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Guarda Municipal Armada, polêmica à vista nas ruas do Rio

Câmara de Vereadores aprovou lei que permite armar força municipal; decisão gera tensão e incertezas


Por Larissa Moura


Projeto que autoriza armamento da Guarda Municipal do Rio é aprovado — Foto: Prefeitura do Rio 
Projeto que autoriza armamento da Guarda Municipal do Rio é aprovado — Foto: Prefeitura do Rio 

A aprovação, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, da emenda que permite o armamento da Guarda Municipal (GM) trouxe reações divididas — principalmente entre os guardas. A proposta foi aprovada em segunda votação no dia 23 de abril, com 41 votos a favor e 5 contra. A lei já foi promulgada e autoriza a GM do Rio a usar armas de fogo nas atividades de segurança pública, especialmente na proteção de bens, serviços e instalações municipais. 


A atuação armada da Guarda Municipal do Rio de Janeiro deve começar somente em 2026. Inicialmente, a previsão era de que a primeira turma passasse pelo treinamento ainda em 2025 e estivesse nas ruas no início do ano seguinte. No entanto, o cronograma pode ser adiado, já que a implementação depende da aprovação de um projeto de lei complementar que vai regulamentar o uso de armamento pelos agentes da corporação.


O Rio de Janeiro não será o primeiro município com guarda municipal armada. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, cerca de 18% das Guardas Municipais do país já utilizam armamento letal, principalmente em cidades como São Paulo, Curitiba e Campinas. Em São Paulo, por exemplo, a GCM é armada desde 2004. Contudo, especialistas como Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alertam que a formação desses agentes nem sempre é adequada para o uso de armas de fogo, o que eleva o risco de abusos e acidentes.


Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o aumento da circulação de armas está diretamente associado ao maior número de mortes violentas, inclusive envolvendo agentes de segurança. O estudo de 2023 apontou que o Brasil registrou aumento de 16% no número de mortes por armas de fogo após o afrouxamento da política de controle de armas no país.


No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) justificou a medida afirmando que a Guarda terá um treinamento específico, mas os detalhes ainda não foram amplamente divulgados. 


A medida tem causado reações distintas. Em entrevista ao Rampas, um guarda municipal de 40 anos, morador do Complexo da Maré, relatou os dilemas que enfrenta diante dessa mudança. Por medo de represálias, preferiu não se identificar. Trabalhando há 14 anos como guarda, contou que sua história de vida — morar em favela e trabalhar na linha de frente da fiscalização urbana — molda sua crítica ao projeto: "Acho que sempre achei que não se resolve o problema da criminalidade com mais armas. Mais armas só pioram o controle. A pessoa com arma na mão se torna mais agressiva, intolerante e descontrolada, vejo isso aqui com alguns que portam armas de fogo".


Para o guarda, os dados não refletem nada mais que seu cotidiano. Morando na Maré, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio, descreve que o olhar dos vizinhos já mudou: "Assim que entrou a pauta do armamento da Guarda, as pessoas começaram a me olhar diferente, estranho. Sabemos como é a norma na comunidade." A insegurança é tanta que ele cogita ter que sair da favela, ainda que o salário limitado de guarda municipal mal cubra as despesas básicas: "Nem sei se vou poder continuar morando aqui. O salário baixo não dá pra pagar aluguel, condomínio, escola..."Um projeto antigo, mas cheio de lacunas 


A aprovação da emenda foi duramente criticada por lideranças políticas e especialistas em segurança pública. A vereadora Monica Benício (PSOL), ativista de direitos humanos e defensora histórica das favelas e periferias, conversou com o Rampas e classificou a aprovação como um grave retrocesso: "A autorização para o uso de armas de fogo pela Guarda Municipal é um retrocesso para a nossa cidade. O belicismo estrutural da extrema-direita se encontrou com o oportunismo de Eduardo Paes na sua corrida ao Palácio Guanabara. Argumentos técnicos e constitucionais, como os trazidos pelo Ministério Público Federal e a Defensoria Pública, foram ignorados."


Para a vereadora, o armamento da GM representa uma ameaça especialmente para as favelas e periferias: "Em 32 anos de história da Guarda Municipal, já colecionamos episódios de violência contra camelôs e ambulantes. Agora, a autorização para portar armas de fogo torna essa relação ainda mais dramática". 


