Na moda do upcycling, chique mesmo é reciclar
- Maria Eduarda Galdino
- 5 de jun.
- 4 min de leitura
Produção de roupas e acessórios com base na sustentabilidade vira oportunidade e sustento para microempreendedoras
Por Maria Eduarda Galdino

Em meio a uma crise ambiental, o setor da moda é apontado como um dos vilões. De acordo com o relatório Fios da Moda, do Instituto Modefica, somente no Brasil, o lixo produzido pela indústria têxtil e de confecções anualmente é de 170 mil toneladas, e apenas 20% é reciclado. Além da falta de reciclagem, a produção de roupas ultrapassa os limites, só em 2029, o Brasil produziu 9 bilhões de peças de roupas, quantidade maior que a população mundial com 8,21 bilhões de pessoas.
Na contramão desse cenário, cresce o movimento de mulheres designers que apostam na sustentabilidade como base de trabalho. Uma das estratégias adotadas é o Upcycling — técnica que transforma materiais descartados em peças novas e de valor agregado. O processo evita o desperdício, reduz danos ao meio ambiente e fortalece a economia circular, modelo que propõe a reutilização contínua de recursos.
Kayka Oliveira Couto (35), designer de moda e dona da Kuhra, resolveu criar uma marca de roupas e acessórios feitos por Upcycling. Por muitos anos, Kayka trabalhou em uma rotina exaustiva como CLT antes de se tornar uma designer independente. A artista revela que procurou um curso de costura com o objetivo de ter um hobby, mas na segunda aula sentiu que queria fazer da costura algo especial. “Virou minha forma de reconstruir a vida, a loja nasceu desse processo de cura e criação.”
A artista seleciona seus materiais garimpando em bazares ou fazendo trocas com conhecidos. Kayka afirma que objetos normalmente considerados descartáveis pelas pessoas, provocam ideias para a transformação de novos produtos. “Já reaproveitei um tênis velho, um quadro lenticular e até embalagem de salgadinho. São materiais que não se encaixam na lógica tradicional da costura, então eu preciso inventar novos jeitos de modelar, cortar, estruturar”, disse.
Kayka diz que a sustentabilidade nas suas produções não surgiu como uma estratégia de vendas, mas sim, como uma complementação das suas criações. A designer percebeu que as doações e os materiais descartáveis combinavam com tecidos sintéticos e começou a desenvolver materiais sustentáveis. “Fui entendendo que isso era também um posicionamento: reaproveitar, ressignificar, reduzir impacto. Hoje, o upcycle virou o coração da Kuhra, é com ele que eu crio e conto histórias”.
Oposto ao upcycling, o modelo de produção e negócio mais utilizado na indústria têxtil atual se chama fast fashion: a produção rápida, barata e simplificada de roupas e acessórios, com a finalidade de acompanhar tendências de forma instantânea. Porém, o fast fashion é duramente criticado por causa dos impactos que gera, como a emissão de carbono, consumo de água, energia, petróleo e o descarte inadequado dos resíduos.
De acordo com a Global Fashion Agenda, a indústria da moda é responsável por cerca de 4% das emissões globais, o equivalente às emissões anuais combinadas de gases de efeito estufa da França, Alemanha e Reino Unido. Com a crescente popularidade do fast fashion, esse número pode aumentar ao longo dos anos, pois sua lógica contribui para o aumento das emissões de carbono.
Segundo o levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe),o Brasil descarta 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis por ano — o que representa 5% de todo o lixo produzido no país. Também, de acordo com a Fundação Ellen MacArthur, a cada segundo, um caminhão de lixo com roupas é queimado ou despejado em aterros sanitários.
O engenheiro ambiental e professor da Uerj Ronei de Almeida, explicou ao Rampas que os tecidos descartados podem levar centenas de anos para se decompor de acordo com as condições ambientais do local onde as roupas são descartadas. “Durante esse tempo, os tecidos sintéticos liberam microplásticos e compostos tóxicos, contribuindo para a poluição ambiental e danos à saúde pública.”
Além disso, o professor acrescentou que certos tecidos podem prejudicar o meio ambiente até mesmo na hora da lavagem. Alguns materiais como o poliéster, liberam partículas de microplásticos quando entram em contato com a água, podendo afetar o meio ambiente de diversas formas. “Materiais como o poliéster podem liberar essas partículas durante o uso e a lavagem, contribuindo para a contaminação de diversos compartimentos ambientais, como o ar, o solo e os recursos hídricos”, disse.
Larissa Toblu (25) é designer de moda sustentável há 5 anos. Ela conta que começou seu negócio com um brechó online aberto na pandemia para adquirir uma renda extra. Logo depois da quarentena, expandiu suas vendas nas feiras de moda do Rio de Janeiro, e começou a reutilizar peças e tecidos que sobravam no estoque. “Muitos dos meus produtos eram doações de amigas porque muitas delas tinham calças jeans rasgadas. Eu também pego sobras de algumas fábricas que vendem a preços mais acessíveis para microempreendedores. A partir daí que eu recolho todas essas peças”, explicou.
Larissa acredita que reutilizar roupas e acessórios não é um conceito novo, especialmente entre famílias de baixa renda, que historicamente recorrem a essas práticas por necessidade, muito antes de serem rotuladas como ‘sustentáveis’. “Se a gente parar para pensar, isso sempre existiu. As pessoas mais pobres, que não tem condições financeiras maiores de comprar novos produtos, sempre utilizavam da sustentabilidade por necessidade. Infelizmente o sistema é muito rápido e instaura o desejo de querer tudo novo.”

De acordo com estudo do Observatório Itaú Cultural sobre a economia criativa, na qual se inserem atividades como artesanado, moda, audiovisual e produção de conteúdo digital, as mulheres representam metade dos trabalhadores desse setor. Outra pesquisa realizada pelo Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box, Relevância das Mulheres nas finanças das Famílias Brasileiras, mostra que, das mulheres empreendedoras e autônomas, 43% são donas da sua própria empresa. A maioria define seu negócio como Micro Empresário Individual (MEI),e os ramos predominantes de atuação são saúde, moda e vestuário.
Larissa Toblu afirma que é fundamental que as mulheres estejam presentes no ramo sustentável. “Conheço diversas mulheres que utilizam do upcycling tanto para dar oficinas quanto para vender os seus produtos, é uma potência muito grande, a sustentabilidade tem uma força feminina muito forte.”
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