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Jovens denunciam racismo ambiental no aniversário de São Gonçalo

Por Lara Soares


Alunas do Clélia Nanci protestam contra racismo ambiental durante desfile cívico. Foto: Instituto de Educação Clélia Nanci.
Alunas do Clélia Nanci protestam contra racismo ambiental durante desfile cívico. Foto: Instituto de Educação Clélia Nanci.

No aniversário de 135 anos do município de São Gonçalo, estudantes do Instituto de Educação Clélia Nanci transformaram o tradicional desfile cívico em um ato de denúncia do racismo ambiental. “Favela alagada, floresta em extinção, racismo ambiental não é só poluição”, gritaram eles em frente ao prédio da Prefeitura. O vídeo viralizou nas redes e explicitou algumas questões - como o desconhecimento sobre o conceito de racismo ambiental e a urgência de combater a desigualdade socioambiental na cidade.


Racismo ambiental é o termo usado para descrever como os impactos negativos da degradação ambiental atingem de forma desigual determinados grupos sociais. A professora Samanta Cunha, que discutiu o tema em sala de aula, explicou aos alunos que a expressão permite falar também da desigualdade na distribuição dos impactos ambientais. É o que acontece, por exemplo, quando populações periféricas, majoritariamente negras, sofrem mais com poluição, falta de saneamento, enchentes, degradação de territórios e ausência de políticas públicas adequadas. Samanta destaca que o fenômeno também afeta quilombolas e povos indígenas, cujas áreas são constantemente ameaçadas, evidenciando desigualdades estruturais que vão além da esfera urbana.


Foi isso tudo que os estudantes do Instituto Clélia Nanci levaram para o desfile. Capitã de um dos pelotões que desfilou no evento, Camille Vitória da Silva de Souza, aluna da turma 3001, descreveu sua experiência como única e emocionante. Ela destacou que ser capitã não significava apenas representar a escola, mas conduzir os colegas na organização de todo o desfile. “Foi o último desfile da minha vida escolar e eu quis dar o meu melhor. Foi como dar voz a algo que muitas vezes é silenciado. Queríamos que o desfile tivesse um significado além da estética”, disse Camille. Segundo ela, os estudantes participaram ativamente de toda a organização, definindo a disposição dos pelotões, ensaiando a coreografia, criando cartazes e palavras de ordem, além de idealizar e coordenar o grito coletivo sobre racismo ambiental. O público reagiu emocionado, com aplausos e olhares atentos à mensagem.


Aluna Camille Vitória da Silva de Souza, no desfile cívico em comemoração aos 135 anos da cidade de São Gonçalo. Foto: Instituto de Educação Clélia Nanci.
Aluna Camille Vitória da Silva de Souza, no desfile cívico em comemoração aos 135 anos da cidade de São Gonçalo. Foto: Instituto de Educação Clélia Nanci.

A professora Samanta Cunha, que atua no coletivo de educação antirracista Portal da Consciência e coordenou o tema anual de 2025, racismo ambiental, explicou que o Instituto de Educação Clélia Nanci trabalha, a cada ano, o tema definido pelo Portal da Consciência, levando-o para o desfile cívico como uma representação do trabalho desenvolvido ao longo do ano. O Portal da Consciência, fundado há 19 anos, promove debates e atividades sobre etnia, raça e cidadania, com ações pedagógicas em sala de aula, oficinas literárias, produção textual e manifestações públicas. Em 2025, o foco do projeto anual foi o racismo ambiental, tema que os estudantes puderam explorar em diversas disciplinas e atividades práticas, incluindo sustentabilidade, reciclagem, preservação de espaços públicos e leitura de autores negros e periféricos.


Bandeira do projeto Portal da Consciência, presente no desfile cívico que ocorreu em São Gonçalo. Foto: Instituto de Educação Clélia Nanci.
Bandeira do projeto Portal da Consciência, presente no desfile cívico que ocorreu em São Gonçalo. Foto: Instituto de Educação Clélia Nanci.

Samanta ressaltou a importância do engajamento dos alunos para além do desfile. “Os estudantes desenvolveram habilidades de organização, liderança e expressão coletiva, e se tornaram protagonistas do processo. A experiência permite que compreendam seu papel enquanto cidadãos e a importância de reivindicar direitos”, disse. Camille afirmou que a experiência transformou sua percepção sobre seu papel como cidadã e estudante. “Muitos falaram que se sentiram orgulhosos e que valeu a pena todo o esforço e os ensaios. Percebi que posso ser agente de mudança, que posso usar a escola e a minha voz para lutar por justiça.”


Dados do município mostram que São Gonçalo enfrenta desafios significativos no saneamento básico e vulnerabilidade ambiental. Estudos indicam falhas na coleta e tratamento de esgoto, além de enchentes frequentes em bairros periféricos. Em fevereiro de 2023, a cidade registrou cerca de 143 incidentes de alagamentos e deslizamentos, com centenas de pessoas deslocadas, segundo registros da Defesa Civil municipal. Moradores de bairros como Alcântara e Neves relatam que, em períodos de chuva intensa, muitas ruas ficam alagadas e casas são atingidas por enchentes, obrigando famílias a buscar abrigo temporário em casas de parentes ou abrigos municipais. Essas situações reforçam a urgência de políticas públicas eficazes e planejamento urbano mais inclusivo.


O crescimento acelerado de São Gonçalo nos últimos 50 anos, especialmente em áreas periféricas, contribuiu para o aumento da vulnerabilidade ambiental. Expansão urbana desordenada, ocupações irregulares e falta de infraestrutura adequada tornaram essas regiões mais suscetíveis a enchentes, erosão e poluição, evidenciando desigualdades históricas na forma como o espaço urbano foi planejado.


Samanta ressaltou a importância de discutir o tema em espaços educacionais e públicos. “É urgente que a pauta climática seja encarada com seriedade pelo poder público e necessário considerar as particularidades do município ao debater o tema. O desfile cívico é um evento que aglutina a população e pode ser um momento para levantar reflexões sobre o lugar onde vivemos.” Camille acrescentou que a juventude pode se engajar e transformar realidades. “Quando outros jovens veem que é possível se expressar e levantar uma bandeira de luta, isso dá coragem para que façam o mesmo.”


O protesto realizado pelos estudantes do IECN não apenas denunciou as desigualdades ambientais em São Gonçalo, mas também evidenciou o poder da educação e da juventude na promoção de mudanças sociais. Ao levar o debate sobre o racismo ambiental para as ruas da cidade, os alunos e professores reafirmaram o compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e consciente de suas responsabilidades socioambientais, inspirando reflexão, engajamento e ações concretas na comunidade.


O registro do manifesto, que viralizou nas redes sociais, pode ser assistido no perfil oficial do IECN no Instagram clicando aqui.





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