No mês de conscientização sobre bebês prematuros, a campanha do Novembro Roxo ressalta a importância dos cuidados desde os primeiros dias de vida
“Você não espera aquilo, mas recalcula a rota e continua porque o seu filho precisa de você.” Com essa frase, Janaina Pacheco, 39, relata sua experiência como mãe do menino Gabriel, que nasceu prematuro com 26 semanas e passou 77 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Neonatal.
Janaina engravidou de gêmeos e conta que, apesar da gravidez planejada e de saber antecipadamente das chances de um parto prematuro, já que cerca de 60% dos gêmeos nascem antes de 37 semanas de gestação, não estava preparada para o rompimento da bolsa com 26 semanas (6 meses) de gestação. “Eu precisei ir para o hospital, lá o médico fez o exame de toque e me disse que eu estava em trabalho de parto. Fizemos a cesárea, a Bia nasceu pesando 800g, e o Gabriel, 1kg. Minha filha ficou 35 dias na UTI mas não resistiu. O Gabriel teve alta depois de 77 dias.”
A história de Janaina é como a de outras mães que passam pela experiência da UTI Neonatal. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos cerca de 15 milhões de crianças nascem prematuras no mundo. O Brasil está em 10ª posição no ranking mundial, com aproximadamente 340 mil nascimentos prematuros anuais.
Em entrevista ao Rampas, Ana Lucia Goulart, professora de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) e uma das fundadoras da ONG Instituto do Prematuro, destacou o pré-natal como uma etapa crucial na gestação. Quando a gestante começa a fazer exames e ter acompanhamento médico, é mais fácil identificar condições ou anormalidades que podem levar ao parto prematuro. “Um pré-natal de qualidade vai incluir prevenção de infecções, de uso de álcool, drogas, fumo na gestação e muitas outras questões de saúde global”, conta.
Apesar da recomendação do Ministério da Saúde do início precoce da assistência pré-natal (antes da 12ª semana gestacional), com no mínimo de 8 consultas durante a gestação, a pesquisa Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz, mostra que no país muitas gestantes ainda encontram dificuldades para seguir essas recomendações, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
Para conscientizar sobre o problema, a campanha do Novembro Roxo deste ano, traz o tema “Cuidados maternos e neonatais de qualidade em todos os lugares”.
No Brasil, apesar da queda de 12,5% em 2015 para 10,6% em 2023, a taxa de prematuridade ainda é alta: 11,7% de todos os partos são prematuros, o equivalente a 930 nascimentos por dia, ou seja, 6 bebês prematuros a cada 10 minutos. “A prematuridade é a principal causa de morte nos primeiros 5 anos de vida e que é uma causa que contribui para uma taxa de mortalidade mais elevada. O prematuro morre mais jovem do que indivíduos que não nasceram prematuros. Então, cuidar da prematuridade, prevenir, cuidar bem, faz toda a diferença pra saúde do indivíduo e da população em geral. É um indicador de qualidade de saúde da população quando a gente fala em mortalidade infantil”, ressalta Ana.
O que é prematuridade?
Bebês são considerados prematuros quando nascem antes de 37 semanas de gestação, cuja duração completa varia entre 37 e 42 semanas, aproximadamente 9 meses.
Ana Lucia explica que os prematuros podem ser classificados em três categorias: extremos, intermediários e tardios. Os prematuros extremos, nascidos antes das 28 semanas, correm mais risco de vida, pois apresentam um estado de saúde muito frágil. Os intermediários, que nascem entre 28 e 34 semanas, formam a maior parte dos casos. Já os prematuros tardios, entre 34 e 37 semanas, têm melhores prognósticos, mas ainda requerem cuidados especializados. “Quanto mais baixa a idade gestacional, maior é o risco. Mas existem alguns indicadores que mostram quando a criança tem maior potencial de atraso de desenvolvimento e isso deve ser monitorado desde os primeiros dias de vida”, explica.
