Na contramão da violência: escolinha de futebol transforma vida de crianças da Vila Kennedy
- Raquel de Sousa
- 23 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 6 dias
Na comunidade da Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma escolinha de futebol está mudando a realidade de muitas crianças. Fundada há 16 anos pelo morador Marcos Antonio Rodrigues da Silva, mais conhecido como Marcão, a escolinha "Rumo ao Estrelato" oferece muito mais do que apenas treinos com bola. O projeto se consolidou como um espaço seguro para crianças e adolescentes, afastando-os das influências do crime e abrindo caminhos para novas oportunidades.

Marcão abriu a escolinha de forma voluntária, motivado pelo desejo de proporcionar uma oportunidade esportiva ao seu filho, Marcos Jr., e a outras crianças da comunidade. No começo, eram poucos alunos, e os recursos eram limitados. No entanto, com o apoio de mototaxistas locais e o envolvimento da própria comunidade, ele conseguiu patrocínio para uniformes e torneios.
Atualmente, o "Rumo ao Estrelato" faz parte do Programa Núcleos Cariocas, uma iniciativa da Secretaria Municipal de Assistência Social em parceria com a Associação de Moradores da Vila Progresso. Isso garantiu estrutura e apoio para a continuidade do projeto, que hoje beneficia mais de 100 crianças com aulas gratuitas, materiais esportivos e lanches após os treinos, que acontecem duas vezes na semana, terça e quinta, de 18h às 21h.
Apesar do sucesso, Marcão já pensou em desistir Com 52 anos de idade e problemas de saúde, como diabetes, quase o afastaram do campo. "Já pensei em parar, mas tenho pena. Eles me falam: 'Não para, não deixa a gente'. Então, tento ir devagar, mas não quero desistir deles. Já perdi muitos alunos para o tráfico", desabafa o treinador.

A relevância do projeto vai além das quatro linhas. Para muitas famílias, a escolinha também representa um incentivo educacional. Edilene Maria, avó de Isaque, de 7 anos, um dos alunos do Rumo, destaca essa importância. "O Marcão fala que tem que ter boa nota, senão não treina. Esse é o melhor incentivo que tem, porque o mais importante para nossas crianças é estudar, buscar seus objetivos e não ficar nessa vida louca", afirma Edilene, que acompanha o neto dentro e fora de campo.
A disciplina também faz parte da rotina dos alunos. Os treinos incluem atividades físicas, palestras motivacionais e até mesmo a participação dos pais, que são convidados a acompanhar de perto o desempenho de seus filhos. "O esporte ensina muito mais do que futebol. Aqui eles aprendem sobre respeito, responsabilidade e trabalho em equipe", explica Marcão.
Para ele, a maior satisfação é ver seus alunos conquistando espaço no esporte. "Parte da nossa vitória é ver que alguns dos meninos que começaram aqui, hoje têm a oportunidade de jogar e treinar em outros clubes. Isso mostra que o nosso trabalho tem um impacto real e pode mudar o futuro dessas crianças", diz orgulhoso.
A integração ao Programa Núcleos Cariocas facilitou o acesso de mais crianças ao projeto. Agora, as inscrições podem ser feitas diretamente na Associação de Moradores, ampliando as oportunidades para jovens que buscam no esporte uma alternativa ao contexto de vulnerabilidade em que vivem.
Atualmente marcada por desafios como a violência e a precariedade da infraestrutura urbana, a Vila Kennedy é uma das comunidades da Zona Oeste com maior número de tiroteios mensais, segundo dados do Fogo Cruzado. Ainda assim, com mais de 150 mil moradores, o território resiste e pulsa como espaço de cultura, união e transformação social, impulsionado por coletivos, artistas e lideranças locais.
Sua história começa na década de 1960, quando foi construída com recursos do governo dos Estados Unidos como parte de um plano de remoção de favelas da Zona Sul para áreas mais afastadas da cidade. Situada às margens da Avenida Brasil, foi inaugurada em 20 de janeiro de 1964 pelo então governador Carlos Lacerda, com o projeto de ser um bairro modelo, baseado na autogestão comunitária, com escolas, creches, padarias, lavanderias e centros culturais. Embora o plano original nunca tenha sido plenamente concretizado, a comunidade mantém viva sua identidade e carrega até hoje um de seus maiores símbolos: a réplica da Estátua da Liberdade, ponto de referência e memória de seu fundador.
Além do apoio institucional, o projeto também recebe suporte de ex-alunos que tiveram a vida transformada pelo esporte e hoje retornam à escolinha para ajudar na formação das novas gerações. “Eu comecei aqui quando era criança. O Marcão me ensinou a jogar, mas também me ensinou a ser uma pessoa melhor. Hoje volto para contribuir porque sei o quanto isso faz diferença”, conta João Pedro, ex-aluno que hoje atua como auxiliar técnico no projeto.
Apesar dos desafios, o "Rumo ao Estrelato" continua a crescer e inspirar novos sonhos. Com apoio da comunidade, dedicação dos treinadores e empenho dos alunos, o projeto segue mostrando que o esporte pode ser um caminho real para a transformação social. Para Marcão, cada criança que pisa no campo com um uniforme e um sorriso no rosto é mais uma vitória. "Eles são o nosso futuro, e a gente tem que acreditar neles", conclui.
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