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Foto do escritorAlice Lichotti

Gramado sem glamour: a realidade do Bonsucesso Futebol Clube

Atualizado: 13 de abr.

Fora da Série A desde 2017, clube da Zona Norte do Rio tenta superar más gestões e voltar à elite do Carioca


Bandeirinha no corner do gramado. Foto: Alice Lichotti

A 700 metros da Estação de Bonsucesso, na Avenida Teixeira de Castro, número 24, fica a sede de um dos mais tradicionais clubes cariocas: o Bonsucesso Futebol Clube. Entre calçadas movimentadas e repletas de barracas de camelôs, na região da Praça das Nações, o sobrado branco com poucos detalhes em vermelho e anil passa despercebido ao público. No pátio, dois homens conversam enquanto três jogadores carregam caixas de verduras: “Aquilo ali não foi impedimento não, eles também não deram um pênalti nosso. Os caras [árbitros] são muito ruins, mas a gente também deu mole. Não jogamos bem, estávamos melhor que eles [o outro time], mas não jogamos bem.” A partida em questão era a derrota da equipe sub-17 do Bonsucesso por 2 a 0 para o Olaria, na manhã daquele mesmo dia (26), em partida válida pela Copa União. O confronto entre os dois times é um clássico na região da Leopoldina.


Fundado em 1913, o Bonsucesso sempre figurou entre a elite do futebol fluminense. Pela campanha no Carioca de 1968, o rubro-anil da Leopoldina ganhou o apelido de Fantasma dos Grandes quando, em pleno Maracanã, venceu o Flamengo, líder com 3 pontos de diferença para o Botafogo, por 2x0. A vitória forçou um novo jogo entre o primeiro e segundo colocados para decidir o título – e com gol de Maurílio, jogador revelado pelo Bonsucesso, o Botafogo levou o caneco. Mas, nos anos recentes, o Bonsucesso caminhou por linhas tortas e sofreu com a má administração. Em 2013, em razão de uma dívida milionária com o INSS, parte do terreno que abriga a sede da agremiação e o Estádio Leônidas da Silva foi a leilão. Arrematada por R$ 1,8 milhão pela 3 Relup Empreendimentos, empresa do ramo imobiliário, a área corresponde a 23 m² do campo de futebol, vestiários, ginásio e uma série de lojas que têm saída para a Avenida Teixeira de Castro.


Dos três últimos presidentes do clube, dois deles foram destituídos de seus cargos. Em 2017, Zeca Simões foi afastado por suspeita de improbidade administrativa. Já no final do ano passado, Nilton Bittar e toda a diretoria administrativa foram depostos por unanimidade pela Assembleia Geral, que não aprovou o balanço financeiro de 2021. Enquanto isso, o time profissional foi perdendo cada vez mais espaço no Campeonato Carioca. Atualmente na quarta divisão, o Cesso já bateu na trave algumas vezes na tentativa de retornar à elite. No ano passado, ficou a um ponto da zona de classificação para a semifinal da Série B2, que dá acesso à terceira divisão do Cariocão. Segundo Flávio Guilherme, vice-presidente de futebol profissional, a nova gestão pretende retomar a glória do clube dentro de um orçamento palpável, tendo um salário mínimo como média de pagamento. “Vamos trabalhar dentro do orçamento do Bonsucesso. A última gestão tinha salários de R$ 10 mil, não conseguia pagar e terminou cheia de dívidas trabalhistas”, declarou.


