aqueles que transitam entre os dois — como Madureira, que é um bairro extremamente vivo e diverso também em sua sonoridade”, analisa o professor Frank. Além dos ruídos urbanos, o Rio tem na música uma de suas maiores expressões sonoras. O samba nas rodas da Lapa, o funk nas comunidades, os blocos de carnaval e os músicos de rua compõem uma trilha sonora afetiva que também define a cidade.
Mas, em meio a tanta riqueza sonora, os cariocas muitas vezes se acostumam — e até se anestesiam — diante do excesso de barulho. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sons acima de 50 decibéis podem afetar a saúde mental e física. Estresse, insônia, dores de cabeça, perda de audição e doenças cardíacas estão entre os riscos.

Copacabana, Centro e Tijuca são frequentemente alvos de reclamações de poluição sonora. No estado, a Lei nº 126/1977 estabelece que o volume de ruído permitido deve ser inferior a 85 decibéis. À noite, boates e bares não devem ultrapassar 55 decibéis após as 22h. Fogos, escapamentos adulterados e som alto em condomínios também são proibidos por lei.
Tão complexa quanto sua geografia, a paisagem sonora do Rio revela o jeito carioca de viver, de celebrar e de resistir. Entre o encanto e o incômodo, ela revela muito mais do que apenas barulho.
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