Fazendinha, um refúgio da Mata Atlântica no coração da Penha
- Rampas
- 19 de set.
- 6 min de leitura
Atualizado: 21 de set.
Em meio ao caos urbano, área de preservação ambiental atrai visitantes e se transforma em lugar de convivência e aprendizado
Por Alice Moraes e Tanmara Gomes
Um quilômetro e trezentos metros é o percurso em que a maratonista Wanda Rodrigues, de 48 anos, costuma correr todos os dias na Fazendinha, uma área de preservação ambiental encravada no bairro da Penha, zona norte do Rio. Pode parecer pouco para atletas que fazem de cinco a dez quilômetros, mas, para alguém que teve três AVCs, cada passo é uma vitória. “Estou indo para a quinta maratona. O esporte vem salvando a minha vida”, afirma Wanda.
A prática regular de exercícios físicos ajudou Wanda na sua recuperação e na restauração de seu bem-estar. O AVC que poderia tê-la parado se transformou em combustível para inspirar outras pessoas.
A equipe de corrida Fazendinha, da qual ela faz parte, usa o espaço para atividades físicas e socialização. A idade e as limitações não são um problema, e sim possibilidades para trocas de experiências. Corredores iniciantes e experientes se encontram com o mesmo propósito: se fortalecer de maneira física e emocional.
“Somos uma família. Se você quer estar conosco, vai estar aberto a estar conosco. A gente não quer número, a gente quer qualidade”, disse Wanda, reforçando que a equipe está aberta a novos integrantes.
Pulmão da Penha
A Área de Preservação Ambiental (APA) da Fazendinha é uma instituição não governamental protegida pelo Decreto nº 3.549, de 16 de outubro de 1918, e administrada pela Sociedade Nacional de Agricultura, uma entidade de utilidade pública. Ela está localizada na Avenida Brasil, nº 9.727, no bairro da Penha, Zona Norte do Rio. Aberta ao público de segunda a sábado, das 7h às 17h, com entrada gratuita, a APA ocupa uma área de 144 mil metros quadrados. O terreno foi doado em 1859 pelo imperador Dom Pedro II ao Horto Frutícola da Penha, para abrigar uma escola agrícola até hoje em funcionamento.
A área de proteção ambiental, além de ter o campus de medicina veterinária da Universidade Castelo Branco (UCB), com atendimento clínico para animais silvestres e de estimação a preços acessíveis, também oferece cursos gratuitos em parceria com o Senac, visitações aos animais da fazenda, horta e parquinho vinculados ao Sesc.

O lugar, uma das últimas áreas verdes da Zona Norte, encanta com a paisagem repleta de árvores nativas da Mata Atlântica, algumas das últimas da espécie na região, como o pau-ferro, muito usado antigamente na construção civil de postes de energia, o que quase extinguiu toda a espécie.
Com o reflorestamento, clima fresco e uma tranquilidade rara, na Fazendinha se ouve mais o canto dos pássaros do que o som das buzinas. É uma opção acolhedora para famílias que buscam contato com a natureza e um respiro em meio à correria da cidade. “Aqui é o pulmão da Penha, um lugar onde a gente tem uma qualidade de vida melhor, tanto para nós quanto para nossos filhos”, diz Wanda.
Beleza escondida na Zona Norte
"Eu digo que aqui é a zona rural da Penha", brincou Viviane Ferreira, de 41 anos, com um sorriso. A história da enfermeira com a APA começou em 2016, quando sua filha ainda era criança e Viviane levava a menina para brincar no local. Com o passar dos anos, a filha deixou de visitar a Fazendinha, mas ambas guardam com carinho as memórias construídas ali. O espaço, que antes era apenas delas, tornou-se, então, o lugar de Viviane.

