Iniciativas públicas ajudam a combater os efeitos das enchentes na capital e reduzir efeitos das mudanças climáticas - mas ainda estão longe de beneficiar toda a cidade
Em uma noite chuvosa de fevereiro de 2020, o estudante Ryan Barroso, morador de Santíssimo, na Zona Oeste, viu sua casa ser tomada por uma inundação. A água começou a entrar pelos ralos da casa até tomar conta de todo o local. Em quatro anos, Ryan não percebeu nenhuma ação da prefeitura para evitar novos alagamentos na região.
Segundo Ryan, a família tem medo de que novas inundações atinjam a casa em dias de chuva intensa: “Não precisa nem estar no verão, sempre que chove mais forte o medo volta, e a gente começa a olhar os ralos para saber se está entrando água. Sempre dá um medo”, afirma ao Rampas.
A situação de Ryan e sua família é a mesma de milhares de cariocas, principalmente no período mais chuvoso, de novembro a março. Cerca de 438 mil domicílios do Rio estão em áreas de alto risco de inundações, segundo dados da Casa Fluminense, associação sem fins lucrativos que atua para a articulação de soluções para os problemas urbanos enfrentados pela população do estado do Rio.
Mais natureza, menos inundações
Em julho deste ano, o prefeito Eduardo Paes (PSD) sancionou parcialmente a lei nº 8.465, que adota no município o conceito de cidade-esponja - uma cidade que utiliza soluções baseadas na natureza para gerir as águas da chuva, como forma de mitigar os efeitos das enchentes. Dentre as estratégias adotadas está o uso de pavimentos permeáveis e a instalação de jardins de chuva, equipamentos que levam a água diretamente para o solo, sem sobrecarregar os sistemas de drenagem existentes.
Segundo Cleber Marques, doutor em geografia e professor da UFRRJ, as soluções baseadas na natureza buscam devolver ao solo a capacidade de absorção da água. O geógrafo diz que, em muitas cidades, o caminho natural da água foi afetado: “As cidades são artificiais, com concreto, asfalto e prédios. A ideia da cidade-esponja é tornar as cidades mais naturais, com mais áreas verdes”, explica.
As primeiras experiências de cidades-esponja foram desenvolvidas na China, em 2014, após sucessivas inundações atingirem o país. O objetivo é integrar o ambiente urbano à natureza, utilizando, por exemplo, nos prédios, os chamados telhados verdes, estrutura com plantas que vai no teto de prédios, diminuindo a velocidade de vazão da água e não sobrecarregando o sistema de drenagem existente. O telhado verde diminui a quantidade de água que vai para a rua. Além de prevenir enchentes, os equipamentos da cidade-esponja ajudam a diminuir os efeitos das ilhas de calor, aumentando a área verde de grandes centros urbanos.
A aplicação desse conceito embasou o projeto recém-concluído de naturalização da Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul, que tenta devolver ao corpo d'água a configuração original, tirando aterros e valorizando a vegetação que havia antes. Duas áreas já foram recuperadas, uma em frente à avenida Epitácio Pessoa e outra próxima ao Parque dos Patins. Os dois locais somam 2,5 mil metros quadrados de área que recebe a cheia da lagoa em dias de chuva intensa, evitando enchentes nos parques e avenidas da região.
Segundo Júlia Rangel, estudante e moradora da região, quando chove muito a ciclovia em volta da lagoa fica alagada por dias, sendo perceptível a redução das enchentes nos últimos meses. “Perto do parque dos patins, acho que os alagamentos ainda vão melhorar, mas próximo dos pedalinhos, a situação já melhorou”, conta.
Passos lentos
Por mais que as cidades-esponja sejam eficientes, ainda não há previsão de expansão desse tipo de investimento para outros territórios da cidade, especialmente nas Zonas Norte e Oeste, regiões que, juntas, somam 5,5 milhões de habitantes – 88,7% dos 6,2 milhões de toda a capital.
O vereador William Siri (PSOL), presidente da Comissão de Emergência Climática da Câmara e autor do projeto de lei da cidade-esponja, afirma ao Rampas que é preocupante o fato de tais ações ainda não beneficiarem as áreas mais problemáticas da capital e sua população. “Essa exclusão agrava ainda mais a desigualdade ambiental e aumenta a vulnerabilidade de milhares de famílias”, explica.
Cleber Marques explica que, para haver impacto positivo, as soluções da cidade-esponja precisam ser aplicadas em grande escala: “Esses exemplos ainda são muito pontuais, atingindo apenas algumas ruas. Não tem como reverter essa questão das inundações só com essas ações. A construção de um ideal novo de cidade requer tempo e isso deve começar desde já, sobretudo onde a cidade cresce, como na Zona Oeste, que é uma área muito vulnerável”, conta.
De acordo com o último Censo, os subdistritos de Guaratiba, Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Santa Cruz e Campo Grande foram os que mais tiveram aumento populacional na última década. Todos estão na Zona Oeste.
William Siri (PSOL) enfatiza que o orçamento voltado para as mudanças climáticas no Rio ainda é pequeno e não cobre a expansão das soluções da cidade-esponja. “Para 2025, a prefeitura apresentou um orçamento climático que deveria financiar ações contra as mudanças climáticas, mas está aquém do necessário. Com isso, não há previsão de recursos para a adoção da cidade-esponja”, afirma William.