Monica também vê com preocupação o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhece a participação das guardas municipais no sistema de segurança pública: "O STF reconheceu que a GM pode fazer policiamento ostensivo, mas isso não transforma a Guarda em uma nova força policial. Ainda assim, a decisão abre margem para interpretações eleitoreiras, como o projeto de Eduardo Paes de criar a 'Força de Segurança Municipal', que prevê a contratação de militares da reserva".


A vereadora enxerga o armamento da guarda como uma "bomba-relógio": "Um guarda municipal armado, sem controle e sem condições de trabalho adequadas, é uma ameaça real, sobretudo para as populações negras, pobres e faveladas". Ela também destacou a falta de participação popular no debate: "A sociedade civil foi deixada de fora. Toda a tramitação foi resolvida nos bastidores, com uma aliança entre a base de Eduardo Paes e a extrema-direita bolsonarista."


A vereadora Monica Benício durante a votação que aprovou o armamento da Guarda Municipal, em 23 de abril, na Câmara Municipal do Rio. Foto: Mariana Moraes
A vereadora Monica Benício durante a votação que aprovou o armamento da Guarda Municipal, em 23 de abril, na Câmara Municipal do Rio. Foto: Mariana Moraes

A Guarda é armada e o medo também


Não diferente do que a vereadora imagina. Na prática o plano de armamento traz mais pressão interna, externa e emocional para os guardas e a sociedade. De acordo com o guarda morador da maré: "Minha roda de amigos e vizinhos falam: 'A Guarda vai armar, né? Você vai continuar morando aqui?' É complicado viver nesse turbilhão." Criada pela Constituição de 1988 para a proteção de bens e instalações municipais, com ações de apoio à segurança pública, mas sem caráter militarizado, a Guarda, segundo ele, se distancia ainda mais de seu propósito original: "O prefeito usa a gente como instrumento político. Agora, com arma na mão, pode virar tragédia."


Na prática, a rotina — já marcada pela cobrança excessiva, pelas escalas desumanas e pelo medo da violência — se torna ainda mais instável: "A vida do Guarda Municipal no RJ hoje é uma das piores profissões. E com o armamento, vai piorar."


Nas ruas do centro do Rio, a camelô Maria dos Camelôs, que trabalha há mais de 20 anos como ambulante, também teme os impactos do armamento da Guarda sobre os trabalhadores informais. Relatou ao Rampas o medo de que a medida traga mais repressão: "A gente já sofre todo dia com a violência da Guarda mesmo sem eles armados. Imagina agora, com arma? Vão usar o medo pra tirar a gente das ruas. Eu trabalho pra sustentar meus filhos, não sou criminosa." Para Maria, a decisão agrava ainda mais a exclusão social que camelôs e ambulantes já enfrentam: "Querem apagar a nossa existência, como se a gente não tivesse direito de trabalhar. Agora, com medo de levar tiro, vai ter gente que nem vai tentar vender mais."


Integrantes do Movimento Unido dos Camelôs (MUCA) realizam ato em frente à Igreja de São Francisco da Penitência, no Centro do Rio de Janeiro, em defesa do direito ao trabalho e contra a repressão aos vendedores ambulantes. Foto: Reprodução / Redes
Integrantes do Movimento Unido dos Camelôs (MUCA) realizam ato em frente à Igreja de São Francisco da Penitência, no Centro do Rio de Janeiro, em defesa do direito ao trabalho e contra a repressão aos vendedores ambulantes. Foto: Reprodução / Redes

Para o guarda da Maré, o problema vai além da formação técnica: é estrutural e social. Ele relata a preocupação em circular armado pelas ruas da comunidade e nos transportes públicos: "Imagina eu ir trabalhar armado, passando por boca de fumo, bailes funk, ônibus lotado na Avenida Brasil... E se acontecer um assalto dentro do ônibus? Como reagir com uma arma na mochila?".


Questionada sobre as próximas ações, a vereadora afirmou que a bancada do PSOL irá acompanhar de perto a implementação da medida e trabalhará pela criação de mecanismos de controle externo, como uma Ouvidoria independente eleita pela sociedade civil. Apesar do cenário desfavorável, Monica mantém a esperança na mobilização social: "A luta coletiva, o processo pedagógico e a resistência popular serão essenciais para reverter esse cenário de militarização e violência."

Assim como o guarda da Maré e a vereadora Monica Benício, Maria reforça a necessidade de organização coletiva: "Só a união dos trabalhadores, das favelas, das mães, é que pode impedir que eles usem essas armas contra a gente."


O Rampas procurou a assessoria da Guarda Municipal do Rio e vereadores favoráveis à lei, mas não houve retorno até o fechamento da matéria.



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