“Eu trabalho na área da saúde, então só consigo participar das atividades nos finais de semana. Mas aqui é qualidade de vida”, afirma.
Viviane reconhece que grande parte dos moradores da região da Penha não sabe que o local existe. Segundo ela, essa invisibilidade não é por acaso: é consequência de um olhar histórico que marginaliza as periferias e privilegia outras regiões do Rio de Janeiro, como a Zona Sul, por exemplo. Zonas periféricas, como a Penha, muitas vezes são associadas exclusivamente à violência, enquanto suas riquezas ambientais, culturais e humanas são ignoradas.
“Sim, pode ser por conta da violência, mas pode ser também por conta da não divulgação do local, apesar de ter redes sociais”, opina ela. A enfermeira adora divulgar a Fazendinha para seus amigos e colegas de trabalho. Ela relata, com orgulho, que está sempre convidando gente para conhecer a APA: “Por onde eu passo, eu falo daqui”. Viviane conta que, ao mostrar as fotos do lugar, as pessoas ficam admiradas e que ela faz questão de ressaltar que é na Penha.
Viviane concorda que essa surpresa vem porque muitas vezes a Zona Norte é rotulada como um lugar sem atrativos. Mas a Fazendinha é um exemplo concreto de que é possível encontrar opções de lazer e de qualidade em áreas menos privilegiadas do Rio. Seu carinho pelo lugar é tanto que ela gosta de se referir à Fazendinha de uma maneira especial: “Eu digo que aqui é a minha selva”.
“A Fazendinha também é lugar de encontrar amor”, afirma Viviane. Ela descreve o ambiente como um lugar de encontros, de conhecer novas amizades e amores, já que durante uma de suas corridas, conheceu Wilson, seu atual companheiro, que trabalha e mora na APA. “Posso dizer que a fazendinha me proporcionou essa coisa tão boa, de conhecer um homem que está ao meu lado e que me faz muito feliz”, conta ela.
Cheiro, sabor, natureza e educação
Na horta agroecológica da Fazendinha, o cheiro marcante do manjericão recebe os visitantes. Não só o dele, mas também o da hortelã, do alecrim, da cidreira e de outras ervas presentes nos mais de 120 canteiros enfileirados e separados por espécies. Entre as abelhas e borboletas que ajudam a polinizar as plantas, folhas de coloração roxa também chamam a atenção de quem passa. São de batata doce, um alimento bastante conhecido e consumido na mesa dos brasileiros.

No espaço, outros alimentos como milho, quiabo, berinjela e couve podem ser encontrados. Todos orgânicos, cultivados sem nenhum aditivo agrícola, como explicou o biólogo e analista de projetos do SESC Anderson de Oliveira, de 45 anos, responsável pela área da Horta do SESC, da Fazendinha. "Não usamos nenhuma substância química industrializada ou nociva à saúde ou à própria natureza, e sim os conceitos dentro da ecologia para nos ajudar a produzir o que temos aqui", esclarece ele.
Ele relatou à equipe do Rampas que existem outras maneiras de controlar animais e doenças indesejadas que podem afetar a saúde dos alimentos cultivados: "Usamos a própria natureza para combater, como por exemplo: no caso da formiga, ela ataca as folhas das árvores de frutas cítricas, então se a gente quiser afastá-las, utilizamos o fumo, que é uma planta também. Fazemos o caldo e circulamos a planta. Temos também a couve, que é um alimento preferido das lagartas, e o que a gente faz com as lagartas? Nada, porque elas vão virar borboletas, que são agentes polinizadores que favorecem toda a minha horta.”

O principal objetivo da horta do SESC em parceria com a APA é ser referência em educação ambiental, como destacou Anderson. O lugar recebe alunos de várias escolas e universidades do Rio de Janeiro, oferecendo gratuitamente oficinas e cursos como forma de conscientizar as pessoas, principalmente a geração Z, já que esse grupo específico tem pouco ou nenhum contato com a natureza.
“A gente usa o conceito de agroecologia, um grande universo de saberes que usa a ciência moderna consultando a ciência antiga, dos antepassados, dos quilombolas, indígenas, e até o pessoal da roça, da vovó que tinha aquela cultura mais rústica. E hoje a gente sabe o que eles faziam, o que eles fazem funciona até hoje”, disse o biólogo.

Os alimentos cultivados na horta são encaminhados diretamente para o Mesa Brasil, programa de segurança alimentar e nutricional do SESC. A iniciativa conta com a parceria de empresas que doam excedentes de produtos, que são destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade previamente cadastradas.
Na Fazendinha também há animais como galinhas, cabras, porcos, vacas, pavões, coelhos, perus e porquinhos-da-índia. Eles ficam sob responsabilidade do curso de medicina veterinária da Universidade Castelo Branco.

Parabéns pela matéria. Gostaria de registrar meu agradecimento especial às alunas de Jornalismo da UERJ pela oportunidade de contribuir com a matéria sobre meio ambiente. Fico muito feliz em poder compartilhar experiências e fortalecer o debate sobre sustentabilidade e educação ambiental dentro da universidade.