Arquibancada do Estádio Leônidas da Silva. Foto: Alice Lichotti

Escolinha, bloco e show para ajudar nas finanças


Com cerca de 300 sócios, número baixo para quem já atingiu a casa do milhar, o clube vai se mantendo. As atividades físicas oferecidas na sede social acabam sendo um trunfo nas finanças, pois muitos moradores da região frequentam as aulas de natação, hidroginástica e dança. Como clube de bairro, o Bonsucesso tem um papel social importante na Zona da Leopoldina, principalmente para os bairros de Bonsucesso, Ramos, Olaria, Complexo do Alemão, Manguinhos e Complexo da Maré. No último dia 23, a agremiação realizou uma feijoada em homenagem a São Jorge, com apresentação do grupo de samba Herdeiros da Coroa. Já no carnaval, retornou depois de dois anos com o Bloco do Sujo, uma realização do clube em parceria com o Movimento Por Um Novo Bonsucesso. O evento contou com participação especial do intérprete Pitty Menezes, campeão do Carnaval em 2023 com a Imperatriz Leopoldinense.


Mesmo sendo um clube pequeno, é conhecido como celeiro de bons jogadores. Além de ter revelado um dos primeiros ídolos do futebol brasileiro, o craque Leônidas da Silva, mais recentemente, o Bonsuça abrigou alguns jogadores bem conhecidos em sua base, como Jean Lucas (ex-Flamengo e atualmente no Monaco, da França) . Outro atleta que surgiu na equipe suburbana foi o atacante Lelê, revelação deste Campeonato Carioca com o Volta Redonda e atualmente no Fluminense. Por isso, a escolinha do clube é bastante requisitada. “Tem uma rádio comunitária, a Rádio Bonsucesso, que pega aqui o bairro, a Maré… A gente divulgou as inscrições pra escolinha lá, vieram mais de 500 pessoas, a arquibancada ficou lotada”, disse Flávio Guilherme sobre a última peneira. Ainda segundo ele, o Bonsucesso tenta dar maiores oportunidades para os moradores das comunidades locais, como a Maré e o Complexo do Alemão.


Entre picolés e sonhos


Na sala de reuniões, grande parte da diretoria do clube está presente, mas não há nada daquela pompa vista na gestão de outros times. De bermuda jeans, camisa polo e boina, o presidente Jorge Ribeiro Marques oferece água e Coca-Cola, enquanto Cláudio Menezes, presidente do Conselho Deliberativo, chega com uma caixa de picolés. Os jogadores entram mais tarde. O goleiro Josué Bittencourt é o primeiro. De camisa, short de tactel e nada nos pés, pega um picolé no freezer e senta para a entrevista. Atrás dele vem William Júnior, zagueirão do Cesso, vestindo regata do clube, short e chinelo. Eram eles que estavam mais cedo no pátio carregando as verduras para o almoço de inauguração da nova cozinha do clube. Os dois fizeram parte da equipe campeã invicta - eles ressaltam - da Série B2 do Campeonato Carioca Sub-20 de 2022, e atuaram também em alguns jogos do time profissional, que quase se classificou pro mata-mata da quarta divisão.


William Júnior, zagueiro do Bonsucesso. Reprodução: Wandré Silva

William é o mais velho, com 21 anos e é natural de Itaguaí, cidade da Baixada Fluminense onde deu os primeiros passos com a bola, ainda aos 9 anos de idade. Chegou ao Bonsucesso aos 12, mas vagou por alguns clubes como o América e o Atlético Pilar antes de retornar e se sagrar campeão com o rubro-anil. “O Bonsucesso foi o time que me acolheu”, disse o defensor. Além do gramado, William também é adepto das quadras, com passagens pelo futsal de Itaguaí e no consagrado Vasco da Gama. Flamenguista, ele tem o irônico sonho de jogar no rival Fluminense, mostrando que o pessoal não tem nada a ver com o profissional. “Minha cor favorita é verde. Quando fui fazer peneira lá, eu vi aquilo tudo, as cores, e falei: “Eu quero jogar aqui!”, conta aos risos. Ele lembra que, durante uma má fase e sofrendo críticas, pensou em desistir do futebol, mas teve o apoio da família para seguir na caminhada: “Foi difícil, as coisas não estavam dando certo. Ouvi muitas críticas, por causa da minha idade, que já tava muito velho”, relembrou William.


