Maracanã, o vizinho que não deixa ninguém dormir

Moradores enfrentam rotina de caos e calmaria ao lado do estádio mais famoso do Brasil

Por Sthefano Lima

Movimentação intensa no entorno do Maracanã em dia de jogo. Para os moradores, o evento significa bloqueios, barulho e uma rotina temporariamente suspensa. // Foto: Prefeitura Rio

Morar ao lado do Maracanã — ícone do futebol mundial e símbolo carioca — parece um privilégio. Para muitos, é um sonho de infância. Mas, para quem vive no entorno, como o estudante Gabriel Marchiori, de 21 anos, a realidade é bem diferente. “Em dia de jogo, a gente já sabe: não dá para sair de casa de carro. É um tumulto enorme, muita gente bêbada, gritando, e, às vezes, até confusão”, desabafa. Antes mesmo do apito inicial, a vida no bairro muda de ritmo. As ruas são bloqueadas, o trânsito vira um teste de paciência e a segurança se torna uma preocupação constante. “Às vezes, mesmo para entrar em casa, a gente precisa provar que mora aqui. E estacionar? Esquece! Ou sai cedo ou fica preso”, conta Gabriel.

Mas nem só de estresse vive o Maracanã. Nos dias sem eventos, o bairro ganha outra cara. É como se duas realidades coexistissem no mesmo CEP. "Parece até outro lugar. Dá pra caminhar com o cachorro, fazer exercício. É calmo, silencioso", diz Gabriel, com um misto de alívio e resignação.

O gigante de concreto, porém, não é o único protagonista da vida local. O Complexo Esportivo do Maracanã, que inclui o Maracanãzinho e o Parque Aquático Júlio Delamare, também faz parte do cotidiano dos moradores — e oferece oportunidades valiosas de lazer e saúde. O parque funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 22h, com aulas gratuitas de natação, hidroginástica e outras modalidades. A programação é variada e acessível, mas esbarra no mesmo problema que assombra o bairro: a superlotação em dias de jogo.  

Torcedores se aglomeram nas proximidades do Maracanã antes de uma partida. Em dias como esse, os moradores enfrentam dificuldades para circular, acessar suas casas e manter a rotina. // Foto: Agência Brasil

A professora Cláudia Ribeiro, 34 anos, é frequentadora assídua do Parque Aquático. “Faço hidroginástica três vezes por semana. É ótimo, gratuito e bem organizado. Só que, quando tem jogo, fica impossível chegar ou sair na hora. Já perdi aula porque não conseguia andar pela rua com tanta gente”, conta. Para ela, o espaço é essencial. “Faz diferença para a saúde e o bem-estar. O problema é a falta de divulgação e, claro, o caos nos dias de estádio cheio. Aí ninguém aguenta.”

Carlos Mendonça, 46 anos, conhece bem esse dilema. Morador da região há mais de duas décadas, ele fala com a sabedoria de quem já viu de tudo. “A gente se acostuma, mas nunca se conforma. Em dia de jogo grande, parece que a casa virou parte do estádio. É buzina, gritaria, gente urinando na rua. Mas também tem o lado bom. O Parque Aquático, por exemplo, é excelente, ajuda a manter o bairro vivo.” Carlos, por exemplo, participa das aulas de natação no início da noite. “O horário encaixa bem com meu trabalho. Mas, se tem jogo, já sei que vai ser uma batalha para chegar ou sair”, comenta.

A convivência com o estádio mais famoso do país e um dos mais famosos do mundo exige resiliência e uma certa dose de paciência. Para quem mora ali, cada clássico, cada show ou evento de grande porte transforma o bairro em um campo de batalha urbano, onde o cotidiano é interrompido por bloqueios, multidões e desorganização. E mesmo com o charme de morar ao lado de um ícone nacional, os desafios práticos frequentemente pesam mais que o prestígio. O Maracanã, majestoso e barulhento, é parte do cenário — mas nem sempre do sossego.