Entre os fatores de risco, Ana destaca a sepse (infecção generalizada), a hemorragia intracraniana e a leucomalácia periventricular (LPV) - essa última condição pode comprometer o desenvolvimento neuropsicomotor e, em casos graves, levar à paralisia cerebral. Foi o que aconteceu com Gabriel, filho de Janaina. “Às vezes a pessoa tem um filho prematuro e ele evolui e desenvolve normalmente, ela não se torna uma mãe atípica. No meu caso, eu me tornei mãe atípica depois de um tempo com o diagnóstico de paralisia cerebral. A maternidade atípica é um recálculo de rota, porque você não espera aquilo, mas você recalcula a rota e continua porque o seu filho precisa de você.”
Ter um ambiente e profissionais preparados para receber um nascimento de risco é essencial para evitar complicações e até mesmo o óbito na sala de parto. No caso de Luzeni Lopes, de 57 anos, a falha da assistência médica levou ao parto prematuro de seu filho João. Ela conta que teve uma gravidez tranquila e acompanhamento médico em Chapadinha, interior do Maranhão, mas por um erro médico precisou passar 6 dias com seu bebê na UTI Neonatal.
A orientação da médica que fez seu acompanhamento pré-natal era aguardar até uma data após o dia 20 de abril para realizar o parto. No entanto, o médico que conduziu seu parto optou por fazer uma cesariana duas semanas antes da data prevista, o que resultou em falta de oxigênio para o bebê, levando-o a uma incubadora na UTI Neonatal. “Eu falei para ele que a médica que acompanhou minha ultrassom tinha dito que era só depois do dia 20. Como ele tirou antes, meu filho nasceu com falta de oxigênio e teve que ir para a incubadora,” relembra Luzeni.
Cuidados essenciais
Segundo Karla Pontes, gestora da Área de Atenção Clínica ao Recém-Nascido do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), o ambiente nas UTIs Neonatais deve ser cuidadosamente planejado para minimizar o impacto no desenvolvimento bebê. “Temos um cuidado padrão, com monitorização, nutrição parenteral e oxigenoterapia, mas cada bebê é uma surpresa. É importante respeitar a singularidade de cada caso e os cuidados vão sendo adaptados conforme as condições clínicas do prematuro.” afirma.
Medidas como redução da luminosidade, controle de ruídos e protocolos de manuseio minimamente invasivo estão sendo implementadas em UTIs Neonatais de todo o Brasil. “Hoje, temos UTIs com iluminação ajustável, hora do soninho para reduzir estímulos. Tudo isso faz diferença no desenvolvimento neuromotor desses bebês,” destaca Karla.
Além do cuidado clínico, ela reforça a importância do acolhimento às famílias e do suporte psicológico. “Os profissionais precisam entender que os grupos de apoio para os pais são muito importantes e quando a gente trabalha em neonatologia, a gente não trabalha só com bebê, mas também com a família.”
Essa rede de apoio, contudo, nem sempre é oferecida, como relata Janaina sobre sua experiência na Unidade de Tratamento Intensivo. “ O período de UTI tem riscos demais, é bem desesperador. A gente vê outros bebês falecerem, eu estava vivendo o luto da minha filha também, e o ambiente era bem frio, pouco acolhedor.”
Embora tivesse o apoio da família, Janaina só iniciou o acompanhamento psicológico após a alta do filho. Ela conta que na escrita encontrou uma forma de lidar com os acontecimentos de sua gestação e ajudar outras mães que passaram por situações semelhantes. Seu livro “Gabriel Menino Sorriso: Vencendo Desafios” foi lançado em maio deste ano e tem como inspiração a história do filho Gabriel, hoje com 5 anos. “O livro foi um processo de cura pra mim”, conta.
Hoje, Janaina usa seu perfil nas redes sociais para disseminar informações e criar um espaço de acolhimento para mães e pais de crianças prematuras e atípicas. “Falta muita informação para as mães de prematuros e para as mães atípicas. E essa é uma forma da gente levar mais informação e acolhimento para essas famílias que precisam tanto”.
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