Canhoto e de incríveis 1,90m, o jogador já está sendo sondado por clubes europeus, como o Royal Antwerp, na Bélgica. O vice de futebol conta que o interesse do clube belga surgiu de forma engraçada. “Um olheiro deles veio aqui assistir uns jogos, mas chegou bêbado. Num calor de 40º, o gringo tinha bebido uns quatro copos de caipirinha, começou a passar mal, assistiu ao jogo todo com um saco de gelo na cabeça. A gente achou que ele nem tinha visto nada direito, mas no final ele levantou e apontou: “Eu quero o camisa 4”. Na época, a janela de transferências europeia já estava fechada, mas o clube segue acompanhando o garoto.


Josué Bittencourt, goleiro do Bonsuça. Reprodução: Wandré Silva

Também de Itaguaí, o goleiro Josué, de 20 anos, jogou com o amigo na maior parte da carreira, exceto quando se aventurou no Anapolina, de Goiás. Começou a bater bola ainda criança, mas era atacante. Por indicação de outras pessoas, que viram que o garoto agarrava bem, trocou a posição ofensiva para ficar embaixo das traves, defendendo o gol do Leão da Leopoldina. Muito religioso, o jogador disse que já pensou em desistir da bola duas vezes e que a parte financeira foi o principal motivo, pois precisa ajudar a família e só com o futebol não estava conseguindo. Ele aponta que a religião foi muito importante para que ele conseguisse forças para continuar: “Futebol é fase, e tava difícil, mas Deus é maravilhoso, o espiritual é muito importante”. Vascaíno desde sempre, não pensou duas vezes antes de responder que o cruzmaltino de São Januário é o time dos seus sonhos.


Como qualquer jovem, os dois gostam de ir à praia, fazer trilhas, dar passeios no shopping, ir à igreja e passar tempo com a família, o que eles só podem fazer aos finais de semana, quando voltam para casa. William e Josué moram no alojamento do clube, onde ficam de segunda a sexta. Isso reduz o custo com o transporte e também o estresse da jornada até o clube. Caso fossem diariamente para a sede do Bonsucesso, eles teriam que pegar dois transportes e levariam cerca de 2h20 no caminho, fora o gasto diário que poderia variar de R$ 9,45 a R$ 12,10. O alojamento tem espaço confortável para quatro pessoas, mas a diretoria do clube pretende expandir as acomodações para acomodar de oito a dez garotos, no máximo.


Segundo o Boletim Informativo de Registro de Atletas (BIRA), o Bonsucesso tem 50 jogadores, a maioria entre 15 e 16 anos, registrados como amadores na Federação de Futebol do Rio de Janeiro (FERJ). Os elencos de base do Bonsuça são os únicos que jogam o ano todo – recebendo apenas uma ajuda de custo com a passagem. A temporada do time profissional vai de setembro a novembro, e a agremiação não tem condições financeiras de pagar salários aos jogadores durante o ano inteiro, como fazem os clubes de maior investimento. A formação da equipe que disputará a série B2 do Campeonato Carioca começará em maio e os jogadores serão apresentados em junho. A seleção será feita por duas vias: indicação de profissionais conhecidos do clube e observação dos jogos da série C do Carioca, que realiza parte dos jogos no campo do Bonsucesso.


Enquanto a quarta divisão não começa, são os garotos que dominam os gramados do Estádio Leônidas da Silva. O sub-17 está disputando a Copa União, mas visando o Campeonato Carioca da categoria, que começa já no próximo mês de junho, a equipe renovou a sua comissão técnica. O técnico da vez é André Horta, filho do ex-presidente do Fluminense Francisco Horta e supervisor da Seleção Brasileira Sub-15 e 17, em 2011/2012. Já o cargo de auxiliar técnico ficou com Diego Espindola, que vem do Ceres, clube da Série C. De acordo com ele, nessa fase inicial de trabalho, a comissão técnica está fazendo uma identificação dos jogadores. “Como chegamos no meio do campeonato, estamos trabalhando na identificação do potencial de cada jogador para começar a preparação para o Carioca”, declarou.


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