Para 2025, a prefeitura propôs um orçamento climático de R$ 3,7 bilhões, dinheiro que contempla principalmente ações paliativas, como limpeza de rios, saneamento básico e coleta de lixo, além de ações voltadas para a conscientização climática. O orçamento está em discussão na Câmara.
Ryan Barroso, estudante afetado pela inundação, ainda não viu as aplicações da cidade-esponja em Santíssimo, mas tem esperança nas soluções verdes: “A gente se sente excluído, mas não é uma sensação que a gente não esteja acostumado. Mas também tenho esperança, pois, se a cidade-esponja der certo em outros locais, talvez comece a ter aqui na Zona Oeste”.
Urbanização colabora para inundações
Em 2024, as inundações na cidade do Rio afetaram especialmente a população dos bairros cortados pelo rio Acari, região que sofre com o problema desde a década de 1970. Segundo a associação de moradores de Acari, a inundação de janeiro atingiu pelo menos 20 mil famílias da região. Em alguns pontos, a altura da água chegou a dois metros.
Para Cleber Marques, o principal problema do rio Acari são as alterações feitas por conta da urbanização. Segundo o geógrafo, a população na região dobrou entre as décadas de 50 e 60. “Desde a década de 50, o rio Acari passou por canalizações e retificações. O rio não era reto como é hoje, essas alterações foram feitas para ganhar espaço, para a construção de loteamentos, estabelecimentos e fábricas”, explica.
Segundo a prefeitura, a região de Acari ainda sofrerá com inundações nos próximos dois anos, pelo menos. Um conjunto de obras voltado à extensão da calha do rio será realizado e aguarda os trâmites administrativos, sendo parte do financiamento, R$ 350 milhões, oriundo de recursos federais do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Outra área problemática é o Jardim Maravilha, em Guaratiba. O local, que não tem ruas asfaltadas, possui cerca de 23 mil habitantes. A região sofre com a falta de saneamento básico e de um sistema de drenagem; além disso, há várias moradias nas margens do rio Piraquê. Para tentar resolver os problemas da região, a prefeitura anunciou a construção de um dique ao redor do rio. A obra tem previsão de investimento na ordem de R$340 milhões, também financiada pelo PAC.
Cleber Marques explica que, por mais que as obras sejam importantes, elas devem vir acompanhadas de outras políticas públicas: “As soluções nem sempre estão atreladas a essas grandes obras, elas são soluções pontuais. Também é preciso pensar em políticas de habitação, reciclagem, saúde e educação”.
O geógrafo afirma que soluções unindo lazer e prevenção podem ser mais efetivas para a região, como a construção de parques, estrutura que faz parte da cidade-esponja. O parque linear é uma instalação construída seguindo o leito do rio; funcionaria como parque em dias de sol e como área alagável em dias de chuva. No Brasil, o Parque Barigui, em Curitiba, segue o conceito de parque alagável e evita inundações na região.
Impactos também nas ruas
Anabella Léccas, estudante de relações públicas na Uerj, mora em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e relata já ter sofrido com enchentes também na capital, como nas vezes em que ficou ilhada na Uerj, na região da Grande Tijuca, em 2022 e em 2023. “Aqui alaga tudo. Você não tem muita saída, às vezes a melhor opção é ficar dentro da Uerj mesmo, esperando a chuva passar e a água descer”, conta. Nas duas vezes em que ficou ilhada, o tempo de espera para poder voltar para casa foi de cerca de três horas.
A região da Grande Tijuca passou por diversas intervenções urbanas, alterando o trajeto original dos rios, processo conhecido como canalização. Nele, o leito dos rios – que originalmente é de terra e sinuoso – passa a ser concretado e reto. Além das canalizações, muitos rios da cidade foram completamente alterados e deixaram de existir.
O geógrafo explica que as canalizações colaboraram para a ocorrência de inundações: "Se a gente torna o leito do rio reto, a gente tira a área original dele. Em uma cidade extremamente impermeável, sem a cobertura original de árvores, todo o volume de chuva vai rapidamente para as galerias pluviais, chegando rapidamente no foco da região”.
Para prevenir alagamentos em zonas já urbanizadas, o conceito de cidade-esponja pode ser aplicado através de telhados verdes, para diminuir a velocidade de vazão da água para a rua e não sobrecarregar o sistema de drenagem.
No Rio, G20 discutiu financiamento de soluções
Durante o Urban 20, evento que reuniu prefeitos no G20, o prefeito Eduardo Paes (PSD) disse que o principal desafio das cidades no contexto das mudanças climáticas é o financiamento das ações de mitigação contra enchentes. Ele defendeu que o tema seja tratado como prioritário. Na declaração final da cúpula do G20, os líderes mundiais se comprometeram a avançar no incentivo em soluções baseadas na natureza. Além disso, foi reafirmado o compromisso de limitar o aquecimento global a pelo menos 2ºC.
Ao Rampas, a Fundação Rio-Águas, responsável pela rede de drenagem da cidade, disse que há investimento em soluções baseadas na natureza, como a naturalização da lagoa Rodrigo de Freitas e a instalação de jardins de chuva e canteiros drenantes em São Conrado, Jacarepaguá e Leblon. Além disso, a fundação afirma que os parques recém inaugurados e em construção nas Zonas Norte e Oeste – Carioca/Pavuna, Realengo, Oeste e Piedade – aumentam a área permeável do município, evitando alagamentos nessas regiões.
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