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Febre do crochê conquista jovens e se espalha pela geração Z

Com a força das redes sociais e a busca por autocuidado, atividade ressurge como passatempo e negócio


 Por Catarina Ribeiro



Quem ainda acha que crochê é coisa de avó pode se surpreender ao abrir o TikTok. A hashtag #crochet já ultrapassa 1 bilhão de visualizações, impulsionada por tutoriais, desafios criativos e vídeos de “faça você mesmo”. A arte de crochetar ganhou nova vida nas mãos da geração Z, que compartilha online desde os primeiros pontos até peças personalizadas e autorais. Mais do que um passatempo, o crochê se tornou linguagem estética, expressão pessoal e até moda. Foi assim que Beatriz Miyashita (@beatrizmiyashita), de 27 anos,  ganhou visibilidade nas redes sociais. “Você pode comprar uma linha e uma agulha e a partir disso você faz muita coisa”, conta. 


A criadora de conteúdo, artesã e tatuadora já conta com mais de 75 mil seguidores no TikTok. Beatriz se destacou nas redes através dos seus vídeos que unem o universo do crochê com o empreendedorismo e autocuidado. 


Outro exemplo é Luana de Melo (@021lua), de 22 anos, que comanda sua própria loja online, a @moon_ccrochet e produz tutoriais voltados a iniciantes. “Eu comecei a gravar tutoriais porque tem muitas peças que eu crio que as pessoas não conseguem fazer só olhando a foto, sabe? Então comecei a gravar os vídeos para ajudar quem quer aprender como hobby”, explica.


A pandemia de Covid-19 teve papel decisivo nessa redescoberta do crochê. De acordo com o Google Trends, buscas por “crochê para iniciantes”, “como fazer crochê” e “ponto básico de crochê” dispararam a partir de março de 2020. Com mais tempo em casa, muitos jovens transformaram o crochê em refúgio emocional e, para alguns, também em profissão.

Quando a faculdade anunciou que as aulas seriam EAD, eu fui embora andando, passei por uma loja de artesanato e pensei: ‘Quer saber? Vou fazer um top de crochê’. Comprei uma linha e peguei uma agulha que minha tia tinha me emprestado e fui aprendendo por conta própria, usava alguns tutoriais e depois conforme fui pegando prática eu via algum modelo e já conseguia reproduzir e assim eu ia tentando”, relata. 


(Reprodução: Unsplash)
(Reprodução: Unsplash)

Esse crescimento do crochê nas redes não surgiu por acaso. Estimulados por vídeos curtos e esteticamente atrativos, muitos jovens se encantaram pela ideia de transformar fios coloridos em peças únicas e autorais. Além disso, o caráter acessível da prática, que requisita apenas uma agulha e um novelo de linha para começar, facilitou a adesão de quem buscava um passatempo no período pandêmico. 



O passatempo também caiu no gosto de jovens que buscam uma forma de cuidar da saúde mental e fugir das telas. “Muitas meninas falam, ‘Eu preciso me distanciar das telas, eu preciso aprender uma coisa nova que me distancie das telas’, e o crochê ajuda muito nisso”, conta Luana. Beatriz vai pelo mesmo caminho: “Eu acredito que essa geração mais jovem tem uma preocupação com saúde mental muito forte, é uma prioridade, essa parte de hobby e de lazer é uma coisa que vem grande com esse pessoal. Esses jovens não querem mais saber de trabalhar 12 horas por dia e descansar o resto. Hoje em dia é preciso conciliar o trabalho com lazer, com saúde mental”. 


Uma pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, publicada em 2022, reforça esse impacto positivo. O estudo analisou a prática de artesanato com fios, como crochê e tricô, durante a pandemia e mostrou que 83,6% dos participantes relataram redução de ansiedade e estresse, enquanto 94,4% notaram melhora na saúde mental. A atividade também foi associada a sensações de prazer, paciência e concentração.


Barraca de crochê da Vera na feira da praça da Cinelândia, em frente ao Teatro Municipal
Barraca de crochê da Vera na feira da praça da Cinelândia, em frente ao Teatro Municipal

Vera Lucia Grillo (@laurarteemcroche), de 67 anos, também vive do crochê  e sente na pele as transformações do setor. Crocheteira desde os 20 anos, Vera aprendeu com revistas que vinham com as receitas ilustradas. “A curiosidade me pegou. Minha mãe fazia tricô, eu faço tricô desde os 12 anos e quis aprender crochê também”, lembra. “Comecei com paninhos de prato, pequenas peças... e fui vendendo para amigas.”


Com mais de quatro décadas de prática no crochê, Vera acompanhou de perto as transformações da tradição que aprendeu ainda na infância. Além das mudanças no gosto do público, ela sentiu no bolso os impactos da modernização e, mais recentemente, da pandemia, que aumentou os custos de produção e afetou diretamente a venda das peças artesanais que até hoje ainda ajudam na sua renda. “Meninas até compram com a gente, mas não muito. Menina quer uma saia, um short, um top, não necessariamente o nosso forte, que são peças grandes, tapetes, jogos de banheiro, coisas que os mais velhos usam. Não saem como saíam há 2 anos atrás. Na realidade, o material do crochê triplicou de preço. Eu pagava 12 reais num rolo de barbante, agora está 30, 40. Quem gosta nunca deixou de gostar, de comprar e de usar. Agora, como a internet fez ele ficar em voga, aumentou a procura. Ao mesmo tempo, como tudo encareceu, você põe a obra de arte em segundo plano, em vez de eu comprar uma peça de crochê, vou comprar comida, pagar minha luz, minha água, meu telefone que triplicou de preço”, conta a artesã e feirante. 


O que para Beatriz, Vera e Luana começou como um passatempo virou também um negócio. “Hoje em dia, a loja é a principal fonte de renda. Eu também faço tatuagem, mas nos últimos tempos, como eu tô tendo bastante pedido, tô atendendo cada vez menos, o que é o contrário do que eu imaginei”, diz Beatriz. 


Luana também conta como foi essa virada de chave para ela. “Eu lancei uma coleção de verão, mas não sabia nem o que que eu tava fazendo, porque para você ter uma loja, uma marca, precisa estudar muito mais do que só o crochê, precisa estudar marketing, finanças, um monte de coisa. Eu lancei a coleção mesmo sem saber. E aí nesse mês eu fiz um bom dinheiro com encomenda, eu pensei: ‘Acho que eu posso trabalhar com isso aqui’”.


Mesmo sendo uma fonte de renda, ambas afirmam ainda encontrar prazer na prática. “Olha, antes de tudo o crochê na minha vida sempre foi para mim o meu escape. É minha terapia, sempre foi uma terapia. Quando eu ficava estressada, ia fazer crochê para acalmar e funcionava, funciona até hoje. Eu acho que é algo que deve ser passado adiante. Minha filha não faz, mas o meu neto vai fazer com certeza, que eu vou ensinar, eu to só esperando ele ter um pouco mais de de idade”, diz Vera. 



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